Mundial 2018

Esta é a nova Inglaterra, ladies and gentlemen

Esta é a nova Inglaterra, ladies and gentlemen
Chris Brunskill/Fantasista

A Inglaterra esteve em vantagem, viu a Colômbia empatar o jogo já nos descontos (1-1) e, depois do prolongamento, seguiu-se o pior pesadelo de qualquer inglês: os penáltis. A Inglaterra já tinha perdido em seis das sete vezes em que teve de ir a penáltis, tanto em Mundiais como em Europeus, mas, desta vez, ganhou (e agora vai defrontar a Suécia nos quartos-de-final)

Esta é a nova Inglaterra, ladies and gentlemen

Mariana Cabral

Jornalista

Costuma dizer-se que as estatísticas e a história valem o que valem, porque a verdade é que só valem o que nós quisermos que valham, tendo em conta a interpretação que fizermos delas. Ora, antes do Inglaterra-Colômbia, nós sabíamos isto:

das sete vezes em que a Inglaterra esteve envolvida em penáltis, em Europeus e Mundiais, só conseguiu sair vencedora numa única ocasião, frente à Espanha, no Euro 96.

Daquela vez, Shearer, Platt, Pearce e Gascoigne acertaram todos os remates e a Inglaterra ultrapassou os quartos-de-final. O problema é que, nas meias-finais, frente à Alemanha, voltou a ter de ir a penáltis. Shearer, Platt, Pearce e Gascoigne marcaram e Sheringham também. Mas, depois, Gareth Southgate voluntariou-se.

E o atual selecionador inglês fez o que fizeram Stuart Pearce e Chris Waddle no Mundial 1990, Paul Ince e David Batty no Mundial 1998, David Beckham e Darius Vassell no Euro 2004, Frank Lampard, Steven Gerrard e Jamie Carragher no Mundial 2006 e Ashley Young e Ashley Cole no Euro 2012.

Falhou.

Como é norma sempre que os ingleses têm de bater penáltis (e nós, portugueses, bem nos lembramos disso, tanto no Euro 2004 como no Mundial 2006).

"Tive algumas décadas para pensar nisso", disse Southgate antes do Inglaterra-Colômbia, questionado pelos jornalistas ingleses. "Na altura, voluntariei-me. Senti que devia fazê-lo. Mas é provavelmente bem mais corajoso não fazê-lo quando não se está suficientemente confiante", disse o selecionador mais metódico que Inglaterra teve nos últimos anos, culpado pelas vendas de coletes na Marks & Spencer terem subido 35% durante o Mundial 2018 (a sério).

A experiência de Southgate serviu para alguma coisa. Desde que os ingleses se juntaram para o Mundial, todos os jogadores bateram penáltis, em todos os treinos - e não apenas penáltis: penáltis que, antes, envolviam aquela longa caminhada do meio-campo para a área. Além disso, os analistas ingleses disseram a Jordan Pickford como é que os marcadores adversários batiam. E Southgate já tinha uma lista bem definida de marcadores, assim como de staff que podia estar no relvado naquele momento.

"Vimos as técnicas individuais, analisámos muitas coisas e treinámos. Pensámos como queríamos abordar a marcação de penáltis, para termos a certeza que teríamos uma situação calma, em que controlássemos o processo, para não haver decisões tomadas de um momento para o outro. Tem de ser um momento sereno, com as pessoas certas no relvado e sem haver muitas vozes a entrar nas cabeças dos jogadores. Não é sorte, definitivamente. É uma técnica que tens de controlar sob muita pressão. Há muitas coisas que podes fazer para controlar o processo e ter a certeza que o processo não te controla a ti."

Tudo foi pensado e planeado. Só faltava mesmo ser executado.

Mas, durante grande parte do Inglaterra-Colômbia, os penáltis não passavam pela cabeça de ninguém.

Os ingleses, de volta ao onze que apresentaram contra a Tunísia, depois da rotatividade frente à Bélgica, entraram bem melhor em campo e rapidamente se apoderaram do controlo do jogo, com Stones e Maguire a liderarem as operações atrás e Kane e Sterling a procurarem espaço lá à frente.

Só que os colombianos tinham a lição bem estudada: mais do que atacar, queriam impedir os ingleses de jogar. Pressionavam lá à frente, para não deixar sair a jogar, pressionavam lá atrás, para não deixar que alguém enquadrasse a baliza, e saíam em ataques rápidos sempre que podiam, normalmente lançados por um solitário Quintero.

Solitário porque, esta noite, faltou ao criativo colombiano o parceiro no meio-campo.

Rámes. Rrrrrrrrrrramés. Djeimes. Jeimes.

Ou, se quiserem, James.

O homem que é indiscutivelmente o melhor jogador da Colômbia nem sequer pisou o relvado do Estádio Spartak, em Moscovo, ainda que tenha sido filmado pela realização a cada cinco minutos, mais coisa menos coisa, possibilitando que nos lembrássemos que a melhor exibição colombiana neste Mundial aconteceu frente à Polónia - o único jogo completo que (o lesionado) James fez, ao lado de Quintero.

A Colômbia não tinha James, mas a Inglaterra tinha Kane - e foi da cabeça do melhor marcador do Mundial que surgiu a única grande oportunidade da 1ª parte, depois de um cruzamento de Trippier pela direita.

Depois disso, houve pouco futebol e muita luta: os colombianos marcavam individual e agressivamente, os ingleses iam perdendo a paciência e começaram as picardias. Especialmente, claro está, nas bolas paradas.

É que havia outras estatísticas interessantes para ambas as seleções analisarem antes do jogo:

- dos oito golos que a Inglaterra tinha marcado nos três jogos da fase de grupos, seis deles eram provenientes de bolas paradas (três de cantos, um de livre e dois de penáltis);

- dos cinco golos que a Colômbia tinha marcado nos três jogos da fase de grupos, três deles eram provenientes de bolas paradas (dois de cantos, um de livre).

E, por outro lado:

- dos três golos sofridos pela Inglaterra na fase de grupos, dois tinham acontecido em bolas paradas (um num livre, um num penálti);

- dos dois golos sofridos pela Colômbia na fase de grupos, dois tinham acontecido em bolas paradas (um num canto, um num penálti).

O que que dizer que cada bola parada foi encarada como um momento absolutamente decisivo. Tão decisivo que um canto deu uma falta ofensiva num empurrão de Stones, um livre deu um amarelo a Barrios por um chega para lá e, finalmente, um outro canto deu um penálti, quando Carlos Sánchez empurrou Harry Kane, aos 57 minutos.

O melhor goleador do Mundial aproveitou para chegar aos seis golos e a mesma Inglaterra que ultrapassou a fase de grupos nas calmas parecia lançada para os quartos-de-final.

Mas a Colômbia não desistiu. Cuadrado e Falcao foram assustando os ingleses e empurrando a equipa para a frente e, aos 90+3', Uribe rematou de longe para uma grande defesa de Pickford, para canto.

Aquele era o último lance do jogo e até Ospina foi lá à frente, para a molhada. Mas não precisava. Porque estava lá o mesmo homem que já tinha marcado dois golos de cabeça neste Mundial. Um homem que começou a carreira como guarda-redes e depois passou para defesa central, mas se calhar tem mesmo é talento para avançado: Yerry Mina.

O central do Barcelona empatou o jogo no último suspiro e o filme começou a parecer negro para os ingleses.

Laurence Griffiths

Aí estava a velha Inglaterra, que ambiciona sempre tudo, mas nunca conquista nada (de 1966 em diante, bem entendido.) Pior: aí estavam os penáltis, onde a história inglesa era a que se sabia.

Southgate falou, confirmou os marcadores e, então, começou:

Falcao rematou para o meio da baliza e marcou;
Harry Kane rematou para o lado esquerdo da baliza e marcou;
Cuadrado rematou para o lado esquerdo da baliza e marcou;
Rashford rematou para o lado esquerdo da baliza e marcou;
Muriel rematou para o lado direito da baliza e marcou;
Pekerman ia coçando a testa e tapando os olhos;
Henderson rematou para o lado esquerdo da baliza e Ospina defendeu com a mão esquerda;
Pekerman continuava a tapar os olhos com a mão;
Uribe rematou para o lado esquerdo da baliza e acertou na trave;
Trippier rematou para o lado esquerdo da baliza e marcou;
Pekerman destapou os olhos;
Bacca rematou para o meio da baliza e Pickford defendeu com a mão esquerda;
Southgate estava impassível, como se aquilo fosse apenas mais um dia aborrecido no escritório;
Eric Dier rematou para o lado esquerdo da baliza, Ospina raspou a bola... mas ela entrou.

Owen Humphreys - PA Images

E a Inglaterra passou aos quartos-de-final do Mundial. Nos penáltis. Cuidado, porque esta é a nova Inglaterra.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: mmcabral@expresso.impresa.pt