Natação

O “conforto” na água de Katie Ledecky, a dona de 21 medalhas em Mundiais que se eleva se treinar com os mais rápidos do mundo

O “conforto” na água de Katie Ledecky, a dona de 21 medalhas em Mundiais que se eleva se treinar com os mais rápidos do mundo
Tom Pennington/Getty

A norte-americana chegou às 21 medalhas em Mundiais na carreira, um novo máximo para uma mulher. Com 10 medalhas olímpicas conquistadas, Ledecky, graduada em Stanford, mudou-se para a Flórida em 2021, onde treina com vários dos melhores nadadores da atualidade, o que a "ajuda"

O “conforto” na água de Katie Ledecky, a dona de 21 medalhas em Mundiais que se eleva se treinar com os mais rápidos do mundo

Pedro Barata

Jornalista

Quando Claire Weinstein, Leah Smith, Katie Ledecky e Bella Sims terminaram a estafeta dos 800 metros livres nos campeonatos do mundo de natação, em Budapeste, os 7 minutos e 41,45 segundos que tardaram em completar a prova deram-lhes a medalha de ouro e um novo recorde na prova. Os festejos eram justificados, mas para uma integrante do quarteto a glória tinha sabor a encontro com a história: Katie Ledecky alcançou a 21.ª primeira medalha em Mundiais da sua carreira, ultrapassando Natalie Coughlin e tornando-se na nadadora mais laureada de sempre em campeonatos do mundo.

Só Michael Phelps, com 33 medalhas, e Ryan Lochte (27) subiram mais vezes ao pódio na competição do que a norte-americana de 25 anos, que com 18 ouros é, também, a mulher mais vezes campeã mundial da história. Para Ledecky, parece “que foi ontem” que estava “em Barcelona, nos primeiros Mundiais”, quando em 2013 levou quatro medalhas de vencedora da Catalunha.

Ledecky, Weinstein, Sims e Smith depois do ouro
ATTILA KISBENEDEK/Getty

Fenómeno de precocidade, Katie Ledecky ainda não tinha carta de condução e já detinha dois recordes do mundo, quatro títulos Mundiais e um ouro olímpico. Com família checa do lado do pai e irlandesa da parte materna e criada em Maryland, Ledecky começou a nadar aos seis anos por influência do irmão mais velho e da mãe, que praticou natação pela Universidade do Novo México.

Em 2012, quando o Facebook já estava triunfalmente instalado nas vidas de boa parte da população e ir ao YouTube ver o vídeo da moda já era rotina comum, a equipa de natação dos Estados Unidos da América resolveu aventurar-se no mundo da viralidade digital.

Numa espécie de clip de apresentação dos atletas que estariam nos Jogos Olímpicos de Londres, foi gravada uma interpretação dançante de “Call Me Maybe”, um dos êxitos do momento. Entre o elenco de estrelas estava Kathleen Genevieve Ledecky, de 15 anos, pouco antes de se tornar Katie para todo o mundo.

Nos trials norte-americanos que definiriam quem ocuparia as vagas para a competição que decorreria no Reino Unido, Ledecky, na sua primeira prova sénior a nível nacional, surpreendeu ao ser a melhor nos 800 metros livres, terminando ainda em terceira nos 400 metros livres. A adolescente seria, aos 15 anos, quatro meses e 10 dias, a mais nova norte-americana nos Jogos Olímpicos de 2012.

"Limito-me a nadar... rápido, sem pensar em nada mais", foi uma frase que, desde cedo, Katie foi repetindo. Em Londres, a medalha de ouro nos 800 metros livres confirmou o prometido e lançou-a para uma década banhada nas águas da glória.

Quatro ouros nos Mundiais de 2013, em Barcelona; cinco ouros em Kazan, em 2015; quatro ouros e uma prata no Rio, em 2016; cinco ouros e uma prata em Budapeste, nos campeonatos do mundo de 2017; um ouro e duas pratas em Kwangju, em 2019; dois ouros e duas pratas em Tóquio, nos Jogos de 2020; e, para já, três ouros em três tentativas — 400 metros livres, 1.500 metros livres e estafeta dos 800 metros livres — nos Mundiais de 2022

Ledekcy, depois de ganhar o ouro em Londres 2012
The Washington Post/Getty

A mudança de costa para correr mais rápido contra homens

Ganhar é verbo recorrente no vocabulário da nadadora, mas no verão passado, no Extremo Oriente, algo não correu tão bem. Antes de Tóquio, Ledecky nunca tinha perdido uma corrida individual nuns Jogos Olímpicos. No Japão, a norte-americana foi 5.ª nos 200 metros livres, ganhos por Ariarne Titmus, e nos 400 metros livres foi prata, também atrás da australiana, três voltas ao sol mais nova.

