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Depois da Europa, tudo o resto: o K4 500 português não sabe o que é perder e sagra-se campeão mundial de canoagem em Milão

Depois da Europa, tudo o resto: o K4 500 português não sabe o que é perder e sagra-se campeão mundial de canoagem em Milão

Campeã da Europa em junho na sua primeira prova internacional, a embarcação constituída por Gustavo Gonçalves, João Ribeiro, Messias Baptista e Pedro Casinha juntou-lhe agora o ouro nos Mundiais, uma medalha inédita na rica história da canoagem portuguesa, numa prova feita de uma perfeita gestão física do início até ao fim

Há quatro anos, a canoagem portuguesa viveu um momento de natural encruzilhada numa das suas embarcações de maior sucesso. O K4 500 de Emanuel Silva, João Ribeiro, Messias Baptista e David Varela chegou à final de Tóquio, mas a regata decisiva dava sinais inequívocos de fim de ciclo. O 8.º lugar entre os melhores do mundo é bom, claro, muito bom. Mas o cansaço sentia-se nas palavras emocionadas dos canoístas portugueses, frases de incompreensão face à terrível constatação que até o trabalho mais sério e dedicado não estava a chegar para chegar ao pódio.

Em Paris, Portugal não conseguiu qualificar o seu barco de quatro, campeão da Europa em 2011, vice-campeão mundial em 2014, 6.º classificado nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Era necessária a mudança, encontrar novos atores depois da desilusão da não presença olímpica nos últimos Jogos. E do adeus de nomes que tanto suor havia colocado naquela embarcação. O histórico Emanuel Silva, vice-campeão olímpico em 2012, deixou a competição, tal como David Varela, este no final do ano passado. Kevin Santos, com bons resultados em provas de 200m, também chegou a fazer parte da equipa, mas não se fixou. Portugal tinha no jovem Messias Baptista, que se estreou olimpicamente em Tóquio, um talento para reter, numa modalidade onde ela tem sido tão difícil. E em João Ribeiro a experiência necessária para a transição. Faltava renovar dois dos lugares.

Chegaram então à equipa mais dos jovens, Gustavo Gonçalves e Pedro Casinha, ainda ambos sub-23. E essa transição não poderia estar mais bem-sucedida. Em junho, na primeira regata internacional do novo quarteto, Portugal foi campeão da Europa, em Racice, na Chéquia. E agora, dois meses depois, chega um inédito título mundial, numa distância que é olímpica e obriga Portugal a sonhar alto para Los Angeles.

Se em Racice a prova de Gustavo Gonçalves, João Ribeiro, Messias Baptista e Pedro Casinha foi feita de ataque e controlo, em Milão, onde decorrem estes Mundiais, o quarteto foi ainda mais exímio na gestão do esforço, de forma calma, fria e confiante, face à oposição da fortíssima embarcação da Hungria.

A meio da prova, aos 250m, o K4 português liderava, mas sem folga. Na reação ao ataque húngaro, não houve pânico nem tentação de despender mais esforços do que aqueles que podiam ser usados. Um K4 é uma embarcação feita de quatro personalidades, quatro corpos, quatro condições físicas, quatro mentes: fazer com que tudo isto resulte em pouco mais de um minuto de prova é um esforço extraordinário de simbiose.

Esse tão difícil alinhamento de vontades e estados de espírito nunca deixou a equipa portuguesa, em momento algum. Nem quando caiu para segundo. Nunca deixou fugir a Hungria, manteve os rivais sempre no elástico, numa ilusão vã de que era possível roubar o ouro aos portugueses. E nos metros finais, Portugal teve a força e o coração para conseguir regressar à liderança e passar a meta em primeiro, com os húngaros a escassos cinco centésimos. A Espanha foi medalha de bronze, a 40.

Esta é a primeira medalha de Portugal nos Mundiais de Milão, nos quais João Ribeiro e Messias Baptista defendem o título de K2 500 metros e Fernando Pimenta de K1 1.000.

Gustavo Gonçalves, a primeira cara que se dá ao sol na embarcação, jogou-se ao canal, um salto de felicidade de quem, tão jovem, veio do Clube Náutico de Marecos, em Gondomar, para conquistar o mundo. Ainda há poucas semanas foi também ouro com o colega Pedro Casinha no K2 500 nos Mundiais sub-23. A nova geração está aí para continuar os esforços de José Garcia, de Emanuel Silva, de Teresa Portela, de Fernando Pimenta, que ainda por cá anda e parece eterno.

Em Tóquio, o desânimo e as lágrimas dos atletas portugueses, num dia em que a chuva torrencial chegou à capital nipónica, não seriam ainda o ponto mais baixo para esta embarcação. Ainda havia que sofrer um pouco mais. Por vezes, é preciso conhecer os fundos para voltar à tona, para saber que o sol vai voltar a brilhar. Esta tarde, em Milão houve sol, muito sol. Que voltou a brilhar para um K4 que, para já, só sabe o que é ganhar.

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