Geromel, de Chaves para o Mundial: “Quando cheguei dei uma volta à cidade e me falaram 'E aí, gostou?' e eu 'Mas é só isto? Caramba...'”

Cabelo ligeiramente comprido, liso, cara longa: aos 32 anos, Pedro Geromel continua igual ao miúdo brasileiro que chegou a Portugal aos 18 anos. De São Paulo para Chaves e daí para o V. Guimarães, o choque foi grande, talvez maior até do que perceber que seria um dos convocados de Tite para o Mundial de 2018.
Na zona mista do Brasil, espera-se e desespera-se. O jogo acabou há mais de duas horas e até agora tem ninguém não. Mas estoicamente aguenta-se. Toda a gente espera falar com Neymar, Marcelo, Gabriel Jesus ou Coutinho, mas há quem tenha outros objetivos. Geromel passa despercebido e até parece ficar meio surpreendido quando percebe que há um trio de jornalistas portugueses que quer trocar dois dedos de conversa com ele.
Foram mais de dois dedos. Ali, depois de conseguir a qualificação para os oitavos de final, o central agora no Grémio começou tímido mas mal veio o assunto Chaves ao barulho, desatou a contar recordações dos primeiros tempos em Portugal, onde não se vê a voltar, pelo menos como jogador de futebol.
Valeu, Geromel!
Esta noite o Brasil já deu uma imagem um bocadinho mais consentânea com aquilo que se espera da equipa?
O nosso objetivo primordial era a qualificação e esta noite fomos em busca do 1.º lugar e conseguimos.
E como é que um jogador que aos 18 anos chegou ao Desportivo de Chaves, em Trás-os-Montes, se sente agora neste palco que é o Mundial?
Ah, muito feliz! Acho que todo o esforço que fiz ser coroado com estar numa Copa do Mundo não tem preço.
Agora jogas no Grémio, antes disso na Alemanha e Espanha. Voltar a Portugal, para um dos três grandes seria um coisa que te deixaria a pensar?
Para já não, acho que já tive o meu tempo em Portugal feito, sou muito grato por tudo o que passei lá, no Chaves e no Vitória de Guimarães, mas agora acho que já não me vejo a voltar ao país.
Mas há uns anos falou-se do interesse do Sporting.
Há muitos anos que se fala nisso tudo, mas nunca houve nada em concreto.
E o que é que recordas de Portugal?
Ah, recordo muita coisa. Estive cinco anos lá, tenho um carinho muito grande por Trás-os-Montes, pelo Chaves e pelo pessoal do Vitória de Guimarães, onde tive grandes temporadas. Tenho muitos amigos lá.
Os adeptos do V. Guimarães são conhecidos por serem muito intensos.
São muito queridos. Apoiam muito, mas cobram muito, também.
Como é que foi para um brasileiro de 18 anos chegar a Trás-os-Montes, a Chaves, uma cidade muito fria? Deve ter sido um choque.
Claro. Ainda para mais eu sou de São Paulo que é uma cidade muito grande. Quando cheguei a Chaves a cidade tinha 20 mil habitantes. Fui visitar a cidade logo que cheguei: andei pela cidade, de carro e me falaram “E aí, gostou da cidade?” e eu “Mas quê, é só isto? Caramba...” Foi um choque muito grande, de cultura também. Eu cheguei no verão, em junho e lembro que quando chegou o inverno eu não tinha blusas para o frio e eu passava frio prá caramba. Aí juntei o salário e comprei uma camisola e usava ela todos os dias! Ela já ia direto para o treino e tudo, já ia treinar praticamente sozinha [risos]. Foram assim os primeiros tempos, agora uma pessoa olha para trás e percebe que esse esforço todo valeu a pena.
Pensaste regressar ao Brasil nessa altura?
Com certeza! Só faltou o “vamos”. Acho que se alguém me chamasse eu ia correndo [risos]! Mas não tinha muito que fazer, né? Foi a vida que eu escolhi e superei todos esses obstáculos.
E o sotaque das pessoas, percebias?
No começo quando cheguei eles falavam “Pá, nome giro, Geromel” e eu dizia “sim”. “Camiseta bonita essa, onde comprou?” e eu “sim”. Eu só falava “sim”, porque não entendia NADA do que eles falavam, mas duas ou três semanas depois eu já estava adaptado.
No Vitória já deve ter sido completamente diferente.
Sim, sim. No Vitória já estava adaptado ao futebol, às táticas, aos sistemas, aos portugueses, aos costumes, à alimentação, ao clima.
E da comida, o que é que sentes falta?
Ah, a francesinha, com certeza! Fogo, com aquelas batatas fritas, aquele molho especial, é maravilhoso!
Houve algum treinador que te tenha marcado mais na passagem por Portugal?
Tive muitos bons treinadores, tive uma passagem muito feliz pelo Vitória com o Manuel Cajuda, que é uma figura, não é? Os treinadores portugueses são muito bons, como se vê não só em Portugal mas no Mundo todo. São técnicos consagrados que estão em grandes ligas, grandes clubes. Nisso Portugal está muito evoluído.
Sobre o Cajuda deves ter muitas histórias para contar…
Muitas histórias, muitas histórias, mas não posso contar agora, não é o momento [ri-se à gargalhada].
Disseste que a Portugal provavelmente não voltas, mas e à Europa, também não?
Estou muito feliz no Grémio e muito contente por ter chegado a seleção, mas nunca digo não, nunca digo nunca, não vou falar que não.
Achas que ainda vais ter os teus minutinhos neste Mundial?
Não tenho a mínima pressa. O importante é ganhar jogos, continuar nessa batida aí.
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