Picky, o herói inglês a quem diziam que faltava um bocadinho assim
Jordan Pickford, o número inglês que foi herói nos penáltis frente à Colômbia
Aaron Chown - PA Images
Quando se fala em Inglaterra, fala-se em Harry Kane (que já vai com seis golos no Mundial), mas o novo herói inglês é outro: chama-se Jordan Pickford, joga no Everton e decidiu a (inédita) vitória inglesa nos penáltis, frente à Colômbia, depois de ter sido criticado por Thibaut Courtois por ser baixinho. Este sábado, contra a Suécia (15h, SportTV1), 'Picky' será novamente titular, com os seus 185 centímetros de altura
Já lá vão nove anos, mas a vitória do Leixões de José Mota sobre o Sporting de Braga de Jorge Jesus, por 1-0, ficou para o anedotário do futebol nacional. Não exatamente por aquilo que se jogou no Municipal de Braga, na 18ª jornada da Liga 2008/09, mas por aquilo que disse Jesus sobre o então guarda-redes leixonense: "É diferente do Eduardo. Com 1,80m nunca será um grande guarda-redes".
O guarda-redes do Leixões, um tal de Beto Pimparel, mudou-se depois para o FC Porto, para o Sporting de Braga, para o Sevilha - onde foi decisivo nos penáltis numa final da Liga Europa frente ao Benfica de Jesus - e, finalmente, para o Sporting, em 2016/17, onde reencontrou o mister que tinha desconfiado dos seus 180 centímetros de altura.
"Falámos e brincámos sobre isso depois. Felizmente tive a carreira que tive, ganhei os títulos que ganhei e ainda quero mais. A carreira não se mede aos palmos. Os homens não se medem aos palmos. Um guarda-redes não se mede aos palmos, mede-se por capacidade, por rendimento", disse o internacional português, já no Sporting.
Em Portugal ou no Mundial, é uma discussão que, provavelmente, será eterna: o tamanho de um guarda-redes importa?
Para uns sim, para outros não e para outros, como Jesus, sim e não.
E para Thibaut Courtois, do alto do seu 1,99m, seguramente que sim. "O guarda-redes deles é 10 centímetros mais baixo do que eu. Eu teria defendido aquele remate. Ele estava demasiado ocupado a lançar as pernas pelo ar", criticou o guardião belga após o jogo contra Inglaterra da 3ª jornada da fase de grupos, que a Bélgica venceu por 1-0, com um golo marcado por Adnan Januzaj- ou melhor, com um remate que não foi defendido por Jordan Pickford.
O guarda-redes inglês de 1,85m até voou, mas o seu salto encurvado, quiçá até meio atabalhoado, ficou curto para a bola alta do belga.
Courtois torceu-lhe o nariz e Gary Neville - agora comentador na ITV - também: "Foi tudo um pouco estranho, para dizer a verdade. Ficou com os pés no ar e parece que vai defender com a mão errada. Não percebi bem aquele mergulho estranho."
O posicionamento, o salto e até a mão podem ser pouco ortodoxos, mas não é por aí que um guarda-redes deixará de ser escolhido. Muito menos pela sua altura, assegurou Gareth Southgate, depois das críticas. "É claro que mantenho toda a confiança nele. Sem dúvida. Estou muito satisfeito com o que tem feito e ele sabe o quanto acredito nele. É um jogador importante para a forma como queremos jogar e não creio que tenha tido grandes hipóteses com os golos que sofreu. Ele tem de saber a opinião daqueles que considera importantes e ignorar outras opiniões que podem inibi-lo", explicou o selecionador inglês, após a derrota frente à Bélgica que deixou a Inglaterra no 2º lugar do G.
"Lembro-me que uma vez o Martin Thomas, que era treinador dos guarda-redes da seleção sub-21 e agora é um formador brilhante de treinadores, estava a falar da diferença entre alguns guarda-redes e, no que diz respeito ao tamanho, disse o seguinte: 'Afinal de contas, estamos a falar apenas de uma diferença do tamanho de um Cadbury Creme Egg [um pequeno ovo de chocolate] entre eles.' É só isso. Claro que há guarda-redes que têm 1,99m, mas depois há outros atributos em que não são tão bons. Há outros que são ligeiramente mais baixos mas que são atleticamente mais fortes, com outro tipo de atributos. Ninguém é perfeito", concluiu.
Stefan Matzke - sampics
Se as coisas já estavam difíceis para Jordan Pickford, pior ainda poderiam ter ficado no Inglaterra-Colômbia, depois de um momento que deve figurar no topo dos pesadelos de um guarda-redes.
Já nos descontos, depois de um remate de longe de Uribe que parecia endereçado ao ângulo, Pickford fez aquela que é provavelmente a melhor defesa da prova, dando três pequenos passos para o lado e, depois, saltando como uma mola para onde não parecia possível esticar-se - com os seus 185 centímetros - e desviando a bola para canto (toma lá, Courtois).
