Andries Noppert tem 2,03 metros, poucas vezes repararam nele e há dois anos esteve para deixar o futebol. Agora é titular no Mundial
Shaun Botterill - FIFA
Aos 28 anos, Noppert é dono de um percurso onde poucas vezes acreditaram nele. Depois de lidar com a máfia em Itália, há dois anos a família quis que desistisse do futebol. Andou perdido nos bancos de divisões secundárias, mas a carreira do guarda-redes deu a volta e Louis van Gaal levou-o ao Mundial. Mais: deu-lhe a titularidade e fez com que todos vissem que Noppert tem mais de dois metros de altura, mas também de talento
Depois de um jogo impressionante ao serviço do seu anterior clube, o Go Ahead Eagles, em abril, Andries Noppert foi questionado sobre a possibilidade de vir a ser convocado para a seleção dos Países Baixos. Entre sorrisos, o guarda-redes respondeu: “Na seleção da Frísia?”. A Frísia é a província neerlandesa onde nasceu e a resposta só prova o quão distante essa possibilidade estava na carreira do jogador.
Sete meses depois desta declaração, Noppert não só foi convocado para o Mundial 2022, como foi o escolhido para a titularidade. Naquele que foi apenas o jogo número 52 da sua carreira profissional, foi o guardião da baliza no jogo frente ao Senegal, que os Países Baixos venceram por 2-0. Voltou a repetir a presença no onze no encontro com o Equador. E esta terça-feira deverá voltar a ocupar o lugar no encontro com o Catar. Uma ascensão que superou as expetativas do guarda-redes, mas também de todos aqueles que assistiram ao seu percurso.
Em 2020 esteve mesmo perto de desistir de tudo.
Andries começou a jogar futebol mais tarde do que a maioria na academia do Heerenveen, tinha já 16 anos. O que deu nas vistas inicialmente, mais do que as suas capacidades como atleta, foi o seu tamanho. Hoje tem 2,03m e é o guarda-redes mais alto do Mundial. Em 2014, deixou o clube sem uma única aparição na equipa sénior e seguiu-se um período ao serviço do NAC Breda.
A mudança não levou a mais oportunidades e ao longo de duas temporadas fez apenas cinco partidas. Insatisfeito com tantas portas fechadas nos Países Baixos, em 2017 Noppert optou então por uma mudança de cenário e mudou-se para o Calcio Foggia da Serie B italiana. Naquela altura era um projeto positivo e em ascensão, o clube tinha acabado de assegurar a promoção de regresso à segunda divisão italiana após vários anos de ausência. Talvez tenha sido isso que atraiu o jogador, que só mais tarde percebeu que não iria ter lugar como titular. Passou dois anos em Itália e fez apenas oito jogos.
O ambiente que encontrou no país também não o deixou nada confortável. “Roubaram-me o carro, mas consegui recuperá-lo da máfia”, contou à ESPN sobre o episódio em que teve mesmo que pagar para reaver o seu carro. Tudo isto relacionado com o "sentimento de insegurança geral" que tinha no seu antigo clube em Itália.
"Não podíamos dar a volta à cidade após as derrotas", admitiu o guarda-redes. "Eles [ultras] esvaziavam os pneus dos nossos carros ou faziam explodir bombas nos nossos pátios".
BSR Agency
Se até aqui parece mau, a partir daqui só piorou. Regressou ao seu país e juntou-se ao FC Dordrecht. Esteve presente em dois jogos da segunda divisão, antes de ser dispensado. Durante seis meses, a partir de julho de 2020, Noppert ficou sem clube.
Ao longo de seis anos de carreira, não teve uma única oportunidade de mostrar aquilo que realmente vale. Foi aqui que a família entrou em ação e lhe tentou explicar que as coisas simplesmente não estavam a funcionar. Noppert nunca tinha jogado com a camisola número 1 de qualquer clube, a namorada achou que estava na altura de tentar uma carreira na polícia e deixar o futebol para trás.
Mas quando se tem a certeza que é aquela a vocação de uma vida, não há forma de optar por outro caminho. Andries Noppert não o conseguiu fazer. Ganhou ele e ganhou o futebol.
A vida do guarda-redes começou a mudar com a sua chegada ao clube neerlandês Go Ahead Eagles, ainda que inicialmente tudo estivesse a parecer demasiado familiar para Noppert. Passou a primeira época toda no banco. Até que a temporada 2021/22 aconteceu. Em janeiro, Jay Gorter foi vendido ao Ajax e Noppert encontrou o espaço que nunca teve, sem desiludir.
O clube lutava contra a descida de divisão e os três jogos consecutivos sem sofrer golos foram suficientes para que isso não acontecesse. Foi também o suficiente para garantir uma transferência no valor de 750 mil euros para o seu clube de infância, o Heerenveen, que estava atrás de um guarda-redes. E para atrair a atenção de Louis van Gaal.
Foi convocado pelo selecionador para o conjunto de jogos que fizeram antes do Mundial, algo que Noppert descreveu como um "sonho". Foi Remko Pasveer, de 39 anos, porém, que fez a sua estreia contra a Polónia e foi titular contra a Bélgica. O jogador ficou, novamente, no lugar que tão bem conhece: o banco. Mas quem passou por tudo aquilo que Noppert passou tem uma vantagem em relação aos outros jogadores: sabe que não há obstáculo impossível de ultrapassar.
Laurence Griffiths
Quando chegou ao Catar, teve uma conversa com Van Gaal e foi informado de que a titularidade seria sua: “Ele chamou-me e disse-me que confiava em mim. Isso é o mais importante”, contou, já em Doha.
E logo frente ao Senegal foi decisivo. “O Senegal pode ter tido três bolas de golo. Claro que temos um guarda-redes na baliza para parar as bolas. Ele é bastante direto e o seu timing também é bom. Tem alcance e fez um ótimo trabalho”, disse Van Gaal no final da partida que provou a Andries Noppert que, afinal, tudo valeu a pena.