Regressar ao local onde já fomos felizes não tem de ser sinónimo de desilusão, principalmente se encararmos o momento sem as expectativas lá em cima, mas como uma nova oportunidade que pode, ou não, correr bem. Foi isso que fez Simone Biles e, adivinhem, voltou a ser feliz. A ginasta norte-americana de 26 anos, dona de sete medalhas olímpicas, que parou durante dois anos, voltou ao palco onde tudo começou, dois meses após o regresso à competição: Antuérpia, Bélgica, local do seu primeiro Mundial, em 2013.
Simone Biles mostrou que os dois anos de paragem para cuidar da sua saúde mental não prejudicaram em nada, antes pelo contrário, a sua performance física. A campeã olímpica que já anunciou vontade de disputar os Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, chegou disposta a arriscar e realizou o salto de cavalo mais difícil da modalidade, o Yurchenko Double Pike [Yurchenko com duplo mortal encarpado], que tem a maior pontuação no código da Federação Internacional de Ginástica (FIG). Foi a segunda vez que o fez - a primeira foi em 2021 e na altura mereceu os parabéns da soviética Natalia Yurchenko que deu o nome ao salto -, pelo que a FIG decidiu homologar o salto que passa a chamar-se “Biles II”.
Com o salto, a norte-americana somou a nota mais alta em três dos quatro aparelhos, garantiu a liderança individual nos Campeonatos do Mundo de Ginástica e ajudou os EUA a ocupar o 1º lugar na classificação por equipas. Nos dois saltos de cavalo somou 14,949 pontos; no solo, Biles conquistou a pontuação de 14,633 e na trave garantiu 14,566. O único aparelho que não liderou foi as barras assimétricas, ficando na segunda posição, com 14,400, atrás da compatriota Shilese Jones, que fez 14,833 pontos. As finais começam a partir desta segunda-feira e se os EUA vencerem a competição será a sétima vez consecutiva que o fazem, um resultado histórico.
Com 25 medalhas em Mundiais, incluindo 19 ouros, a tetracampeã olímpica tem praticamente todos os recordes desportivos e, dir-se-ia, nada a provar. Porém, a sua precoce saída dos Jogos Olímpicos de Tóquio, onde anunciou atravessar um momento particularmente difícil a nível psicológico, preferindo retirar-se para tratar da sua saúde mental, lançou a dúvida se seria capaz de regressar às grandes arenas - e em que condições.
A escolha de Biles serviu não só para colocar o mundo a falar sobre um problema que afeta todos, incluindo os desportistas, mas sobretudo para ela própria aprender a lidar com os nervos e a pressão. Nestes dois anos, a ginasta não só deu prioridade à sua saúde mental como casou com o jogador de futebol americano Jonathan Owens, e voltou ao seio da equipa norte-americana, onde foi muito acarinhada e ajudada pelas colegas de equipa e os treinadores, como a própria reconheceu numa entrevista ao site “Olympics”, antes do mundial.
Apesar de, na Bélgica, ter preferido proteger-se dos olhares do mundo, evitando as entrevistas na zona mista, Simone Biles parece ter provado em competição, onde realmente interessa, que está pronta para os novos desafios, até porque, segundo as suas palavras, aprendeu a encarar os momentos de grande tensão e os grandes palcos de outra maneira:
“Acho que o significado de sucesso para mim é um pouco diferente do que era antes, porque antes toda a gente definia o sucesso por mim, mesmo que eu tivesse a minha própria narrativa. Por isso, agora, é só aparecer, estar com a cabeça bem, divertir-me e o que acontecer, acontece.”
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