Da dor depois de visitar a família real aos meses de “frustração”: os 376 dias de espera de Keely Hoodgkinson acabaram em glória
Maja Hitij
A campeã olímpica dos 800 metros esteve mais de um ano parada, mas nem a própria acreditava num regresso tão bom. Venceu, em cinco dias, duas vezes na Diomand League, uma delas estabelecendo a liderança mundial na distância e obtendo a nona melhor marca de sempre, feitos que a deixaram “em choque”
Keely Hoodgkinson corre muito. Desta vez parece que a arte esteve não em andar, mas em parar. Em deter o tempo, congelá-lo, parecer que Paris em agosto de 2024 e Silésia em agosto de 2025 eram espaços e tempos separados não por muitos quilómetros e 12 meses, mas contíguos e simultâneos.
A britânica de 23 anos foi figura nos Jogos Olímpicos da capital francesa, sagrando-se campeã olímpica nos 800 metros. Era a confirmação do destaque de Tóquio, onde conquistou a prata com apenas 19 anos. Mas seguir-se-iam meses de "frustração".
Uma lesão, duas lesões, três lesões. Teve três problemas nos isquiotibiais, os dois primeiros à esquerda, o derradeiro à direita. Parou de competir durante 376 dias, mas o retorno pegou no ponto onde se estava.
A mesma concentração antes do tiro de partida, um ritmo forte, a liderança do grupo durante as duas voltas à pista. Uma aceleração na derradeira curva, um sprint nos últimos 200 metros, a fórmula de Paris aplicada na Silésia.
Pisando uma pista pela primeira vez desde os Jogos, Hoodgkinson não acusou a inatividade. Na Diamond League na Silésia, a 16 de agosto, o relógio da glória retomou como se nada se alterara desde Paris. Ganhou à frente de Lillian Odira, do Quénia, e de Oratile Nowe, do Botswana, com um tempo de 1:54.74, a melhor marca de 2025 nos 800 metros e a nona melhor marca da história.
Maja Hitij
O registo ficou a meros 0,13 segundos do recorde pessoal da mulher de Manchester, conseguido na Diamond League de Londres 2024, antes de Paris. Esse máximo de Hoodgkinson é o sexto melhor tempo de sempre nos 800 metros, uma distância com um recorde antigo, de 1983, quando a checa Jarmila Kratochvílová, em Munique, parou o cronómetro a 1:53.28. Desde então, não mais se voltou a baixar do minuto e 54 segundos. Kratochvílová sempre negou as insinuações de doping, dizendo que a sua força veio de ter trabalhado, toda a vida, na quinta do tio.
Passados cinco dias, a bicampeã europeia (Munique 2022 e Roma 2024) confirmou o regresso triunfal. Em Lausanne, novamente na Diamond League, encontrou condições bem diferentes. Humidade, chuva, piso molhado, como se corresse na sua Manchester durante o inverno.
Não lhe fez muita diferença. Fez 1:55.69, à frente de Georgia Hunter Bell, sua parceira de treino, e da Audrey Werro, atleta da casa, ganhando comodamente.
WPA Pool
"Estou em choque", disse Hoodgkinson, mais espantada do que somente alegre, depois do duplo êxito separado por cinco dias. "Não poderia ter pedido um melhor início de época", completou.
Em 2021, a atleta ainda estudou o primeiro ano do curso de criminologia, na Universidade de Leeds, antes de desistir para se focar somente na vida nas corridas. Ainda assim, há algo de investigação judiciária ao perceber as razões que levaram à terceira das lesões que contraiu nos últimos meses.
Em maio, a campeã olímpica foi ao castelo de Windsor ser condecorada pelo príncipe William. O monarca fê-la MBE (Member of the Most Excellent Order of the British Empire), uma distinção atribuída pela casa real. Para receber a medalha, Hoodgkinson foi e voltou para Manchester de carro, quatro horas para baixo, quatro horas para cima. Terá estado aí o problema.
Diz um dos seus treinadores, Trevor Painter, que as oito horas de viagem lhe massacraram as costas, suscetíveis a fragilizarem o resto do corpo. Debilitaram-se isquiotibiais, bastaram dois treinos para a terceira lesão.
Personalidade desportiva de 2024 para a "BBC", a britânica olha agora para os Mundiais de atletismo, a disputar de 13 a 21 de setembro em Tóquio. Com duas medalhas de prata na competição, o objetivo será juntar o título mundial ao olímpico e europeu.