França

Muito prazer em conhecer, eu sou o fenómeno Mbappé Nazário dos Campos

Muito prazer em conhecer, eu sou o fenómeno Mbappé Nazário dos Campos
Anthony Dibon

A melhor coisa dos Mundiais são as memórias e um quase adolescente francês deu-nos uma para recordarmos este, para sempre, como o dia em que Kylian Mbappé marcou dois golos, desmontou adversários em corrida e foi, literalmente, imparável na vitória (4-3) da França contra a Argentina. A seleção de Lionel Messi, sabe-se lá bem como, foi-se mantendo viva enquanto sofria um atropelamento com fuga de um fenomenal jogador que tem muitas coisas do Fenómeno que conhecemos em tempos

E se o mundo é uma bola, a gente tem que entrar de sola pra ganhar o campo
Eu não me intimido e parto pra cima

Não avisto o brasileiro nascido magro e explosivo, que os fustigados joelhos e um tiroidismo crónico tornam gorducho, com os anos. Não vislumbro, sequer, uma terceira baliza no campo entre os seus espaçados dentes da frente, tão pouco o tufo de cabelo impecavelmente rapado, sobre a testa, cenário extravagante que o tipo inigualável, enquanto futebolista, escolhia para se distanciar, ainda mais, das pessoas comuns.

Ronaldo Luís Nazário de Lima, mais conhecido como Ronaldo, ainda mais reputado como “O Fenómeno” e musicado como tal, não não está em campo, nem tinha idade ou nacionalidade para estar. Mas, se nos deixarmos levar por crenças mais esotéricas e fantabolásticas, umas quantas virtudes que faziam dele fenomenal estão ali a acontecer, à nossa frente, velozes, furiosas e inalcançáveis.

E não é por acaso, quero acreditar, ser em Kylian Mbappé que se veem as arrancadas com a bola em que cada toque serve para se distanciar, mais ainda, de quem o persegue, que há a explosão de movimentos e que se vê tanta força bruta a mostrar-se ao mundo com mudanças de direção tão repentinas, e sucessivas.

Ele é francês, nascido uns meses depois de Ronaldo, em França, se estrear - e maravilhar, fintar, marcar e ser espetacular - no seu primeiro Mundial. Era imberbe, uma ascendente estrela em potência, uma explosão fenomenal de talento com um descarado quê de estou-me nas tintas para quem tenho à frente, quero é jogar, que transformou adversários em simples pinos como Mbappé também mascara os argentinos.

Quando embala com a bola, largado antes da linha do meio campo, faz a gravidade parecer mais pesada nas pernas de Di María, Enzo e Mascherano, fugindo-lhes com a mesma facilidade com que se deteta a aflição desajeitada de Rojo em derrubá-lo na área. Ele inventa a jogada, desencanta a corrida e força o penálti que Griezmann marca, aos 13 minutos.

Mbappé passa todos os minutos e jogadas seguintes a usufruir, velozmente, da esperta e matreira estratégia francesa: esperar atrás, com as linhas juntas, dar de bom grado a bola e posicionar as peças com paciência para os momentos, que certamente viriam, em que os argentinos fizessem porcaria. O matulão Girou deixava-se estar perto de Otamendi, o melhor central, para o fixar e deixar Rojo a lidar com as corridas desenfreadas e técnicas do petit attacant, lançado por Pogba ou Griezmann nas transições para a frente da França.

Um plano formidável, mais do que matreiro e esperto, porque a Argentina deixava a linha defensiva subida no campo e com uma alarvidade de espaço para Mbappé atacar na profundidade. E eu juro que muitas coisas do Fenómeno Ronaldo estavam no corpo deste fenomenal e revivalista adolescente.

A primeira parte é um colecionar de contra-ataques gauleses em que ele corre até rematar, cruzar ou ser parada em falta, no limiar da área, onde Griezmann até rematou um livre à barra. E um acumular de ferrugem no conjunto de indivíduos que começa sem avançados e despida de gente para tabelar e fazer paredes para Lionel Messi, que recebia a bola, olhava e ninguém via à sua frente.

Era um falso nove sem que alguém que se fizesse passar por um verdadeiro nove.

Mas os argentinos, até nem se podia saber bem como, mas sabe-se porque vemos os franceses a defenderem um lançamento lateral que nem infantis, vão vivos para a segunda parte devido um bombástico pontapé de Di María, o canhoto que só marca em oitavos-de-final de Mundiais (neste, e no de há quatro anos). E mais vivaços ficam quando a ressaca de um canto é apanhada por Messi, ele rodopia e vira-se para improvisar um frouxo remate e a bola bate em Mercado para o rocambolesco 1-2.

Não que a justiça, o merecimento e as leis do karma importem no futebol, mas a melhor equipa, com os melhores jogadores, com o mais fenomenal tipo no campo - em que também estava Messi -, via-se, de repente, a perder.

Os franceses andaram um pouco à deriva, abalados pela imprevisibilidade das circunstâncias, cedidos à maneira desordeira de a Argentina estar em campo. Até que um cruzamento quase desesperado de Lucas Hernández atravessar a área para Pavard, um miúdo central adaptado a lateral, cortar a bola com o pé direito e fazê-la ir, em crescendo para o ângulo da baliza. O resultado ganhava fidelidade ao jogo, de forma espetacular.

E aí o jogo voltou a ser de Mbappé. O miúdo genial que captou um passe na área, ludibriou o cerco de três adversários até uma nesga de relva lhe bastar para marcar. O fenomenal cavalo elegante de corrida que esteve no fim de uma jogadas que é o porquê de gostarmos deste jogo, começada em Lloris e explicada em quatro passes até Giroud lançar a próxima grande coisa do futebol.

Os 20 minutos que restavam foram uma diligência para os franceses demonstrarem o poderio, a organização e a calma coletiva que os argentinos nunca tiveram nesta competição. Pogba, finalmente, deixou de jogar à bola para executar futebol. Kanté encurralava Messi tanto quanto é humanamente possível. Mbappé assustava transeuntes só por correr. Griezmann dava a classe com a bola a tudo quanto era jogada. E Messi aparecia, apenas, nos descontos, para picar um passe na corrida do infrutífero 3-4 cabeceado por Agüero.

O jogo foi, como só podia ser, de Kylian Mbappé, o futebolista em quem alguns pedaços da alma do Ronaldo Fenómeno encarnaram, enquanto ambos vivem. E caso ele prossiga esta sua demanda fenomenal de ser tão superior a quem o tente limitar dentro do campo, este Mundial também se arrisca a ser da estrela imberbe que fez a eliminação precoce de Lionel Messi parecer coisa menor.

De Kylian Mbappé, o fenómeno Mbappé que me obriga a voltar ao início e sugerir que se faça uma outra versão desta canção:

Muito prazer em conhecer
Eu sou Fenômeno
Mbappé Nazário dos Campos

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