A despedida feita banho de multidão para a seleção feminina, que parte para o Mundial “sem impossíveis”
Hernâni Pereira/FPF
O agitado último dia da equipa de Francisco Neto teve visita presidencial, treino aberto cheio de crianças a assistirem e a confirmação de que estas jogadoras são vistas por muitos e muitas como referências a seguir. Portugal parte para a Nova Zelândia, uma longa viagem para a primeira participação no Mundial
É como se a seleção jogasse, simultaneamente, em vários tempos. Entra em campo no presente, explorando caminhos desconhecidos para o futebol feminino nacional, mas fá-lo pensando no passado e olhando ao futuro. Diz Dolores Silva, a capitã e mulher das 150 internacionalizações, que a equipa representa “não só a nossa geração, mas também as anteriores”; completa Francisco Neto, indo buscar uma ideia recorrente no seu argumentário, que as jogadoras que orienta buscam “criar uma referência para as gerações que aí vêm”.
No crescimento do futebol feminino português, cada pequeno passo que se dá sobe uma grande escada, mas há passos que multiplicam por várias vezes a velocidade da caminhada. Neste contexto, esta seleção, pioneira nas viagens pelos maiores torneios, é o símbolo e acelerador da ascensão.
Poucas viagens terão uma conexão tão evidente entre a duração da travessia e a importância da expedição como a ida da seleção rumo à Nova Zelândia, para disputar o primeiro Mundial feminino da sua história. No dia da partida para o outro lado do mundo, onde haverá estreia no grupo E contra os Países Baixos a 23 de junho, embate contra o Vietname a 27 e duelo contra as campeãs do mundo dos EUA a 1 de agosto, a despedida às futebolistas terá sido, também, a ilustração deste jogar em vários tempos tão presente na ideia deste grupo.
Quando a seleção subiu ao relvado do campo principal da Cidade do Futebol, em Oeiras, uma pequena multidão repleta de gente que ainda não chegava à dezena de anos de vida saudou as protagonistas. As caras nas bancadas eram de admiração e alegria, passando a uma pequena excitação quando Kika Nazareth, Jéssica Silva ou Andreia Norton foram dar alguns autógrafos a quem olha para elas como se vestissem capas de heroínas.
Jogar para o futuro, alimentando referências que sirvam de inspiração para quem aí vem, deve ser qualquer coisa como isto.
Hernâni Pereira/FPF
Do lado de fora do campo, Sílvia Rebelo, Kika Nazareth e Fátima Pinto fizeram treino à parte, mas sem motivos de preocupação para o Mundial. Na relva, embaladas pelo bombo que soava na bancada e pelos cânticos vindos de vozes imberbes, os destaques eram os normais: as receções orientadas de Andreia Norton, a presença firme de Tatiana Pinto, as cavalgadas ambiciosas de Jéssica Silva.
Depois do 2-0 à Ucrânia, no Bessa, com o recorde de 20.123 pessoas a assistirem a um encontro da seleção em solo nacional, o último dia em Portugal teve visita presidencial, treino aberto, contacto com os adeptos, o hino entoado por um banda formada por elementos dos três ramos das Forças Armadas. Tatiana Pinto expressou a “enorme gratidão” do grupo por quem lhes foi dizer adeus, garantindo que levarão “esta energia para a Nova Zelândia”.
Na suave sessão de treino final, com alguns exercícios de troca de bola, finalização e um jogo de alguns minutos, o grande destaque esteve mesmo no entusiasmo das bancadas, que gritavam até quando Kika passava à frente das crianças para ir levar águas de um lado ao outro do campo. A jogadora do Benfica, mesmo sem treinar depois do susto no amigável contra Inglaterra, consegue ter uma energia vibrante singular: brinca com os óculos da dirigente Mónica Jorge, dá palpites sobre as chuteiras que Telma Encarnação experimenta, simula fazer um penteado a Diana Silva.
Hernâni Pereira/FPF
Depois do ruidoso treino, com cânticos ensaiados, bater de palmas coordenado e fotografias, muitas fotografias, foram-se aos quartos ultimar as malas antes da derradeira despedida.
Para quase todas estas futebolistas, é o segundo verão seguido em aventuras internacionais: entre as convocadas, só Ana Seiça, Ana Rute e Ana Capeta não foram chamadas para o passado Europeu, no verão de 2022, em Inglaterra. Nessa competição também não esteve Andreia Jacinto, mas devido a lesão.
Alinhada com as palavras do Presidente da República, Tatiana Pinto diz que “esta seleção já provou que não há impossíveis”. Completando a ideia da sempre disponível centrocampista, Francisco Neto usa uma imagem da tal escalada: “Sabemos que é uma montanha muito difícil de escalar, mas vamos com ambição de a escalar em boas condições”.
O EK194 descolará para a maior viagem da história do futebol feminino nacional. Desde as pioneiras — como Alfredina Silva em 1981 — que desafiaram o preconceito e correram atrás de uma paixão num contexto amador, até às profissionais de 2023, que também lutaram contra dificuldades para colocar a seleção em viagens até aqui não vividas, coisa inaceitável para um país que se diz de futebol mas que praticamente o vedava (e, em muitos casos, ainda lhes complica a vida) a mais de metade da população nacional.
O debute é dia 23, em Dunedin. E, explica Francisco Neto, só quando se ouvir o hino contra os Países Baixos é que “vai cair a ficha” sobre o que este grupo de jogadoras está a fazer.