O guia do Mundial feminino: haverá candidatas realistas ao título saídas dos grupos A e B?

Treinador de futebol
Com cada vez mais adeptos nas bancadas, mais ligas profissionais e o nível de jogo a evoluir de ano para ano, o futebol feminino terá neste Mundial, a decorrer entre 20 de julho e 20 de agosto na Austrália e na Nova Zelândia, a sua maior competição de sempre. Apesar das muitas ausências por lesão e de outras tantas polémicas com várias seleções (como Espanha, Canadá, França, Nigéria ou Jamaica) a travarem batalhas internas com as suas federações para alcançar melhores condições de trabalho e uma igualdade de oportunidades, haverá ao longo deste mês muitos pontos de interesse para seguir no torneio.
Com talvez mais seleções a poder ter uma palavra a dizer na luta pela vitória final do que acontece no futebol masculino, e com o grande público a ter um grau de conhecimento generalizado inferior ao que acontece no futebol praticado por homens, a competição promete ser imprevisível, surpreendente e, até, misteriosa pela forma como várias jogadoras irão aproveitar a montra para mostrar ao mundo o talento e nível que detêm.
Com Nova Zelândia, Noruega, Suíça e Filipinas, o grupo A poderá ser considerado um dos menos fortes deste Mundial – mas nem por isso menos competitivo e imprevisível. O favoritismo, claro, é da Noruega, antiga campeã mundial e olímpica, e (ainda) uma das potências no que ao futebol feminino diz respeito.
O plantel é de altíssima qualidade, no entanto, a equipa escandinava vem de um Euro 2022 dececionante, em que não só caiu na fase de grupos, como foi goleada por 8-0 (!) por Inglaterra. O comando técnico mudou, algumas das suas principais estrelas (como a ponta de lança Hegerberg) voltaram, e a confiança estará renovada, mas a verdade é que, enquanto coletivo, esta formação da Noruega ainda não encantou. Passar o grupo não será suficiente para um conjunto tão talentoso, mas restam dúvidas sobre qual o teto máximo de uma Noruega que procura manter um estatuto que lhe parece fugir de ano para ano.
Em segundo plano surge a Suíça. A adversária de Portugal no Euro 2022 cumpre a segunda participação em Mundiais, depois da estreia em 2015, e procura repetir a passagem à fase a eliminar, que na altura aconteceu por via do 3.º lugar – algo que, já se sabe, em 2023 não será possível uma vez que passam apenas as duas melhores classificadas de cada grupo. Com atletas experientes e de craveira internacional, as helvéticas têm claramente o segundo lote de jogadoras mais talentosas do grupo A – e é esperado que isso chegue para garantir a passagem. Mas, um pouco como a Noruega, também a Suíça não tem encantado. E basta um dia mau para as contas se complicarem.
Por fim, como underdogs, apresentar-se-á uma Nova Zelândia anfitriã, já na sua sexta participação em Mundiais femininos, mas ainda à procura da sua primeira vitória, e as estreantes Filipinas, com toque norte-americano no seu plantel. Sobre a equipa da casa, o fator público poderá ser determinante no objetivo que passará, em primeiro lugar, por conseguir esse triunfo que fugiu nas primeiras cinco participações. Até ao momento, são três empates e 12 derrotas, mas o sorteio ‘simpático’ poderá ajudar aquela que será uma das equipas com menos argumentos da prova.
Por outro lado, as Filipinas estreiam-se numa fase final, mas esta participação não acontece por acaso: há um crescimento claro e sustentado e já no ano passado a equipa qualificou-se também pela primeira vez para a fase a eliminar de uma Copa Asiática. A subida de nível é notória e para isso muito contribuem as várias jogadoras a competir nos Estados Unidos. Contudo, não deixarão de ser uma das equipas teoricamente menos fortes da competição. Ganhar um dos três jogos já seria considerado um sucesso.
Ada Hegerberg (Noruega): vencedora da Bola de Ouro em 2018, é uma ponta de lança com espetacular relação com o golo. Não só finaliza com qualidade de pé direito e de cabeça, mas é especialista nas movimentações em zonas de finalização. Joga no Lyon e chega a este Mundial aos 28 anos, experiente e como uma das líderes da equipa. Promete golos.
Caroline Graham Hansen (Noruega): jogadora chave da que é provavelmente a atual melhor equipa do mundo, o FC Barcelona, trata-se de uma extrema muitíssimo evoluída tecnicamente, com capacidade para desequilibrar no 1x1 ou por via da sua criatividade a servir as avançadas (e que avançada tem para servir em Ada Hegerberg). Quando estiver difícil, passem-lhe a bola.
Ramona Bachmann (Suíça): Entre várias jogadoras suíças de grande qualidade e que fazem parte de alguns dos melhores clubes do mundo, Ramona é talvez a mais consagrada. Embora já com 32 anos, a média ofensiva vem de uma época positiva no PSG, com muitos minutos e alguns golos. Tecnica e fisicamente forte, é criativa e pode desequilibrar contra qualquer adversário.
Geraldine Reuteler (Suíça): Polivalente jogadora do Eintracht Frankfurt, Geraldine pode atuar como avançada, média centro (box to box) ou até partir de um corredor. Fisicamente evoluída, rápida e agressiva, deverá ser titular no meio-campo, mas sempre com muita chegada a zonas de finalização, aparecendo de trás. Aos 24 anos vem de uma excelente época na Alemanha e, ainda que com menos estatuto do que algumas das suas colegas, é jogadora a seguir com atenção.
