Mundial Feminino 2023

A fraturada Espanha está nas meias-finais do Mundial e deve-o a uma atleta dos 400 metros que escolheu ser futebolista

A fraturada Espanha está nas meias-finais do Mundial e deve-o a uma atleta dos 400 metros que escolheu ser futebolista
Lars Baron/Getty

Só um golo já no prolongamento, contra os Países Baixos, de Salma Paralluelo colocou a Espanha, pela primeira vez, nas meias-finais do Mundial feminino. Aos 19 anos, a jogadora que foi campeã nacional dos 400 metros barreiras só não foi aos últimos Jogos Olímpicos por culpa de uma lesão no joelho

Bastante alta, com estilo de corrida elegantemente mecânico e sem que a bola importune, por um segundo, toda uma postura atlética, Salma Paralluelo esteve até há um ano envolta em malabarismos mentais para lidar com uma dúvida - futebol ou atletismo, para qual modalidade haveria de optar por canalizar o seu generoso talento?

A bola que tanto sussurra aos ouvidos de quem se deixa encantar por ela levaria a melhor, mas sem apagar um registo a cortejar o fabuloso: no escalão sub-18, Salma Paralluelo chegou a ser dona da melhor marca de Espanha nos 400 metros barreiras (em 2020) e antes, no raiar da adolescência, foi campeã nacional dos 300 metros com e sem barreiras, aos 13 anos.

Com 14, tão imberbe, já se entretinha também com a bola e a sua aptidão não era forreta com nenhuma das suas paixões. Com essa idade foi convocada para os Europeus e Mundiais de sub-17, conquistando ambos com a seleção espanhola. Não havia como forçá-la a optar. Em 2019, quando o Villarreal a contratou ao Prainsa Zaragoza, da cidade onde nasceu, impôs a condição de que a deixassem continuar a dividir-se entre a bola e o atletismo e a trabalhar na companhia de Félix Laguna, o treinador que ainda hoje, com ela no Barcelona, a acompanha à distância, conta o “El País”.

Em 2021, só a sina azarada das mazelas a impediu de ir correr aos Jogos Olímpicos, uma maldita rutura de ligamentos num joelho a deixá-la longe de Tóquio. Quando a recuperação no futebol, mais rápida e fácil, se esgueirou na frente das pinças que o atletismo exige mais ao físico e, com a exigência e a demora, Salma viu adversárias que antes ficavam entupidas pelo seu pó a ganharem-lhe sem dó, teve que fazer a escolha. O seu tempo iria todo para o futebol.

Europa Press Sports

Mas “se tomasse cinco para os dois próximos ciclos olímpicos”, o seu treinador está “convencido de que poderia lutar por medalhas e depois, com 24 ou 25 anos, ainda teria tempo para explorar a sua carreira como futebolista”. Agora, que ainda só tem 19, é a jogadora que marcou o golo responsável por Espanha ir jogar as meias-finais do Campeonato do Mundo.

Já no prolongamento do árduo jogo contra os Países Baixos, lá foi Salma Paralluelo a correr pelo flanco esquerdo, levando a bola e com ela encarando uma adversária já na área, para a tirar do caminho e rematar com o fino pé esquerdo que tem jogado com lugar cativo na fragmentada seleção de Espanha, onde jogadoras que não morrem de amores entre elas e com o treinador têm engolido em seco em prol do objetivo maior que já as tem entre as quatro melhores equipas do Mundial.

A seleção do questionado Jorge Vilda, contra quem 15 jogadoras renunciaram à seleção, o ano passado, em protesto face aos métodos do treinador, o clima que nutria na equipa e o impacto que a sua atuação tinha na saúde mental das futebolistas. Salma Paralluelo não era uma delas - do grupo que criticou publicamente o técnico, só três regressaram para o Mundial -, mas, enquanto as feridas são visíveis a olho nu e se nota como as mulheres que jogam por Espanha são algo avessas a mostras de convívio com o selecionador, uma atleta virada futebolista prolongou a vida espanhola no maior dos torneios.

Às espanholas espera-lhes o vencedor da partida entre Japão e Suécia.

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