Para Diogo Ribeiro, as medalhas de ouro nos Mundiais são “como se fossem de um regional”. Dormiu em cima delas e uma até se partiu
TIAGO PETINGA/Lusa
Diogo Ribeiro aterrou em Lisboa sorridente e com as duas medalhas de ouro ao pescoço. Logo rodeado por jornalistas, o nadador de 19 anos “ainda não” tem “bem noção” do que conseguiu, garantiu que se mantém humilde a cada conquista e que uma medalha olímpica está a “começar a ser um objetivo”. Contou, também, como uma “senhora da limpeza” lhe terá partido uma medalha e criticou a falta de apoios para a natação
Aconchegado no embrulho de uma bandeira de Portugal, o nadador português deu à costa, esta segunda-feira, no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, cheio de sorrisos e com invulgar naturalidade. Regressado dos Campeonatos do Mundo de natação com brinco numa das orelhas, Diogo Ribeiro viu-se rodeado por microfones e câmaras, mais um cerco causado pelas suas conquistadas na piscina ao qual ele reagiu quase como se nada fosse.
Calmo e ponderado, mas ainda com a saudável ausência de filtro, respondeu a todas as perguntas sem encravar e até com “epá” a servir-lhe de vírgula entre frases. À quarta ou quinta questão surgiu o isco dos Jogos Olímpicos, previsível por o adolescente de 19 anos ser o primeiro português a conquistar medalhas de ouro em provas internacionais de natação. E ele, sereno, a nadar para longe do deslumbramento e nervosismo, dizendo que não há pressão maior do que a que impõe a si próprio e gabando a humildade que garante sempre manter.
Nascido em Coimbra, é lá, na parede do quarto, que Diogo Ribeiro vai pendurar as duas medalhas de ouro já emoldurados. Uma delas, contou, já nem é a original que lhe puseram ao pescoço em Doha, no Catar. “Meti-as debaixo da almofada e no dia a seguir estava a dos 50 metros partida por causa das senhoras da limpeza, que devem ter ido lá e deixaram-na cair ao chão”, contou o sorridente atleta que valorizou mais os parabéns dados por Rui Costa, presidente do Benfica, clube que representa, colocando-os à frente dos de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, primeiro-ministro e presidente implicados nas leves críticas que não se coibiu de deixar.
Lembrou que só a vitória nos 100 metros mariposa, distância olímpica, significará “um prémio governamental” que nunca recebera pelos feitos que conseguiu a percorrer só uma piscina. “Acho uma tristeza não se ver ajuda para os 50 metros, quando estamos a falar de Mundiais”, salientou, agradecendo ao Comité Olímpico de Portugal, à Federação de Natação e aos patrocinadores pela ajuda que lhe dão. Diogo Ribeiro saudou todos os apoios, mas gostaria de ver mais para ele e todos os outros atletas da natação que “é a modalidade mais vista dos Jogos Olímpicos”.
“Acho que merecemos mais”, defendeu, à chegada a Lisboa
TIAGO PETINGA/Lusa
As vitórias nos Mundiais
“Um orgulho conseguir mais duas medalhas para Portugal, ainda por cima são de ouro, se há um ano, quando ganhei a prata em Fukuoka, me dissessem que ia ser duas vezes campeão do mundo, diria que estava a sonhar. É incrível, ter 19 anos e saber que posso dar ainda mais, que tenho muito a melhorar, só me dá mais felicidade e garra para atingir melhores coisas.”
As suas reações na piscina às medalhas
“Nos 50 metros sabia que tinha feito uma má partida, então só nadei e nem consegui olhar para o lado, foi basicamente chegar à parede, olhar para o bloco e ver que a luz acendeu - porque nos primeiros três lugares acende uma luz vermelha. Sabia que tinha ficado no pódio, vi que o favorito, o Michael Andrew, dos EUA, não estava muito contente, sabia que era entre mim e o australiano, que me deu os parabéns aí percebi que se calhar tinha ficado em 1.º. Nos 100 metros não fiquei tão surpreso porque se fosse antes da competição estava muito nervoso, não costumava ir tão bem como fui, mas antes da final já tinha registado um recorde nacional, sabia que era basicamente fazer a mesma coisa para dar uma alegria aos portugueses.”
Tem noção do significado disto tudo?
