Há tumultos e depois há o pai de todos os tumultos. E despedir o selecionador nacional a dois dias do arranque do Mundial é bem capaz de cair neste grupo. Não foi portanto uma surpresa perceber que a sala de conferências de imprensa do Estádio Fisht seria demasiado pequena para todos aqueles que queriam ouvir Fernando Hierro, selecionador nacional de recurso na antevisão ao jogo frente a Portugal. Para apimentar o evento, o jogador escolhido para falar foi nada mais, nada menos que o capitão Sergio Ramos de quem já se escreveu tudo e mais alguma coisa na última semana: que tinha tentado impedir a saída de Lopetegui, que quase andava ao soco com o presidente da federação espanhola, entre outras sumarentas coisas.
Encontrar um espacinho foi tarefa hercúlea: envolveu um curto período sentada no chão, uma porta nas costas e finalmente uns segundos de negociação com uma equipa de reportagem venezuelana para que me cedessem um dos dois lugares que ocupavam.
Tive sorte, porque outras dezenas ficaram de pé, gravador ou telemóvel na mão, bloco de notas na outra, malabarismos necessários para estas ocasiões. Hierro e Ramos chegaram 10 minutos atrasados, o que deu o seu jeito para que todos se acomodassem. E antes de começarem, uma foto juntos, abraçados, para ficar nas objetivas que está tudo bem.
Que está mesmo tudo bem no reino de Espanha.
Sobre a conferência, estranho seria se as primeiras perguntas não fossem sobre os acontecimentos desta semana, ainda para mais com o capitão ali à frente. E Ramos, que não é rapaz de se deixar ficar, até começou por tentar desvalorizar o sucedido, falando em “virar a página”, em “estar à margem das decisões”, em Hierro como “o homem certo para o lugar” embora admitindo que, como capitão, sabe “um bocadinho mais do que os outros”.
“Não é bom estarmos a recordar isto constantemente. Temos Portugal pela frente, uma estreia complicada”, frisou. “Há decisões que não cabem aos jogadores mas sim a quem está mais alto. Não sei se o Julen fez mal ou não. Preferimos não falar mais disto, virar a página. Quando acabar o Mundial que cada um diga o que queira”.
Mas as perguntas continuaram, mesmo que às tantas a diretora de comunicação da federação espanhola tenha lembrado que daqui a 24 horas há um jogo e que se deve falar dele. Antes disso, finalmente Sergio Ramos diz algo mais. Nomeadamente que a nível pessoal, o que se passou esta semana foi “um momento muito complicado”, mas que “os problemas são uma oportunidade para crescer”.
O semblante do homem que diz que não gosta de perder “ni al parchís” (que é o que eles chamam ao ludo do outro lado da fronteira) só ganha um ar menos pesado quando se pergunta sobre Cristiano Ronaldo, o seu colega e amigo Cristiano Ronaldo, e de como será agora tê-lo do outro lado da barricada.
“Prefiro tê-lo a favor do que contra”, diz. Compreendemos. “Já sabemos como é o Cris e a forma como acabou a temporada. É um alarme permanente que temos de ter presente”, sublinha o central do Real Madrid que, no entanto, fez questão de deixar claro que Portugal e Cristiano Ronaldo não são necessariamente uma e a mesma palavra. “Não é o único, têm um ataque muito forte, uma defesa contundente, séria. É um grupo muito competitivo e vamos ter um jogo muito atrativo e bonito”.
Voltamos a ter o Sergio Ramos sério quando um dos jornalistas relembra as críticas que lhe foram feitas, inclusivamente por vários colegas de profissão, por causa do lance na final da Liga dos Campeões, em que Salah saiu lesionado.
“Estou de consciência tranquila. Alguns tentam agarrar-se a algo para ficarem mais famosos ou populares. Mas eu sou como sou e se tiverem dúvidas pode ir ver o meu currículo. Amanhã começamos o Mundial e parece que estamos numa casa mortuária”.
Eu avisei que ele não era rapaz de se deixar ficar.
Mudanças? Impossível
Fernando Santos disse durante a conferência de Portugal que não esperava mudanças na equipa espanhola e o seu amigo Hierro confirmou-o. “Nada vai mudar. É impossível mudar”, diz, entre o conformado e o desanimado com a bomba que caiu na comitiva espanhola depois do Real Madrid confirmar a contratação de Julen Lopetegui e deste ser despedido pela federação.
“Vai ser a Espanha de sempre. A jogar bom futebol e a tentar fazer coisas bonitas”, rematou.
Esperemos que esta sexta-feira não lhe saiam assim tão bonitas.