A culpa, a boa culpa, é de Alípio Silva. Homem sem patins, foi o treinador que teve a ideia de pôr a patinar sobre o gelo quem tinha o nariz torcido à ideia. Jéssica Rodrigues não via piada nisso, era feliz com as rodas, já as tinha entranhadas no conforto de rolar: nascida na Ponta do Sol, onde o Atlântico banha a ilha da Madeira a sul, a adolescente tem a uns 15 quilómetros de onde veio ao mundo a pista de patinagem do Clube Desportivo e Recreativo dos Prazeres. “Para ser sincera, não gostei muito do gelo, foi muito diferente”, confidencia. Aliás, logo acentua: “É mesmo muito diferente das rodas.”
Não é curioso que o diga, mas será fantástico que se tenha adaptado tão bem. Sobre rodas não há materiais a entrarem noutros, quando calçados os patins em linha permitem que um objeto tire partido de uma superfície para deslizar. Do contacto retira-se o proveito. Se houver metal afiado na base dos pés e água solidificada por baixo, surge a intromissão entre materiais. “Se pusermos a lâmina um pouco torta no gelo, a força que fazemos já não vai compensar tanto. São coisas muito pequenas que fazem a diferença”, explica sucintamente, indo de novo ao que diverge quando a questão em Jéssica Rodrigues é a convergência.
A adolescente que conheceu as rodas bastante antes das lâminas é, aos 18 anos, campeã mundial júnior de patinagem no gelo porque soube aplicar as suas valências noutro contexto. “A minha base, o saber patinar, há coisas que consegui aproveitar. Já tinha força e uma condição física muito boa nas rodas”, justifica quem venceu o ouro em Collalbo, no Tirol do Sul, região montanhosa de Itália com tiques austríacos onde acabou a ser a mais rápida nos 400 metros na prova de mass start. E deu o primeiro título do género a Portugal, o país acalorado das brandas temperaturas, nas modalidades de inverno. Desde então “tem sido uma loucura”.
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