Só que, nesse mesmo canto, um defesa colombiano chamado Yerry Mina saltou mais alto do que todos os defesas ingleses e cabeceou para o 1-1 - sem hipótese para Pickford, mas, ao mesmo, deitando por terra a dimensão da defesa anterior do guardião inglês.
Pior: o curto momento de glória de Pickford ameaçava tornar-se ainda mais insignificante quando se percebeu que o jogo ia mesmo ser decidido em penáltis.
É que, em Mundiais, a Inglaterra nunca (!) tinha conseguido ganhar em penáltis, mantendo um registo igualmente negativo quando se adicionam os Europeus à mistura: em sete jogos em que foram a penáltis, perderam seis.
Mas Jordan Pickford tinha tudo sob controle.
Ao quinto penálti da Colômbia, quando Bacca rematou para o meio da baliza, aquela agilidade gingona deu jeito, assim como a abordagem pouco ortodoxa: Pickford ia desviar-se da bola, ao mergulhar para o seu lado direto, mas, no último momento, conseguiu esticar o braço esquerdo e defender com a mão.
O número um inglês levantou-se, pôs um joelho no chão e esmurrou o ar - e toda a desconfiança que tinha sentido nos dias anteriores. "Tenho força e tenho agilidade. Não me interessa se não sou um guarda-redes muito alto, porque o que interessa é fazer a defesa no momento. O que interessa é a posição da qual se parte e como se aborda o lance. Tinha estudado os penáltis e sabia que tínhamos o que era preciso para ganhar o jogo, mesmo que fosse nos penáltis", garantiu o guarda-redes do Everton, depois da vitória, que foi confirmada por um penálti marcado por Eric Dier.
"Estava a ir noutra direção mas consegui chegar lá com a minha mão esquerda. Fui criticado anteriormente por defender com a minha mão superior, mas desde que se defenda, é o que interessa. Posso ser novo, mas tenho força mental e experiência e usei ambas", explicou o guarda-redes de 24 anos, que cumpriu a sua segunda época ao mais alto nível na Premier League, no Everton.
Mas foi no Sunderland, em 2016/17, onde cumpriu 32 jogos, que Pickford começou a ser moldado, explicou David Moyes, então treinador do clube, em outubro de 2016: "O Jordan precisa de mudar algumas coisas: precisa de ver o que anda a fazer no ginásio e o que anda a comer. Precisa de cumprir um programa para continuar a crescer, para chegar ao topo".
Questionado sobre esses tempos, na altura em que foi convocado para o Mundial, Pickford explicou que tudo não tinha passado de uma hipérbole do treinador. "Eu comia bem, não ia todas as semanas ao McDonald's, como insinuou o 'mister' Moyes na altura", disse, apesar de admitir que gosta de "festejar uma vitória com uma bela pizza".
Adepto do Sunderland, Pickford foi formado no clube desde os oito anos (ainda que tenha sido emprestado a outros clubes de ligas inferiores - Darlington, Alfreton, Burton, Bradford, Preston -, depois de ter assinado contrato profissional com o clube, em 2011), mas foi com o irmão mais velho que enrijeceu: iam jogar para a rua e Pickford defendia remates no alcatrão, para se habituar às quedas.
Jordan Pickford com a namorada, Megan Davison
JOHANNES EISELE/GETTY
Juntamente com Jack Butland e Nick Pope, Jordan Pickford faz parte do novo lote de guarda-redes ingleses, escolhidos por Gareth Southgate para substituir o veterano Joe Hart, que cumpriu grande parte da campanha de qualificação como titular, mas acabou por ser preterido depois de uma época pouco feliz no West Ham.
A escolha fez parte, aliás, de uma tendência bem evidente nesta nova seleção inglesa: preferir os jovens em vez dos veteranos. Pickford tem 24 anos e apenas sete internacionalizações, a primeira das quais em novembro, num amigável contra a Alemanha em que negou o golo aos alemães (ainda que tenha passado por todas as seleções jovens, incluindo a que conquistou o Torneio de Toulon em 2016, com Gareth Southgate na liderança).
E a média de idades da seleção não anda longe da idade de 'Picky', como o tratam os colegas: 26 anos, o que faz de Inglaterra a terceira seleção mais jovem do Mundial, depois da França e Nigéria.
O próprio ambiente à volta da seleção está diferente, contou a imprensa inglesa no início da prova: a Federação Inglesa manifestou uma abertura nunca vista antes da prova, disponibilizando todos os 23 jogadores convocados (dos quais 12 nem sequer tinham estado no Euro 2016, já agora) para entrevistas com os jornalistas que iriam seguir a equipa.
Não, esta Inglaterra não é, definitivamente, a mesma Inglaterra que chegou aos quartos-de-final de um Mundial pela última vez em 2006 (e foi eliminada por Portugal... nos penáltis, claro). É uma nova Inglaterra. E já não lhe parece faltar bocadinho nenhum.