Sete lições que aprendemos com a fase de grupos do Mundial 2018

Trinta seis e anos sem revisitar um Mundial é uma catrefada de tempo passado, demasiadas voltas ao sol para que alguém, na sua perfeita sanidade, consiga permanecer são - ou comportar-se como um ser ordeiro, ponderado, calmo e morno. Por isso lemos e ouvimos todos os relatos e mais alguns de como os peruanos, vindos de longe e com um oceano pelo meio, foram quem mais vibrou a bom vibrar com o facto de estarem na Rússia, largados para fazerem a festa e celebrarem o seu país.
Eles regressaram a um Campeonato do Mundo.Enquanto os mortais peruanos davam barulho e palmas às ruas, os seus excelsos representantes no campo jogavam como se esta fosse a sua última oportunidade, a derradeira hipótese de a nação se mostrar, como se estivesse prestes a extinguir-se. Poderíamos erguer um sobrolho desconfiado, nem que fosse pela condescendência da FIFA para com o alegado chá, com a suposta infusão de cocaína, que foi a hipotética trama que tramou Paolo Guerrero.
Deixaram o capitão jogar, ele jogou e marcou (no último jogo), juntando-se a Miguel Trauco, Renato Tapia, Christian Cueva e a fénix serpenteante de André Carrillo, renascido com uma seleção que renasceu com Ricardo Gareca e, com ela, fez renascer o entusiasmo por um futebol atacante, intenso, virado sempre para a frente e com mais paixão por ganhar do que receio de perder. O Peru fez três pontos no Mundial, mas fez a alegria de muita gente que o viu. Os peruanos foram apanhados na curva do seu arrojo, golpeados não por seleções necessariamente melhores, antes mais prudentes - e, e o ponto é este, chatas de se ver. Diogo Pombo
Quando os alemães, mecânicos, eficazmente frios, cheios de qualidade por metro e quilo de corpo humano, nem um segundo passam no Mundial com, pelo menos, mais um golo que o adversário, algo terrivelmente de errado se passa. Não fazem um jogo decente desde outubro, desabafou o carismático Mats Hummels, e se incapazes são, em 90 minutos, de obrigar a Coreia do Sul a ir buscar uma bola dentro da própria baliza, não mereciam seguir no torneio, resumiu o direto Toni Kroos.A Alemanha que há 13 anos que chega, a cada competição, às meias-finais ou melhor, foi eliminada na primeira fase, algo que não lhe acontecia desde 1938, quando ainda nem existiam fases de grupos.
Os jogadores mostraram um quê de complacência, deixaram-se ir por uma aparente postura não esfomeada, mas com fome assim-assim, à qual não ajudam os relatos de que havia uma divisão no plantel entre os tipos mais velhos (felizes há quatro anos, no Brasil) e os novatos, como Reus, Kimmich, Brandt, Gündongan ou Werner, grupo em que não esteve Leroy Sané, a não convocação de Joachim Löw que muitos criticaram. A queda germânica é um choque que choca toda a gente, mas não ao ponto do que se passou em 2000, quando caírem estrondosamente e revolucionaram o seu futebol, da base até ao topo. Estavam famintos pelo talento que não tinham - agora, pelo menos, esse não é um problema. Diogo Pombo
Um dos maiores lugares-comuns usados para qualificar a história Ronaldo-Messi tem um advérbio e diz o seguinte: “Provavelmente, estamos todos a assistir à maior rivalidade do futebol”. Tem uma imprecisão. Correto seria assim: “Certamente, estamos todos a assistir à maior rivalidade do desporto, porque nenhuma outra durou tanto tempo, pelo menos de 2008 até agora, e dividiu tantos títulos, dinheiro e opiniões”.
O debate dura e dura e felizmente nunca será consensual, ano após ano, ou de quatro em quatro anos, quando há Mundial. Pois bem. Ronaldo e Messi chegaram à Rússia como as estrelas maiores para liderar o torneio, um já marcou quatro golos, o outro apenas um, ambos qualificaram as suas seleções para os oitavos-de-final e poderão encontrar-se - não seria bonito? - nos quartos-de-final. Basta assumirem o estatuto e carregarem a equipa às costas, que é coisa que nem sempre acontece com as super-mega-estrelas.
E há poucas maiores do que Neymar Jr, que tem estado bem abaixo do esperado; aliás, o sucesso de Neymar tem sido essencialmente internético, com memes constantes que ridicularizam os seus espectaculares mergulhos para o relvado.