Um Mundial distingue-se de qualquer outra competição por juntar os melhores de cada canto do mundo. Este grupo B é, pois, uma belíssima representação disso mesmo. A Austrália domina na Oceânia e é, no feminino, uma seleção bem mais poderosa do que é no masculino. O Canadá, embora geralmente ofuscado pelo poderio dos Estados Unidos na América do Norte, também se trata de uma das potências do futebol feminino. A Nigéria é, sem dúvida, a nação africana que mais talento tem produzido no jogo das mulheres. A única exceção é a Irlanda, que surge como underdog, mas que pode também não ser pera doce.
Começando pelas anfitriãs, a Austrália surge neste Mundial como um possível outsider na luta pelo título. Além do fator casa, que pode ser impactante, as australianas contam com uma das melhores jogadoras do Mundo, Sam Kerr, e uma equipa que do ponto de vista atlético é impressionante. Se as adversárias lhes proporcionarem um jogo aberto, com espaço, a Austrália tem potencial para bater qualquer equipa. Prova disso foi o último amigável realizado, há cerca de uma semana, em que as australianas bateram a candidata França por 1-0. Nunca tendo ido além dos quartos de final, pelo menos chegar às ‘meias’ será o objetivo da equipa.
A par da equipa da casa, o outro favorito a passar o grupo é o atual campeão olímpico, o Canadá. Após essa medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 2020, é impossível não ter expetativas altas quando se pensa na equipa de Bev Priestman: defensivamente fortes, com excelente guarda-redes em Kallen Sheridan e uma linha defensiva sólida, trata-se de uma equipa flexível, tanto do ponto de vista do sistema de jogo (habitualmente apresentam-se em 4-2-3-1, mas podem atuar com três centrais) como nas intenções. Têm capacidade para assumir o jogo, com uma posse de bola mais curta e apoiada, ou jogar na expetativa, confiando na qualidade sem bola das suas jogadoras. No último amigável houve um 0-0 com Inglaterra que mostra que não será fácil marcar ao Canadá.
A tentar contrariar o favoritismo de Austrália e Canadá surgirá a Nigéria, recheada de talento sobretudo ofensivo. As Super Falcons, como são conhecidas, ganharam 11 de 14 Copas Africanas das Nações, mas na edição mais recente, em 2022, não foram além das meias-finais. Com um estilo de jogo mais direto, constantemente à procura de Oshoala, que terá a companhia de Rasheedat Ajibade e de Tony Paine no ataque, a seleção africana será sempre uma ameaça a qualquer adversário. O primeiro jogo, contra o Canadá, poderá ditar muito do que se passará na fase de grupos. Chegar à fase a eliminar seria um sucesso dada a forte concorrência no grupo B.
Finalmente, a Irlanda. Sem a qualidade individual das restantes equipas do grupo e sendo estreante nestas andanças, o objetivo passará por competir da melhor forma possível e, quiçá, alcançar uma vitória. Sob a tutela da holandesa Vera Pauw, muito experiente no comando técnico de seleções após liderar a Escócia, Holanda, África do Sul e Rússia, por esta ordem, a equipa organiza-se geralmente num 5-4-1 em que a primazia é dada à organização defensiva. É comum ver as irlandesas num bloco baixo, com postura agressiva nos duelos e a tentar levar o jogo para um patamar mais físico, e depois aproveitando os momentos de transição. Katie McCabe, do Arsenal, é a estrela, mas individualmente o nível não é alto.
Sam Kerr (Austrália): a avançada do Chelsea é um dos maiores nomes do futebol feminino da atualidade. Com 29 anos e três temporadas consecutivas a rondar os 30 golos, chega a este Mundial disputado em casa no auge da sua carreira. Fortíssima fisicamente, exímia no ataque ao espaço, tem remate poderoso e é de uma agressividade a atacar a baliza pouco vista.
Vanessa Gilles (Canadá): a defesa central do Lyon tem uma carreira pouco comum, uma vez que quando saiu do futebol universitário norte-americano veio para a Europa… para a liga do Chipre. Entretanto, foi sempre a subir e hoje é, aos 27 anos, uma das melhores centrais do mundo. Mesmo sem ser, nem de perto, nem de longe, uma das jogadoras mais talentosas do elenco do Canadá, é fortíssima fisicamente, agressiva, quase imbatível no duelo e, diz quem joga com ela, psicologicamente insuperável. O duelo com Sam Kerr vai fazer faísca!
Asisat Oshoala (Nigéria): há cinco temporadas no FC Barcelona, a avançada nigeriana é uma das jogadoras mais velozes da atualidade. Com espaço é difícil de parar, pelo que obriga sempre a atenções redobradas por parte das defesas contrárias, embora nem sempre seja particularmente eficaz, uma vez que o nível técnico não acompanha os índices físicos extraordinários que possui. Ainda assim, será uma dor de cabeça para australianas, canadianas e irlandesas.
Cortnee Vine (Austrália): a extrema australiana ainda joga na liga do seu país (dificilmente assim continuará por muito mais tempo), mas depois de temporadas de muito rendimento, tem-se vindo a afirmar pela sua seleção. Bem identificada com as características da equipa australiana, distingue-se pelo perfil atlético, sendo rapidíssima e muito agressiva com bola. Pode fazer todo o corredor direito, onde tem muita concorrência, pelo que poderá alternar entre o 11 titular e um papel em que é uma das principais alternativas no banco.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt