“Queríamos inspirar as raparigas, foi isso que fizemos”: a história de Ali Riley, a capitã da Nova Zelândia que nasceu na Califórnia
Fiona Goodall - FIFA
A Nova Zelândia celebrou finalmente a primeira vitória num Campeonato do Mundo e Ali Riley, a capitã de 35 anos que já fez 150 jogos pelo país e soma a quinta participação num Mundial, não segurou as lágrimas: “Estou tão, tão orgulhosa.”
Era só mais uma rapariga no Rose Bowl, em Pasadena, a isolar com uma película de ouro aquela lembrança. Ali Riley tinha 11 anos, no dia 10 de julho de 1999, quando a seleção feminina dos Estados Unidos conquistou o Campeonato do Mundo. Foi a primeira vez que a californiana viu mulheres a jogar àquele nível. Só desejava ser como Mia Hamm ou Briana Scurry, ou seja, a goleadora famosa ou a guarda-redes. Nem sabia que um dia poderia jogar como profissional. Não havia sequer uma equipa em Los Angeles, onde nasceu. Os sonhos vieram depois…
Fast forward para 20 de julho de 2023.
O pranto de Alexandra Lowe Riley, ou Ali Riley, depois da primeira vitória da Nova Zelândia num Mundial – aconteceu esta manhã contra a favoritíssima Noruega, com um golo de Hannah Wilkinson –, não deixou ninguém indiferente. Aos 35 anos e somando a quinta participação num Campeonato do mundo, a capitã neozelandesa é talvez a futebolista mais importante daquela nação. As lágrimas denunciavam uma trajetória sinuosa.
“Estou tão, tão orgulhosa”, disse na entrevista rápida depois do jogo inaugural do torneio, no Eden Park. “Lutámos por isto durante muito tempo e tínhamos o claro objetivo de inspirar raparigas e jovens deste país e do mundo inteiro. E eu acho que fizemos isso, tudo é possível.”
A defesa, uma atleta dos Angel City FC, clube do qual a atriz Natalie Portman é co-proprietária, garantiu que as jogadoras da seleção, a jogar em casa, acreditavam nelas mesmas, fintando os que duvidavam. As dúvidas vieram de exibições recentes, como aquela em que Ali Riley conquistou a 150.ª internacionalização, contra Portugal (0-5). A confiança e a vontade esteve na origem da vitória contra a Noruega, a 12.ª do ranking FIFA, garantiu.
A infância de Riley, que nunca viveu na Nova Zelândia, explica a ligação àquela terra. O pai é neozelandês e por isso ela passava muito tempo do verão com os avós. Numa entrevista recente à federação de futebol do país, lembrou o grande jardim onde passava tantas horas, assim como as sestas com o avô debaixo de uma árvore. O futebol surgiu aos quatro, cinco anos com o pai. É certo que arrancava mais flores do que jogava, lembrou, mas foi ali que semeou a vida inteira.
Depois de perder os avós, temeu que a ligação àquele país fosse castigada. Mas não foi, pois começou a representar a seleção sub-20, graças sobretudo a um DVD com imagens dela enviado pelo pai. “Pareço tão velha”, disse entre risos, ao explicar como uma californiana convenceu os selecionadores do país no qual um dia seria uma lenda.
Hannah Peters - FIFA
Não é assim tão raro ouvi-la a falar em inspirar as mais novas ou a ser a voz por causas sociais ou contra injustiças. Agora, talvez para contornar aquelas regras inibidoras de valores, tem as unhas pintadas às cores. Quando a FIFA se pareceu colar a um patrocínio da Arábia Saudita para o Mundial, Riley demonstrou o seu desagrado. “Estou mesmo triste por ficarmos associadas a esta decisão para a qual não fomos consultadas”, disse numa entrevista ao “The Athletic”, em fevereiro. “E que não está alinhada com os meus valores ou com os valores do nosso país. É como uma chapada no rosto quando temos estado tão orgulhosas, como mulheres, de ter um torneio diferente, em que os direitos, como mulheres e LGBTQ+, eram celebrados.” A neozelandesa lamentou a “ganância” da FIFA, surpreendendo-se por ainda ficar surpreendida com tal facto.
Nos últimos anos, antes de se enfiar na camisola dos Angel City FC, Ali Riley representou Orlando Pride, as suecas do Rosengard, o Bayern Munique e também o Chelsea, o que sugere o perfil de grandíssima futebolista que está quem sabe a despedir-se do torneio internacional mais especial do planeta.
Na entrevista à federação neozelandesa, a futebolista lembra que nem todas as meninas, raparigas e mulheres têm a sua sorte, pois agora o seu país, desde 2007, permite que sonhem ser futebolistas. Noutros lados, em muitos na verdade, as jogadoras não ousam sonhar em pagar contas com o futebol. Por isso, por fazer parte do mecanismo, enaltece a construção do programa que inspira as raparigas. No fundo, ela quer que sejam o que elas quiserem, seja jogadoras, árbitras, diretoras-gerais ou primeiras-ministras. “As pessoas que vieram antes de mim foram instrumentais e fizeram o caminho para nós.”
A rapariga de 11 anos que viu as então compatriotas venceram o Mundial, em 1999, já sabe o que é vencer um jogo no torneio, ainda por cima com a braçadeira de capitã. E isso é especial. A atleta disse recentemente que aquele pedaço de tecido significa “tudo” para ela. Segundo ela, trata-se de ajudar as colegas, fazer com que se sintam amadas. Quer dar-lhes voz, usar a plataforma para trazer a mudança. “Usei esta posição para dar poder a outras jogadoras, para serem líderes. É uma honra ter a braçadeira.”
Se vivêssemos numa página de um livro de ficção científica e ela pudesse dizer algo ao ouvido da Alexandra de 10 anos, seria isto: “Mantém-te no futebol, entusiasma-te. O mundo vai abrir-se para ti. Não sabíamos o que vinha aí…”