Portugal

A fórmula que inventámos foi a fórmula que nos deitou abaixo

A fórmula que inventámos foi a fórmula que nos deitou abaixo
KIRILL KUDRYAVTSEV / Getty
Marcar cedo, defesa coesa, organização. Onde é que já vimos isto? Na seleção nacional, sim. Mas este sábado à noite, foi o Uruguai que nos deu a beber do nosso próprio veneno, atirando-nos fora do Mundial após uma vitória por 2-1. Começou em Sochi a nossa caminhada e é também aqui que ela acaba. Crónica de Lídia Paralta Gomes, enviada ao Mundial da Rússia

Desculpem, provavelmente é demasiado cedo para falarmos de memes da internet. Mas os memes são muitas vezes explicações simples e perceptíveis daquilo que é a vida. E o que nos aconteceu na vida foi que perdemos, já não estamos no Mundial e eu quase que podia resumir a forma como o Uruguai nos derrotou com aquele meme em que o Homem Aranha está frente a frente a outro alguém vestido de Homem Aranha e os dois apontam um para o outro.

Quem é quem?

Portugal perdeu com a sua própria sombra, com a equipa que chegou a este jogo jogando como o Portugal de Fernando Santos: encarando a partida com pragmatismo, aproveitando as oportunidades, sendo coeso até mais não. Obrigando o adversário a fazer um jogo que não é o seu.

E assim foi porque Portugal sofreu cedo, quando tinha preparado uma equipa para dar a iniciativa ao Uruguai, com Gonçalo Guedes em vez de André Silva, pronto para surpreender no contra-ataque. O golo de Cavani aos 7 minutos, antecipando-se a Raphael Guerreiro após um cruzamento de Suárez e numa jogada rápida que o próprio Cavani tinha começado, desmontou a estratégia. E aí Portugal teve de assumir, coisa que neste Mundial ainda não tinha sido obrigado a fazer e ainda para mais frente a uma equipa com dois belíssimos centrais e dois avançados capazes de marcar a qualquer momento, a qualquer erro.

Portugal demorou muito a acostumar-se à ideia de que tinha de mandar. Na 1.ª parte fez o jogo da paciência: muita troca de bola, muita calma, mas poucas ideias, pouca rapidez perante uma defesa que dava muito pouco espaço, perante uma defesa solidária e muito bem organizada. Como a nossa no Europeu, estão a ver?

De repente, a fórmula que nos deu a nossa maior alegria coletiva futebolística estava contra nós. E nós não sabíamos o que fazer.

As alterações táticas de Fernando Santos ao intervalo fizeram com que Portugal melhorasse bastante na 2.ª parte. O ataque tornou-se mais incisivo, mais pressionante e o Uruguai praticamente desapareceu do jogo.

Finalmente algumas jogadas em ataque apoiado começavam a incomodar a até então impassível defesa sul-americana e foi uma dessas jogadas que deu o canto que permitiu que Portugal empatasse aos 55’. Após um canto marcado à maneira curta, com Raphael cruzou para a área, Godín e Giménez foram com Cristiano Ronaldo e Pepe ficou solto de marcação para cabeçear para a baliza.

Um golo de bola parada. Se na 1.ª parte o Uruguai tinha marcado o seu primeiro golo em bola corrida neste Mundial, nós fomos lá após um canto. Eles estavam a dar-nos do nosso veneno, nós demos-lhe do deles.

O golo de Pepe tinha tudo para embalar Portugal para a reviravolta. A Seleção Nacional tinha finalmente ficado mais confortável neste registo de ataque apoiado e do Uruguai vinham sinais de que finalmente a sua defesa poderia fraquejar.

Mas aí aconteceu aquele erro. E logo do jogador que menos merecia. Pepe, constantemente um salvador, não só lá atrás como neste jogo também lá na frente, falhou o ataque a uma bola bombeada para a frente de ataque do Uruguai e, mais uma vez, Cavani não perdoou. Depois de receber o passe rápido de Bentancur, rematou em arco, fora do alcance de Rui Patrício.

É um dos melhores avançados do mundo por alguma razão.

Isto aconteceu aos 62 minutos, apenas sete depois do nosso golo. E se o golo do adversário não nos matou, colocou-nos de novo na posição desconfortável que a seleção tinha experimentado na 1.ª parte. Entrou André Silva para dar presença na área e Quaresma para a magia. Portugal empreendia nova estratégia: colocar bolas na área, o que nem sempre conseguiu fazer bem.

Aos 70 minutos, Bernardo falharia aquela que seria provavelmente a única grande oportunidade portuguesa após o segundo golo de Cavani, rematando por cima depois de recolher uma bola que Muslera tinha largado.

A partir daí foi como se o momentum português tivesse terminado. Houve muita pressão mas sem grandes resultados objetivos, porque o Uruguai nunca mais falhou, continuou a ser aquela parede e Portugal começou também a perder algum discernimento, com Cristiano Ronaldo a tentar demasiadas vezes as iniciativas próprias e com a entrada de Manuel Fernandes a colocar mais caos nas derradeiras tentativas de chegar ao empate.

No final, restou-nos apontar para eles, para os uruguaios, como os Homens Aranhas no tal meme da internet. Eles fizeram o nosso jogo, roubaram-nos a fórmula, aplicaram-na contra nós.

E venceram, tal como nós fizemos há dois anos.

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