Katie levou para casa quatro medalhas, duas delas de ouro, pecúlio com o qual a esmagadora maioria dos atletas nem se atreve a sonhar. Mas ela "não ficou satisfeita", disse. Logo o culpado pareceu ter sido encontrado: o tão sagrado treino.

A pandemia da covid-19 impediu o normal treino da nadadora na Universidade de Stanford. Com várias piscinas e centro de treinos fechados, Ledecky esteve bastante tempo a trabalhar na piscina das traseiras de uma família da Califórnia. Além de ter estado vários meses sem ver a sua família, que habita na costa oposta dos Estados Unidos, o grande incómodo para a multi-medalhada foi a ausência de um parceiro de treino que não a sua sombra. "Senti a falta de alguém na piscina comigo, alguém que me desafiasse, que me obrigasse a perseguir, a dar mais", assumiu.

Maddie Meyer/Getty

Antes dos Jogos de Tóquio, no outono de 2020, Ledecky graduou-se em Stanford, com um major em psicologia e um minor em ciência política, algo que foi "excelente para manter a mente ocupada" quando não estava a treinar. No Japão, a nadadora usou o seu Instagram, habitualmente cheio de conteúdos publicitários com grandes marcas, para fazer uma graduação improvisada à beira da piscina, mas depois dos Jogos voltou a recorrer às redes sociais para anunciar uma mudança na sua vida.

Após cinco anos em Stanford, Ledecky mudou-se para a Universidade da Flórida, na outra costa dos Estados Unidos, com o objetivo de treinar com Anthony Nesty. Além dos motivos desportivos, a nadadora fez as malas para "estar mais perto de casa a da sua família" em Washington.

Na Flórida, Katie encontrou aquilo de que sentiu falta nos meses da pandemia antes de Tóquio: competição.

No seu grupo de treino habitual estão Caeleb Dressel, vencedor de cinco medalhas de ouro nos Jogos de 2020 e de dois ouros nestes Mundiais, dos quais já se retirou; Kieran Smith, que levou para casa um bronze em Tóquio; Bobby Finke, que ganhou dois ouros nos passados Jogos e se sagrou campeão dos 800 metros livres em Budapeste; além de diversos atletas de países como a Venezuela, Argentina, República da Irlanda, Dinamarca ou Alemanha que regularmente passam por lá.

Katie Ledecky segura o prémio de atleta feminina do ano, ladeada por Kobe Bryant e Michael Phelps, em 2017
Kevork Djansezian/Getty

Ledecky não tem dúvidas que estar a treinar contra alguns dos melhores do mundo a tem "ajudado", sendo já "visível" nas suas prestações os benefícios dessa competição. A nadadora de 25 anos venceu os 400 metros livres com 3 minutos e 58.15 segundos, a sua melhor marca de sempre fora de Jogos Olímpicos, e os 1.500 metros livres em 15 minutos e 30.15 segundos, mais de cinco segundos mais rápida do que fez em Tóquio.

"É mais fácil ir mais rápido quando se nada contra homens. De outra forma, estás só a correr contra o relógio e, por vezes, focas-te demasiado no relógio", explica Ledecky, que considera que, "num certo sentido", a natação "é, também, uma modalidade coletiva", já que "ter bons companheiros de treino faz a diferença".

Vencedora em série desde muito nova, Katie parece ter encontrado a fórmula para continuar a ganhar perante o surgimento de oposição mais nova. "Desde o primeiro dia que entrei na água sinto-me muito confortável", diz a norte-americana que já tem os olhos postos em Paris, em 2024, e "não descarta tentar" estar nos Jogos de 2028, em Los Angeles. Se o fizer, chegar às 18 medalhas da ginasta soviética Larisa Latynina, a mulher mais laureada em Jogos Olímpicos da história, parece objetivo possível, ainda que difícil (a norte-americana tem 10 medalhas).

Tudo isto sem esquecer um "compromisso" ao qual se mantém fiel em aparições públicas e publicações nas redes sociais. A Federação de Natação dos Estados Unidos tem promovido o ensino da natação para prevenir mortes por afogamento e Katie Ledecky é, regularmente, cara dessas campanhas. "A natação é, também, uma ferramenta de vida, algo que te pode impedir de morrer", lembra a atleta que faz da velocidade na água o seu veículo para a glória.

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