Kevin De Bruyne, o falso 9 da Bélgica, marcou o segundo golo do jogo
Chris Brunskill/Fantasista
O Brasil foi surpreendido pela Bélgica, que esteve a ganhar por 2-0 e a controlar um jogo que pareceu sempre mais vermelho do que amarelo. Na 2ª parte, os brasileiros ainda reduziram (2-1), mas não conseguiram mais do que isso - e é a Bélgica que vai defrontar a França nas meias-finais do Mundial 2018
"Leo, é o Pep. Percebi agora algo muito importante. Muito importante mesmo. Vem aqui ter comigo. Agora, por favor."
Eram 22h do dia 1 de maio de 2009 quando Pep Guardiola ligou a Lionel Messi para lhe explicar como iria, no clássico do dia seguinte frente ao Real Madrid, jogar.
A solução não era nova: os livros da história do futebol não nos deixam esquecer que o húngaro Nándor Hidegkuti já tinha andado preferencialmente por aquela zona - uma espécie de "terra de ninguém" -, assim como o argentino Adolfo Pedernera, ou até mesmo a glória merengue Alfredo Di Stéfano.
Mas foi naquele 2 de maio de 2009, perante os centrais Fabio Cannavaro e Christoph Metzelder, que o futebol moderno realmente percebeu o quão bem podia funcionar o falso 9. No caso concreto, personificado na perfeição por Lionel Messi. "Acho que foi a primeira vez que o Guardiola usou aquilo. Meteu o avançado, o Eto'o, encostado no corredor direito e o Messi no meio. O Fabio e eu olhávamos um para o outro: 'O que fazemos agora? Vamos atrás dele até ao meio-campo ou ficamos aqui parados?' Não fazíamos ideia do que fazer", confessou o próprio Metzelder, anos mais tarde, no livro "Pep Confidential", do jornalista Marti Perarnau.
Naquela noite, o Real Madrid, que já não perdia há 17 jogos, foi goleado, por 6-2. E o resto, como se diz, é história - história essa que nos leva ao Bélgica-Brasil desta sexta-feira, em Kazan.
Quando tudo fazia prever o contrário - Roberto Martínez até tinha dito na conferência de imprensa de antevisão que não, não ia mudar a equipa -, a Bélgica surpreendeu: Fellaini e Chadli titulares, Mertens e Carrasco no banco. Sim, Fellaini e Chadli tinham sido importantes na reviravolta frente ao Japão, nos oitavos-de-final, e até se disse que poderiam mesmo ser titulares.
E foram. Mas a grande surpresa de Martínez não estava aí. Estava no ataque.
A Bélgica largou o sistema de três defesas e passou para um falso 4-3-3 (que também pode ser visto como uma espécie de 4-4-2 losango), com Lukaku, o habitual avançado, bem encostado à direita; com Eden Hazard bem encostado à esquerda; e, por fim, com Kevin De Bruyne como falso 9.
A mudança de Martinez, ousada, ainda mal estava a ser percebida pelos brasileiros quando De Bruyne deu o primeiro sinal de alerta, através de um remate de longe. O médio do Manchester City - falso 9 que tem o 7 na camisola mas que ainda nos confunde mais por ser um belíssimo 10 - gozou de uma espécie de trégua numa zona de guerra.
É que, ali, naquele espaço à frente dos centrais brasileiros Thiago Silva e Miranda, costuma estar o eficiente Casemiro, o homem que se preocupa em tapar os contra ataques alheios e em proteger as zonas que costumam ficar descobertas quando os laterais brasileiros - esta noite, Marcelo e Fagner - dão profundidade ao ataque.
Mas Casemiro estava suspenso e Tite lançou para o lugar vago Fernandinho - até porque a outra alternativa (de enorme qualidade) para ali, Fred, esteve lesionado quase um mês, depois de uma entrada dura de Casemiro num treino.
Ora Fernandinho, evidentemente, não é Casemiro, e mesmo que tentasse sê-lo, começou-lhe tudo a correr muito mal bem cedo - aos 13 minutos, se quisermos ser precisos. Num canto para a Bélgica - conquistado depois de um remate meio disparatado de Fellaini, de biqueira (quem diz que o gigante trapalhão não serve para nada?) - Jesus e Fernandinho, sozinhos, atrapalharam-se um ao outro e o médio desviou a bola para dentro da baliza.
Era o segundo golo que Alisson sofria no Mundial, do mesmo modo do primeiro, que apareceu logo no primeiro jogo, frente à Suíça: na sequência de um canto. Nada de particularmente surpreendente num Mundial em que 68 dos 149 golos marcados (ou seja, 46%) foram marcados em bolas paradas.
Antes, também num canto, mas na área contrária, a bola tinha ido ter com Thiago Silva, mas o central brasileiro não conseguiu melhor do que desviá-la para o poste da baliza de Courtois.
Apesar de claramente abananado com o golo, o Brasil foi tentando tomar conta do jogo, mas o domínio - como o 9 belga - era enganador. Os brasileiros bem tinham a bola perto da área belga, especialmente pela esquerda, por onde subia Marcelo e estava o (apagado) Neymar (que, já agora, só demorou cinco minutos a sofrer uma falta de Fellaini e queixar-se, deitado no chão, claro está), mas os médios belgas - Witsel, Fellaini e Chadly - fechavam sempre os espaços próximos e os brasileiros raramente conseguiam sair da pressão.
Já a Bélgica, pelo contrário, assim que recuperava a bola, saía rapidamente da zona da confusão, procurando lá na frente Lukaku ou Hazard, bem abertos nos corredores, ou De Bruyne, que nem estava perto dos centrais nem dos médios brasileiros - mantinha-se na tal zona de ninguém e era o homem de ligação entre defesa e ataque, se quisermos.
Foi assim que a Bélgica criou perigo, repetidamente, e foi assim que chegou a 2-0. O canto era para o Brasil, mas, como se viu no Bélgica-Japão, isso pouco quer dizer para os belgas. Recuperada a bola, Lukaku lançou-se numa condução impressionante, ultrapassando brasileiros e soltando em De Bruyne, que subia pelo corredor direito. Também ali, mais por fora, estava Meunier, e terá sido por isso que, mesmo vendo De Bruyne chegar à área, Marcelo não saiu à bola e o falso 9 belga aproveitou para fazer aquilo que tão bem fazem os verdadeiros 9: rematar e marcar golo.
2-0.
Catherine Ivill
O resultado, em teoria, era surpreendente: desde que Tite pegou na seleção, em 2016, nunca tinha estado a perder por dois golos. Mas, para quem estava a ver o jogo, a superioridade técnico-tática da Bélgica era evidente e o descontrolo brasileiro começava a subir de tom - Lukaku e Hazard tinham sempre muito espaço para correr e De Bruyne ia mandando no meio-campo sem que os jogadores brasileiros percebessem quem devia acompanhá-lo.
Era praticamente impossível haver novamente um descalabro do nível dos 7-1, mas o lado emocional do jogo começava a pesar nas cabeças brasileiras, que já estavam até a atacar de forma sôfrega - e a dar ainda mais hipóteses aos belgas de saírem rapidamente para o contra ataque.
Jesus, sozinho na área, nas costas dos centrais belgas, cabeceou ao lado; Coutinho, com um remate de longe, de fora da área, encontrou as mãos de Courtois. Eram estas as únicas oportunidades do Brasil, que ainda voltou a tremer quando, novamente num canto marcado ao primeiro poste, viu Kompany desviar a bola, de calcanhar, para a baliza - mas, desta vez, Alisson defendeu.
EMMANUEL DUNAND
Na 2ª parte, uma certeza: tinha de haver mais Brasil para dar a volta aos "diabos vermelhos". Tite aproveitou o intervalo para meter em campo Firmino, algo que tão bem tinha funcionado anteriormente, retirando William e pondo o Brasil num 4-4-2 mais claro, com o avançado do Liverpoool e com Neymar na frente.
A mudança ajudou e o Brasil foi empurrando os belgas para trás, mas só quando Douglas Costa (por Jesus) e Renato Augusto (por Paulinho - que já tinha falhado um remate sozinho dentro da área) entraram é que houve oportunidades concretas.
Douglas, bem encostado ao corredor direito brasileiro - ao contrário de Willian, que tinha sempre fugido mais para o meio -, arrastou com ele, frequentemente, Vertonghen, e abriu espaço para as ruturas de Renato entre o lateral e o central adversários - e foi assim mesmo que apareceu o 2-1, aos 76 minutos, após um grande passe de Coutinho.
Nesta altura, o jogo praticamente só dava Brasil, mas sempre que os belgas arrancavam no contra ataque, os brasileiros tremiam: Hazard esteve muito perto do terceiro golo belga, depois de um passe de De Bruyne.
O Brasil continuava a carregar Courtois - que defendeu praticamente tudo o que havia para defender - e Martinez decidiu então colocar mais um defesa: entrou Vermaelen e saiu Chadli, ficando os belgas com uma linha de cinco defesas, outra de quatro médios e Hazard sozinho lá na frente (Lukaku deu lugar a Tielemans), a segurar bolas e a ganhar faltas, que foram empatando os últimos minutos.
Kevin C. Cox
Já nos descontos, finalmente houve Neymar: primeiro, pareceu sofrer penálti, mas o árbitro ignorou-o (será que Neymar conhece a história de Pedro e o lobo?) e, depois, fez um remate fantástico ao ângulo - mas Courtois respondeu com uma defesa igualmente fantástica, do alto dos seus 199 centímetros.
E foi assim que o Brasil, tal como a Argentina e a Alemanha, foi eliminado no estádio de Kazan. Não foi um 7-1, mas não deixou de ser um inferno.