Ao contrário de Philippe Coutinho.
O médio do Barcelona já marcou dois golos pelo Brasil - um deles extraordinário, contra a Suíça - e assistiu Paulinho na vitória por 2-0 contra a Sérvia; mais do que isso, Coutinho tem sido o adulto nesta relação a dois, racional e ponderado, que sabe quando fintar, passar, segurar ou chutar. Neymar tem agido como um moleque mimado que insiste em (tentar) humilhar o adversário, enfiando-se cada vez mais no buraco da soberba que cavou. Ter ido para o PSG, onde é rei e senhor, pondo e dispondo da equipa e do treinador, parece tê-lo feito recuar ao tempo do Santos; porque não manda quem quer, manda quem sabe, e Neymar ainda não é um líder.
Mas não é apenas Coutinho que está a surpreender neste Mundial e nem tudo o que mexe bem é avançado. Sim, Harry Kane (Inglaterra) leva cinco golos em apenas dois jogos, Lukaku (Bélgica) quatro no mesmo número de jogos e Cristiano Ronaldo quatro em três; mas aqui na Tribuna Expresso, fala-se de Luka Modríc - e de Hector Herrera.
Com o fim anunciado de Iniesta, Modric tem emergido como o melhor médio europeu, capaz de roubar bolas, fintar, receber charutadas com a ponta da chuteira, rodar o centro do jogo e fazer golos. No Mundial2018, a Croácia somou 9 pontos em três jogos e Modríc marcou contra a Nigéria, de penálti, e toureou Otamendi antes de chutar para um dos melhores golos do torneio, contra a Argentina. Sem a exuberância de alguns dos seus colegas de agora (Perisic, Pjaca, Vida) ou de antes (Boban, Prosinecki), o rapaz de 32 anos do Real Madrid é o ícone de uma geração e de um novo tipo de futebol, onde o físico não é tudo.
Herrera discorda.
O mexicano é o box-to-box definitivo: rápido, intenso, papa-quilómetros em velocidade de ponta, capaz de jogar como interior, oito ou dez, sempre com a mesma disponibilidade. Neste México de alta rotação, pressão alta e contra-ataque explosivo, Herrera tem feito gracinhas e desfeito os adversários que encontra pelo caminho - um deles, Toni Kroos, num jogo que ficará célebre (México 1-0 Alemanha). O médio do FC Porto, que começou o Mundial com um affair de saias que o obrigou a viajar da Rússia a Portugal, está entre os melhores da competição e os jornais falam numa transferência à espera de acontecer. Pedro Candeias
A vida no futebol é feita de planos e estratégias que falham mais do que acertam, porque a bola entrar, ou não entrar, depende de variáveis incontroláveis, e depois apareceram os mexicanos no mesmo campo que os alemães. Fizeram 45 minutos em que os anularam, controlaram e contra-golpearam com engenho, tudo lhes saiu bem. E tudo parecia ser tão obra do bem fazer dos jogadores, como das coisas que traziam apreendidas na cabeça. A estratégia deu certo. Foi a melhor amostra de um plano bem pensado, e executado, deste Mundial.
Soubemos que Juan Carlos Osorio, o meticuloso a roçar o limiar do saudável, preparava esse jogo há mais de meio ano. Há quem teime com o selecionador, colombiano de país, por rodar os titulares de jogo a jogo, na mesma medida em que prepara os seus para cada 90 minutos que tenham a seguir: às vezes, demasiado em função do adversário. Mas, depois, também os põe a serem intensos, verticais, valentes e arriscadores com a bola, o que, por muito louco que seja, dá prazer em assistir. Mesmo quando a genética milenar do povo mexicano os limita contra seleções diretas, altas e fortes que fazem uso disso mesmo, como sucedeu frente aos suecos.
Os mexicanos não são, nem serão, a melhor equipa do torneio que está munida dos mais extraordinários e completos futebolistas. Arrisca-se, porém, salvo as formas que não conseguiram atinar para lidar com o poderio físico da Suécia, a ser a seleção que mais noção terá do que é antes de enfrentar qualquer adversário, e do que pode ser quando os encontrar em campo. É obra do bom maníaco das preparações que se prepara muito em função do que terá do outro lado do campo, e de uns jogadores que, independentemente dos preparativos, têm jogado sempre com intensidade e pressão alta. Diogo Pombo
Por mais difícil de responder, ou perigoso, que ninguém aqui é bruxo, será que a melhor versão recente de uma geração cheia de bons, e o muito bons de jogadores, chega para abafar não o pior estado de coisas, mas um assim-assim, em que um aglomerado de futebolistas excelentes, ou incríveis, estão metidos?
