Natação

O inevitável Léon Marchand é tricampeão mundial. E mais do que o ouro, foi um gesto a fazê-lo festejar 🤟

O inevitável Léon Marchand é tricampeão mundial. E mais do que o ouro, foi um gesto a fazê-lo festejar 🤟
Lintao Zhang

O francês que, aos 23 anos, concentra em si toda a histeria e atenção da natação masculina após dominar os últimos Jogos Olímpicos, fez a vitória na final dos 200m estilos parecer só mais uma tarefa corriqueira do seu dia. Léon Marchand virou tricampeão mundial com a segunda melhor marca de sempre e sem as celebrações da véspera, quando fixou um novo recorde na prova

Todos vimos, na véspera, o chap-chap frenético de Léon Marchand junto à parede da piscina de Singapura, sentado na boia a esmurrar a água e a fletir o bíceps. A sua exultação a remexer na água, o esbracejar incontrolável que nem um rapazote sem trela a celebrar o recorde mundial que bateu, dos 200 metros estilos, com quase um corpo de distância. Fê-lo na meia-final, o prélio a esta final, fatiando mais de um segundo à marca que durava há 11 anos. Quase num clímax apressado, na sua divisão por quatro braçadas o francês provocou uma apoteose 

A minutos desta final, ainda dentro da camisola de fato de treino, Léon Marchand estava sentado, os olhos cerrados, a respirar fundo com as costas das mãos a repousarem nas coxas, os seus dedos entrelaçados. Parecia um monge a meditar. Era a pose de relaxamento de um batráquio mais baixo, mais leve, com menos envergadura do que os adversários absorvidos na onda recente da natação que insufla corpos nos músculos, na extensão dos membros e na largura de costas. Contra as armaduras, o francês tem a suavidade da sua técnica.

A que lhe permite mergulhar para dentro do seu sofá mais confortável, submergir como tanto lhe apraz, e ondular debaixo da superfície onde aproveita cada um dos 15 metros de imersão permitidos aos nadadores para ganhar vantagem aos ferrenhos adversários, por surpresa a verem-no mais de perto do que seria de esperar. Por pouco Marchand lidera os 50 primeiros metros de mariposa, por outro nico é o mais rápido a tocar na parede a nadar de costas, mas o francês faz cada coche, cada ‘quase’ com que Shaine Casas e Hubert Kós o perseguem, engordar a cada contacto com os limites da piscina.

Nem o norte-americano, quem mais se prende no encalço, ainda menos o húngaro, podem com a vantagem que Marchand engorda a cada virada na parede. A final teve sempre Léon a ser o primeiro em todas as meias centenas de metros, o filho e até sobrinho de nadadores olímpicos aumentou a sua predominância nos bruços, seu estilo preferido a par das braçadas-borboleta, e nem a derradeira piscina em crol, aquele em que a lenda é menos incrível, deixou alguém aproximar-se. Quando se apoiou na flutuante divisória de pistas, Marchand era tricampeão mundial dos 200 metros estilos, repetindo Budapeste (2022) e Fukuoka (2023).

Lintao Zhang

A confiar na sua cara, não parecia.

O francês foi um antónimo boiante dele próprio, a medalha de ouro não lhe arrancou a algazarra de braços ou as chapadas na água com que o recorde do dia anterior o possuiu. Os 1:53.68 minutos da final devem ao tempo de 1:52.69 que dele arrancou a efusão, mas teriam sido suficientes para desapossar Ryan Lochte, que via desde 2011 os seus certinhos 1:54.00 minutos a vigorarem. 

Às tantas, ao ser saudado pelo prateado Shaine Casas e o bronzeado Hubert Kós, lá se prestou a sorrir com contenção. Riu para os adversários que antes são colegas, os três preenchem o ano a treinarem juntos em Austin, na Universidade do Texas, sujeito à exigência de Bob Bowman, o antigo treinador de Michael Phelps que trocou um fenómeno por outro. Desta final ficará essa fotografia bonita, de três comparsas a abraçarem-se na água dos Mundiais e uma lenda a ser a cola do momento.

Quando saiu da piscina, Léon Marchand enfim fechou um punho e levantou o braço, gesto singular de ostentação da vitória. Do que proferiu logo ali, na pressa destes Mundiais em puxarem os vencedores para uma reação ao microfone ainda com a água a escorrer-lhes corpo abaixo, nada sequer se destaca: o francês agradeceu aos treinadores, disse estar “muito feliz”, que o ouro “é especial”. Sorriu quase furtivamente. Na cerimónia das medalhas em que recebeu a sua sexta de ouro no histórico da competição - após as quatro de Paris -, a mesma passividade, igual contrição de festejos.

DeFodi Images

Apenas quando os mais exuberantes Casas e Kós, para a fotografia, fecharam o anelar e o médio de uma mão para esticarem os três restantes é que Marchand, rindo sem vergonha, os imitou. Explica a internet que o gesto representa amor, afeto e uma atitude positiva. Só isso arrancou do francês uma reação de quem acabara de ser campeão do mundo pela terceira vez, ainda assim algo hesitante - e quem explicou esta parte foi João Mendes, também internauticamente.

Contextualizou o leitor que o 🤟 feito pelo francês, incentivado pelo norte-americano e o húngaro, provavelmente se deveu aos três treinarem na Universidade do Texas, onde os atletas, sobretudo de futebol americano, são conhecidos como Texas Longhorns, apelido vindo da raça local de vacas, donas de chifres bastante longos, que carinhosamente os locais representam no tal gesto. Que em nada alude, porém, à Universidade de Arizona State, pela qual Marchand competiu durante três anos, antes do treinador Bob Bowman se mudar para o Texas e com ele ir o francês.

Fica entendido o gesto e a aparente hesitação do campeão olímpico. Enquadrado fica também o seu tímido festejo.

(Artigo atualizado às 17h40 com a informação e contexto do gesto feito pelos três nadadores no pódio. Um obrigado ao leitor João Mendes.)

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