Eu sou o William, a ordem possível no meio do caos

Editor
Pensem comigo, e pensemos juntos, na aportuguesada forma de chegar à baliza dos outros que, nos últimos três anos e duas grandes competições (perdoem-me o menosprezo à Taça das Confederações), Fernando Santos incutiu e foi limando, devagar, devagarinho e com a força da crença.
São onze horas e meias de futebol em que a seleção, fora os muitos jogos de qualificação, com maior ou menor insistência, quis flanquear o adversário e dar a volta por fora para chegar ao destino no centro.
Vamos excluir o périplo contra-atacante de Renato Sanches contra o mundo (vs Croácia, 2016), a tabela do mesmo com o calcanhar de Nani (vs Polónia, 2016), a estranha fé de Eder, que levaremos connosco (vs França, 2016), e os mais recentes três dedos de fora do pé direito de Quaresma (vs Irão, 2018), e sobra-nos, deem as voltas que quiseram dar, com um truque feito, tentado e repetido.
Ir avançado pelos lados do campo até ser possível haver cruzamentos para a área.
Rasteiros, pelo ar, para trás ou a pedir um desvio para alguém rematar, quando não apontavam, diretamente, para um certo alguém, cuja impulsão e faro de área faz todo o sentido aproveitar quando o temos na equipa. Asseverando que a organização defensiva se mantinha sólida e as peças no sítio, sem a bola, o plano, depois, sempre foi deixar muito gente por fora e esperar que Cristiano Ronaldo, por dentro, decidisse ou inventasse algo com as bolas que, porventura, lhe chegariam em fartura.
A décima segunda encenação deste take bateu, de frente, com o bloqueio que os uruguaios treinam, há 12 anos, com o mesmo treinador, com alguns dos melhores defesas do planeta e, certamente, com talvez o maior (Diego Godín) a contrariar bolas aéreas. Com os minutos, tornou-se previsível que os choques frontais se iam suceder, em força, catastroficamente, porque a falta de uma ideia coletiva de atacar, com gente entre linhas e a querer associar-se pelo centro do campo, algum dia ia ser trágica.
E, durante essa inexorável marcha flanqueadora e cruzadora rumo à desgraça, houve William Carvalho.
Que lhe continuem a apontar os dedos críticos de ser lento, pachorrento, caminhante, mole, apático, já parece ser a sua sina. Mas William, contra o Uruguai, personificou, durante muito tempo, a única calma com a bola - o singular jogador que pensou como se havia de tentar desmontar a organização defensiva dos uruguaios pela circulação de bola.
Porque isto é ilustrado pela maneira como a recebeu e se orientou, como e para onde a tocou, como a passou para o lado para desviar as atenções, pedi-la de volta e chamar Ronaldo ou Guedes para virem receber passes por dentro.
William fez 69 passes com o maior acerto (92,8%) entre portugueses, dizem-nos os dados do WhoScored. Insistiu, quis variar na forma gasta, e de falência há meses anunciada. Tentou baixar à relva e aos toques curtos, demasiadamente solitário nesta intenção e neste querer fazer até aos últimos 20 minutos, quando Bernardo Silva recuou para com ele tentar ordenar no jogo interior (o pequeno extremo que, no fundo, é um médio, foi dos melhores na segunda parte).
Cruzar e cruzar e ir pelos lados até arranjar forma de encontrar Cristiano - mesmo que tenha parecido, durante bastante tempo - não é como água mole que bate em pedra dura e tanto dá, até que fura. Deu muitas vezes porque Ronaldo é, provavelmente, o melhor futebolista a aproveitar bolas na área.
Quando não dá, há e haverá William Carvalho. Só é preciso ver para lá do estilo com que nasceu para jogar futebol.
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