Não é que aos croatas falte talento inato, boa agressividade no jogo e uma pausa nos momentos com bola que lhes permita controlar adversários. É mais a noção, tão óbvia, de que todos os jogadores têm apresentado a melhor face deles próprios por culpa de dois croatas em particular - Luka Modric e Ivan Rakitic. O par está no ponto rebuçado da carreira e têm dado o grau certo de doçura a quem os acompanha, uma geração que está a tentar emular o feito de 1998, quando a Croácia de Boban, Suker e Prosinecki apenas cessou de progredir nas meias-finais.
Ganharam os seus jogos, sempre superiores, acordaram bruscamente a Argentina para a realidade, com um estrondo que até podia ter sido bem maior, e à qualidade de um jogo passador acrescentaram, logo à primeira jornada, a decisão de recambiar para casa um tipo (Nikola Kalinic) que se recusou a ir aquecer para jogar os derradeiros minutos. São provas de que a Croácia não está na Rússia para brincar, agora que vão defrontar a Espanha que parecia envolta numa brincadeira quando, a dois dias do arranque do Mundial, ficou sem selecionador.
Agora que os alemães já aterraram na Alemanha, os espanhóis têm, em definitivo, o maior armazenamento de talento da prova. Só que ainda não se percebeu bem o que valem talentos desgovernados, porque o hesitante e duvidante Hierro já deu sinais de mão frágil, a tentarem governar-se a eles próprios mais com base na qualidade que têm, do que em qualquer outra estratégia. Valer-lhes-á a sorte, preferência e gosto de muita gente, mas pode não valer de grande coisa contra os croatas. Diogo Pombo
Foram 122 golos marcados na fase grupos, um número simpático, para já, mas ainda bem longe daquele que é o recorde de golos marcados em Campeonatos do Mundo: 171, festejados tanto em 2014, no Brasil, como em 1998, em França.
Ainda assim, há um dado especialmente importante neste 122 golos, que se dividem assim: 66 para um lado, 56 para o outro. Que é como quem diz 66 provenientes de jogadas em bola corrida; 56 provenientes de bolas paradas - ou, tecnicamente falando, em esquemas táticos.
Ou seja, 45.90% dos golos marcados surgiram em lances de bola parada - um número invulgarmente elevado, em lances que são sinónimo de sucesso especialmente para duas seleções: Inglaterra, que já marcou seis dos seus oito golos assim, e Uruguai, que marcou todos - t-o-d-o-s - os seus golos através de cantos (por falar em cantos, se quiser saber como é que as 32 seleções defendem os cantos, AQUI fica) ou livres.
Conclusão: é melhor Portugal treinar bem a defesa das bolas paradas. Mariana Cabral
É certo que nem tudo é perfeito no sistema do videoárbitro, como se fartou de dizer Carlos Queiroz - basta recordar ESTE disparate no Portugal-Irão e ESTE disparate no Portugal-Espanha -, mas, como já escreveu AQUI na Tribuna Expresso o ex-árbitro Duarte Gomes, uma mudança de paradigma não se completa de um dia para o outro.
E a verdade é que o VAR veio para ficar - e para ajudar: com VAR, houve 99.3% de decisões arbitrais com correta; sem VAR, esse número seria 95%, revelou esta sexta-feira a FIFA.
Sim, são só 4.3% de diferença, mas são 4.3% que podem fazer toda a diferença - como se viu no Colômbia-Senegal, por exemplo, quando uma ida ao VAR reverteu um penálti que tinha sido mal marcado e que poderia ter prejudicado os colombianos - que acabaram por chegar aos oitavos-de-final.
Essa foi apenas uma de 14 decisões que foram revertidas na fase de grupos, por indicação do VAR - e ainda houve três a serem confirmadas depois de terem sido revistas as imagens. Dos 24 penáltis marcados, sete foram indicados pelo videárbitro e, no total, houve 335 incidentes (6.9 por jogo) revistos pelo VAR. Mariana Cabral
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