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Refugiado ucraniano Aonishiki é a nova sensação do sumo no Japão. E quer ser o primeiro yokozuna europeu

Refugiado ucraniano Aonishiki é a nova sensação do sumo no Japão. E quer ser o primeiro yokozuna europeu
JIJI PRESS

Danylo Yavhusishyn, nome de combate Aonishiki Arata: este jovem de 21 anos tornou-se num dos primeiros europeus a vencer um torneio de elite de sumo no Japão e está a caminho de chegar ao ranking mais alto, onde nunca antes houve um atleta do velho continente. Tudo aconteceu depois de fugir da guerra, em 2022, e de chegar ao Japão com apenas uma mala

Abre-se a página online em inglês do “Asahi Shimbun”, um dos mais antigos e populares jornais diários do Japão, e quem surge na manchete é Danylo Yavhusishyn. Ou melhor, Aonishiki Arata. Foi este o nome que o jovem ucraniano de 21 anos adotou na sua vida profissional enquanto praticante de sumo e é de Aonishiki que o Japão não pára de falar depois deste se ter tornado no primeiro cidadão ucraniano (e um dos poucos europeus) a vencer um torneio de elite no país, numa fulgurante ascensão no desporto nacional nipónico - o Japão é a única nação onde o sumo é praticado de forma profissional. 

Há muito que atletas da Mongólia ou Estados Unidos (muitos com origens japonesas) terminaram com o monopólio japonês no sumo, mas são raros os casos de sucesso entre europeus. Danylo Yavhusishyn pode mudar essa história, ele que chegou há três anos ao Japão, depois da invasão russa do seu país. No fim de semana, Aonishiki venceu o torneio de Kyushu, batendo o yokozuna mongol Hoshoryu, o que lhe deverá valer a subida ao estatuto de ozeki, o segundo mais importante, antes precisamente do grau de yokozuna. Até hoje, apenas três europeus conseguiram chegar a ozeki

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Yavhusishyn é o sexto lutador de sumo mais jovem de sempre a ganhar um torneio, de acordo com o “Asahi Shimbun”. Não descurando as tradições, no final segurou uma gigante dourada, comum quando um lutador vence um torneio, por ser um símbolo de boa sorte e de celebração no Japão. Profissional desde setembro de 2023, Yavhusishyn foi também o lutador a chegar de forma mais rápida à principal divisão da modalidade desde a década de 50, quando o atual sistema de divisões foi criado. E os feitos não deverão ficar por aí. À imprensa japonesa, o ucraniano sublinhou que quer “chegar um nível acima no ranking”. Ou seja, tornar-se no primeiro yokozuna europeu de sempre.

Seria histórico. E, para aqui chegar, Yavhusishyn passou por muito. Como fugir de uma guerra.

Da guerra ao apoio de uma nova família

Danylo Yavhusishyn era ainda uma criança quando o sumo entrou na sua vida. E tudo porque um dia a sua mãe se atrasou a ir buscá-lo a um treino. Inicialmente Danylo praticava judo na sua terra natal, Vinnytsia, no território central da Ucrânia. Quando a mãe se demorou um pouco mais a recolhê-lo após a sessão, o jovem notou que alguns atletas mais velhos tomavam o lugar no pavilhão. Não iam praticar judo, mas sim sumo. 

“Tinha 6 anos na altura e não percebia muito bem o que se passava e que desporto era aquele. Mas gostei da forma como era decidido o vencedor e rapidamente as regras também ficaram claras, fáceis de entender. Interessei-me e quando a minha mãe chegou disse-lhe que não queria mais judo, que o sumo era o desporto que eu queria fazer”, explicou no mês passado numa conferência do Clube dos Correspondentes Estrangeiros do Japão. Há atrasos que acontecem por uma razão.

Em 2019, Danylo impressionou no Mundial junior, que se realizou em Sakai, perto de Osaka, ao ficar em 3.º lugar com apenas 15 anos, depois de competir com adversários mais velhos. Foi aí que conheceu alguém que seria, anos depois, decisivo para o ucraniano fazer do sumo um modo de vida. Arata Yamanaka era também ele um jovem praticante e ficou impressionado com a técnica do rival. Os dois iniciaram aí uma amizade que seria regada com constantes interações no Instagram, cada um no seu continente. Quando Yamanaka soube da invasão da Rússia à Ucrânia, apressou-se a tentar ajudar o amigo.

Jordan Pettitt - PA Images

Danylo Yavhusishyn encontrou um primeiro refúgio em Dusseldorf, na Alemanha, onde a mãe trabalhava, mas com poucas condições para continuar a treinar sumo naquele país, perguntou a Yamanaka se este o podia ajudar a mudar-se para o Japão, onde conseguiria perseguir o sonho de se tornar profissional. Chegou ao país em abril de 2022 com apenas uma mala na mão e com a ansiedade de quem acabou de fugir de uma situação limite. Foi a própria família de Yamanaka que se tornou guardiã do ucraniano, ajudando-o a conseguir visto, dando-lhe casa e custeando boa parte da sua formação, conta o “Asahi Shimbun”.

Na hora de escolher o seu nome de combate, Danylo Yavhusishyn homenageou o amigo, elegendo o seu nome próprio como parte da nova identidade: Aonishiki Arata. Já fala fluentemente japonês e usa o azul da bandeira da Ucrânia nos seus uniformes de combate.

“Ele trabalhou no duro, mesmo antes de entrar no mundo profissional do sumo. A nossa família percebeu que ele ia evoluir muito rapidamente”, sublinhou Yamanaka ao “Hochi”, jornal desportivo japonês: “Para mim o Aonishiki é como um irmão mais novo e ele trata os meus pais como mãe e pai. Sabendo como ele começou quando veio para o Japão isto torna-se muito significativo”.

Agora, o ucraniano chega a um restrito grupo. Antes dele, só Kotooshu Katsunori, da Bulgária, Baruto Kaito, da Estónia e Tochinoshin, da Geórgia atingiram o nível de ozeki entre os atletas da Europa que se aventuraram neste desporto que é uma religião no Japão. Aonishiki pode chegar ainda mais longe, ainda há muitas douradas para carregar.

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