À minha frente estão duas televisões. Numa já se cantam os hinos de Bélgica e Inglaterra. Na outra, Rafael Nadal e Novak Djokovic jogam o 5.º set da meia-final de Wimbledon. Há cinco horas que estão nisto, os rapazes, dois dos melhores de raqueta na mão.
Na primeira televisão joga-se o encontro que muito pouca gente está interessada em jogar: o jogo de atribuição do 3.º lugar do Mundial. No segundo, está uma final de Wimbledon em jogo.
Nadal e Djokovic já vão em 8-8 no quinto e derradeiro set. Em Wimbledon não há tie-break no último set e por isso podemos estar aqui eternamente. Na sexta-feira, Kevin Anderson e John Isner só resolveram a questão aos 26-24. No final, ambos os jogadores questionaram o que quase toda a gente questiona quando os encontros se estendem por quase sete horas: não seria melhor haver tie-break no último set?
Volto à outra televisão e penso: mais ridículo que não haver tie-break no último set de um jogo de ténis é em 2018 ainda existir o jogo de atribuição do 3.º lugar num Mundial de futebol.
É certo que estar no jogo de atribuição do 3.º lugar do Mundial significa que se está entre as quatro melhores equipas da competição, mas isso, depois de se falhar a final, é fraco consolo. Pior que ser o primeiro dos últimos é ser o primeiro dos penúltimos, principalmente nisto do futebol.
Estamos a falar de 46 jogadores que ainda não tiveram férias e que já não vão ser campeões do Mundo. Ainda por cima parece que há até uma espécie de maldição com o terceiro lugar de cada Mundial: a história mostra que sete vezes nos últimos nove mundiais, a equipa que fica com o bronze não consegue qualificar-se para o Europeu seguinte.
E uma pessoa não acredita em bruxas, mas que las hay, las hay.
Acontece que os homens podem estar cansados, desanimados, podem ter vivido uma das maiores desilusões da sua vida uns dias antes, podem querer férias, banhos e massagens, podem ter saudades das companheiras, dos filhos, mas continuam a ter honra. E é por isso que nos últimos Mundiais, os jogos de atribuição do 3.º lugar, que vale o que vale no palmarés de uma seleção, têm sido jogos bastante entretidos e com golos.
Esta tarde, em São Petersburgo, não houve uma avalanche de golos. A Bélgica venceu a Inglaterra por 2-0 e 2-0 é um resultado, digamos, normal. Mas em momentos distintos, as duas equipas quiseram ganhar, os belgas mais na 1.ª parte, os ingleses na reação a seguir ao intervalo. Por muito que o ritmo não tenha sido supersónico, as duas equipas tiveram honra.
E no final ganhou quem tem mais maturidade, experiência - e a experiência aqui foi muito importante - mas também quem (ainda) tem mais talento.
Essa equipa chama-se Bélgica e tem um leque de jogadores melhorados na rapidez e intensidade da Premier League, com um técnico espanhol que também por Inglaterra foi forjado. E isso nota-se na forma de jogar dos belgas, prática, sem desperdício, o que não quer dizer necessariamente “direta”. Porque o futebol objetivo pode ser o mais bonito de todos.
Foram necessários apenas 4 minutos para a Bélgica fazer estragos, numa jogada que começou nos pés de Courtois, que lançou longo (mas com critério) para a lateral esquerda. Daí a bola seguiu para Lukaku que com um passe na profundidade, para o espaço, deixou de uma só vez meia defesa inglesa fora da jogada, para encontrar Chadli que com um cruzamento perfeito encontrou Meunier. Este encostou e assim se fez o primeiro.
A Inglaterra teve muita dificuldade em responder ao golo, não só por manifesta falta de criatividade mas também pela própria estratégia belga, muito inteligente a ocupar os espaços, a oferecer a bola à equipa de Gareth Southgate para depois a secar.
E quando partia para o ataque, em dois ou três toques, normalmente com Kevin De Bruyne na condução, a Bélgica rapidamente chegava à baliza de Pickford. Valeu à Inglaterra que Lukaku, excelente em tudo o resto, não estava em dia de golo.
O cenário mudou um bocadinho de figura na 2.ª parte. Gareth Southgate, mostrando que a Inglaterra também tinha honra e que queria agarrar aquele 3.º lugar, lançou Rashford e Lingard, que trouxeram outra dinâmica ao ataque dos Three Lions.
Ainda assim, em pleno momento de bombardeamento inglês, a primeira oportunidade da 2.ª parte seria para a Bélgica, com Kevin De Bruyne, sempre Kevin De Bruyne, a colocar a bola onde a bola precisa de estar, a facilitar aquilo que Lukaku, que esta tarde deu sempre um toque a mais, teimou complicar.
Com a Inglaterra ainda por cima, aos 70’ Eric Dier quase fazia o empate, após uma excelente combinação com Rashford. Frente-a-frente com o gigante Courtois, o ex-Sporting picou bem a bola, mas o colega de equipa Toby Alderweireld deslizou para a afastar em cima da linha de golo.
Não marcou a Inglaterra, já sabem como acaba a história. Aos 80’, num contra-ataque perfeito que envolveu quase toda a equipa belga, numa jogada praticamente construída ao primeiro toque, Meunier ameaçou, com um remate em rosca que Pickford defendeu bem, e depois da ameaça, aos 82’ Hazard conseguiu aquilo que Lukaku não havia feito: aproveitar um passe de De Bruyne para ficar em frente à baliza inglesa e marcar.
E assim se encontrou o 3.º classificado do Mundial, uma Bélgica que nunca tinha ficado tão acima na classificação da competição, num jogo bom, disputado, que dignificou o esforço de um mês das duas equipas e em que ganhou a mais adulta. Esta jovem Inglaterra ainda não está lá, mas tem tudo para lá chegar.
É possível que o jogo de atribuição do 3.º lugar do Mundial continue a ser mais incompreensível que não haver tie-break no 5.º set em Wimbledon, mas enquanto os espectáculos forem bons, talvez a FIFA tenha razões mais que financeiras para que ele continue a existir.
E bem podemos (nós, a FIFA) agradecer à honra dos jogadores.