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O fim de uma lenda do tatami: Telma Monteiro retirou-se, mas vai continuar ligada ao judo

Telma Monteiro, em 2016, após ganhar o combate da medalha de bronze nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Telma Monteiro, em 2016, após ganhar o combate da medalha de bronze nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
David Ramos

A carreira de atleta da talvez maior referência do judo português. Aos 38 anos, Telma Monteiro, vencedora do bronze olímpico nos Jogos do Rio de Janeiro, anunciou a sua retirada. Mas vai continuar ligada à modalidade, assumindo já a coordenação do departamento de judo do Benfica

Esta segunda-feira chegou a confirmação há algum tempo suspeitada, mas que nunca seria amparada pelo efeito de um tapete de judo. Aos 38 anos, Telma Monteiro anunciou a retirada do judo, dos kimonos, dos ippons e tudo o resto. “Termino a minha carreira como queria, com a sensação que dei tudo o que tinha de dar, e foi como tinha de ser. Uma gratidão eterna”, disse à “BTV”, televisão do clube que representou desde 2007 e com o qual vai continuar.

Terminada a fase de atleta, assumirá já a coordenação do departamento de judo do Benfica que, ainda há meses, representava no tatami: em outubro, Telma foi campeã nacional por equipas, derradeiro título de um percurso marcado por conquistadas. “Terminar a ganhar um título pelo Benfica, junto das pessoas que me são próximas, da minha equipa, por isso, para mim, foi especial”, assumiu também quem sempre pareceu ser movida por uma qualquer força da natureza.

Ou por uma confiança inabalável em cada momento no tatami, com a certeza de uma vitória antecipada, foi durante muito tempo a vida de Telma Monteiro, a judoca fenómeno sem o querer ser.

Em pequena, o gosto estava no futebol, com uma bola nos pés, num bairro social de Almada, até experimentar, aos 14 anos e quase de forma tardia, o judo, por influência da irmã Ana, e aí se percebeu que nascia uma fora de série.

Telma, que sonhava em viajar, encontrou na modalidade, com as suas muitas provas internacionais, o pretexto perfeito, mas mais do que isso, acumulou competições e medalhas, tornando-se uma judoca de excelência, a melhor de várias gerações.

Os primeiros anos de carreira traziam confiança e a certeza da vitória, com um percurso iniciado nos -52 kg, uma categoria em que se manteve até aos Jogos Olímpicos Pequim2008, transitando depois para os -57 kg.

Em ambas acumulou medalhas e títulos, alguns dos quais para perdurar no tempo, como as inéditas 15 medalhas em edições distintas de Europeus (seis de ouro, duas de prata e sete de bronze), que a tornam um caso ímpar na competição.

A judoca, de cabelos aloirados e carrapito preso na parte lateral, uma imagem de marca, cavalgou a glória, ano após ano, desde as primeiras conquistas com 16 anos, num percurso com Taças do Mundo, Masters, Europeus, Mundiais e Jogos Olímpicos.

Telma Monteiro experimentou quase tudo, com um percurso em que teve várias vezes de se reinventar, fosse pelas mudanças de regras, quando o seu judo era menos clássico e permitia outro tipo de pegas (baixas), ou por ter de superar inúmeras lesões.

Nas duas categorias em que competiu, à judoca faltou o título mundial, depois de ter estado por quatro vezes numa final, uma em -52 kg (2007) e três em -57 kg (2009, 2010 e 2014), e ter sido uma vez medalha de bronze (2005).

Um feito que viria a ser alcançado pelo judoca Jorge Fonseca (-100 kg), que em 2019 e 2021, conquistou os primeiros títulos mundiais de um português na modalidade.

Também nos Jogos Olímpicos, Telma perseguiu durante largo tempo uma medalha, desde a estreia em Atenas2004, até Pequim2008 ou Londres2012, nestas edições como uma das favoritas, mas a pressão teve sempre enorme peso.

David Ramos

Telma Monteiro teve de esperar até 2016, nos Jogos do Rio de Janeiro, onde a expectativa seria menor e foi aí, já na repescagem e a dois combates da ambicionada medalha, que a judoca gritou “eu vim para ficar!”.

Um autêntico grito de guerra depois de vencer a francesa Automne Pavia, uma das favoritas, e ainda antes do combate pelo bronze diante da romena Corina Caprioriu, a quem venceria, mesmo debilitada num ombro.

As lesões foram, aliás, uma sina para a judoca almadense, que teve a primeira grande lesão em 2008, num joelho, antes dos Europeus de Lisboa, e num ano que tinha começado com a morte súbita do amigo e selecionador António Matias.

Foi o primeiro embate psicológico e físico para a judoca, que na segunda metade da carreira foi várias vezes obrigada a parar, com lesões graves no ombro, cotovelo ou joelhos, a última das quais já em 2023.

De quase todas, Telma regressou e após algumas ainda com força para chegar aos títulos, mas na última tornou-se evidente, aos 37 anos, que a judoca já não lutava apenas com as adversárias, mas também com o seu corpo.

“Infelizmente, lesionei-me na primeira luta e tive de desistir. Tem sido muito difícil lutar contra o meu corpo, sinto-me frustrada com isso”, comentou a judoca em novembro de 2023, após nova rotura de ligamentos num joelho.

O objetivo era chegar aos sextos Jogos Olímpicos da carreira, em Paris2024, o que a tornaria a desportista portuguesa com mais presenças olímpicas, quando tem as mesmas cinco de Susana Feitor e Fernanda Ribeiro, e no judo mundial seria caso único.

A lesão nos Europeus de Montpellier2023 ‘travou’ o ranking de Telma Monteiro, que acabaria sem pontos suficientes, por falta de resultados em competição, e mesmo quando tentou regressar em abril deste ano.

Na história ficam cinco Jogos Olímpicos e uma medalha no maior palco, cinco medalhas mundiais (quatro prata e uma de bronze), 15 em europeus, 24 entre Masters, Grand Slam e Grand Prix, e 20 entre Taças do Mundo e Opens.

Nos Masters, competição que reúne a elite da modalidade, conheceu todos os lugares do pódio, e em Paris, no Grand Slam – encarado como o torneio mais importante do circuito -, foi por duas vezes campeã, contando também com o bronze.

A judoca, que se notabilizou na equipa almadense das Construções Norte/sul e que se mudou em 2007 para o Benfica, fechou a carreira no clube da Luz, o 'matê' [paragem no combate] definitivo da judoca, formada em Educação Física e com pós-graduação em gestão, que já vislumbra o futuro como coordenadora da modalidade no Benfica.

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