“Ainda não tenho [bem noção]. Tenho 19 anos, para mim ainda é um bocado difícil pensar nestas coisas, mesmo estando com elas aqui ao peito. São um pouco pesadas. Meti-as debaixo da almofada e no dia a seguir estava a dos 50 metros partida por causa das senhoras da limpeza, que devem ter ido lá e deixaram-na cair ao chão. Mas, depois, deu para trocar, fui lá e trocaram-me a medalha.”
Os Jogos Olímpicos de Paris
“Para mim sempre foi um sonho chegar lá, o sonho agora é conseguir uma medalha, nunca vai deixar de ser. Pode é começar a ser cada vez mais um objetivo e acho que é isso que está a começar a ser. Não nos podemos precipitar, sabemos que não é só esta medalha que vai ditar o futuro, tenho de continuar a trabalhar e a ser humilde, que acho que sou. Cada vez que ganho uma medalha não deixo de o ser, quero trabalhar cada vez mais e enquanto não chegar a medalha olímpica não vou parar de trabalhar.”
TIAGO PETINGA/Lusa
As medalhas são dedicadas a quem?
“Maioritariamente ao meu pai, que faleceu quando tinha 4 anos e tenho falado com ele durante a noite. Estava muito nervoso na noite antes da mariposa, quase não dormi, disse-lhe que farei as coisas por ele e, se não fizer, a vida segue na mesma, acho que ele me manda força e, com essa força, transformo em poder para ganhar as provas. Senti que a minha família também está lá, é o mais importante, são muitas provas e eles tentam estar lá, as viagens são longas e os hotéis caros, é um enorme orgulho e prazer eles estarem lá.”
O que vai fazer com elas?
“Normalmente emolduro as medalhas, vou emoldurá-las e meter em cima da cama da minha cama em Coimbra. Como tenho 19 anos, ainda não sinto bem a pressão de fora, sinto mais a pressão que ponho em cima de mim, que não é pouca, quando fico desiludido com alguma prova é por causa da pressão que vem de mim mesmo. Por isso, não sinto o peso para os Jogos Olímpicos e acho que isso é bom, é continuar a trabalhar com esta mentalidade.”
Os planos para os próximos dias
“Depois de amanhã vou a Paris ver uma das provas internacionais de skate, o Gustavo Ribeiro vai competir, depois vou de férias e volto a 17 de março.”
A capacidade de superação
“À medida que fui passando por várias coisas - como o acidente e outras lesões - acho que isso me deu mais força para me querer erguer outra vez e lutar contra tudo.”
Como se evita o deslumbramento?
“Continua tudo a mesma coisa. Gosto que as pessoas digam cada vez mais que sou um ídolo, gosto que me vejam a nadar e apoiem nas provas, mas não me cabe na cabeça. Neste momento, tenho medalhas de ouro num Campeonato do Mundo, mas para mim é como se fosse a medalha de ouro de um [campeonato] regional, porque realmente ainda não percebe o que isto quer dizer.”
As mensagens de parabéns
“A do Rui Costa foi a mais especial porque é o presidente do meu clube, que me apoia já há três anos, se tudo correr bem e Deus quiser vou continuar neste clube grande que me tem dado todo o suporte para ser quem sou hoje. Dia 25 há jogo do Benfica e vou estar lá a ser homenageado e quero agradecer ao Benfica. E também ao Comité Olímpico de Portugal, à Federação de Natação e a todos os meus patrocinadores porque sem essas ajudas não era possível fazer muitas coisas de preparação que fiz para agora ser campeão do mundo.”
O Governo fazer mais pela modalidade e as mentalidades
“É uma coisa que está corretíssima, mudar a mentalidade da nossa modalidade, porque não há muitos apoios. Antes ainda era pior, mas, ao menos, o ano passado se começou a ver uma ligeira mudança, mas é preciso investir mais, epá, é a modalidade mais vista dos Jogos Olímpicos, acho que merecemos mais. Também para os patrocinadores, que venham atrás de nós, não precisa de ser com dinheiro, mas às vezes com materiais.
E do Estado, agradecer o apoio que têm dado, mas acho que é uma tristeza não se ver ajuda para os 50 metros mariposa por não ser uma prova olímpica, quando estamos a falar de Mundiais. O prémio dos 100 metros vai ser o primeiro governamental que vou receber, isso deixa-me triste, mas continuo a lutar e a ser quem sou para conseguir melhores coisas.”