Natação

Ao desafio da miúda Summer McIntosh, a veterana Katie Ledecky respondeu com uma das suas melhores provas de sempre nos 800 metros

Ao desafio da miúda Summer McIntosh, a veterana Katie Ledecky respondeu com uma das suas melhores provas de sempre nos 800 metros
Sarah Stier

A canadiana que é a nova grande estrela da natação tentou nos Mundiais de Singapura o que é quase impossível há 13 anos: bater Katie Ledecky nos 800 metros livres. E numa prova extraordinária, onde se intrometeu ainda a australiana Lani Pallister, a luta acabou por ser a três e até ao fim, com Ledecky, impassível, cheia de classe, a chegar ao sétimo título mundial na distância. A corrida mais impressionante destes Mundiais não foi de velocidade, foi mesmo um sprint de longa distância

Convencionou-se falar dos 100 metros como a prova-rainha. É a prova-rainha no atletismo, um dos momentos desportivos mais esperados de quatro em quatro anos, a cada Jogos Olímpicos. Na natação, a lógica é um pouco mais complicada. 

Porque será sempre uma questão de rivalidades. Nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004, por exemplo, pouca gente se lembrará dos 100 metros livres naquela piscina ao descoberto, mas quem não se recorda dos 200 metros livres, com três dos melhores de sempre da natação, Michael Phelps, Ian Thorpe e Pieter van den Hoogenband, em luta direta, com vitória para Thorpe? Há quem lhe chame a “Corrida do Século” e não estará errado. 

Nos Jogos seguintes, Pequim 2008, talvez seja a prova dos 100 metros mariposa a que ainda ressoe na memória, depois de Phelps bater Milorad Čavić por um centésimo, mesmo à chegada, mantendo de pé o objetivo das oito medalhas de ouro. Mais recentemente, nos Jogos de Tóquio 2020, seriam os 400 metros livres entre Ariarne Titmus e Katie Ledecky a levarem a taça de duelo mais esperado: a australiana, a jovem desafiante, frente a Ledecky, campeã olímpica no Rio e então três vezes campeã mundial. 

Seria Titmus a derrubar a rainha e três anos depois, nos Jogos Olímpicos de Paris, repetiu-se o duelo nos 400 metros, mas agora com nova protagonista pelo meio: Summer McIntosh, que em Tóquio, com 14 anos, foi 4.ª, e com 17 chegou à prata, atrás de Titmus, novamente campeã. Ledecky foi bronze.

Nestes Mundiais de Singapura, a prova que mais fascínio criava era ainda mais longa, algo paranormal, já que nas piscinas, muito mais do que nas pistas de atletismo, a velocidade reina. Previa-se um duelo geracional, um desafio definidor nos 800 metros: Summer McIntosh, 18 anos, a grande devoradora de medalhas destes Mundiais, com três ouros individuais, a tentar bater o pé à maior de sempre, Katie Ledecky, campeã olímpica na distância com 15 anos em Londres 2012 e mais três vezes depois disso, no Rio, Tóquio e Paris, há um ano. 

Adam Pretty

Só que aos 28 anos, a norte-americana, que à partida para esta final tinha seis títulos mundiais nos 800 metros livres, nem sequer dá sinais de abrandar - ainda em maio voltou a bater o recorde mundial da distância, foi a sexta vez e quase 10 anos depois da última ocasião em que o havia logrado.

Sem Titmus em Singapura, ela que tentou desafiar, sem sucesso, Ledecky nos 800 metros nos dois últimos Jogos Olímpicos, foi McIntosh quem tomou para si a provocação à maior de sempre, ela que até a bateu no início de 2024 na distância numa prova menor nos Estados Unidos, no que seria a primeira derrota em 13 anos para Ledecky nos 800 metros. Já nestes Mundiais, no início da semana, a jovem canadiana foi a melhor nos 400 metros livres, Ledecky foi apenas 3.ª, numa distância em que nunca foi tão dominadora como nas duas mais longas. 

E se toda a gente esperava uma prova extraordinária nos 800 metros, não terá havido desilusão. Aliás, a final terá saído ainda melhor do que a encomenda, já que às duas favoritas juntou-se Lani Pallister na luta pela vitória, intrometendo-se com todo o mérito num duelo que, ingenuamente, se pensou ser matéria de apenas duas atletas. A australiana conseguiu seguir sempre Ledecky e McIntosh, com as três a nadarem abaixo do recorde mundial durante boa parte da contenda. 

Ledecky esteve sempre na dianteira, mas com as rivais muito perto, como diligentes cães pisteiros. Tudo se resolveria nos derradeiros 100 metros, impressionante quando se fala de uma prova de longa distância. Na penúltima viragem, Summer McIntosh assumiu pela primeira vez a liderança, mas pagaria mais tarde o esforço. Ledecky respondeu, recuperou a dianteira, deixando para trás o que parecia ser uma ligeira quebra. 

Lintao Zhang

Já nos últimos 50 metros, Lani Pallister, que parecia arredada da vitória segundos antes, teve forças para um último ataque, ultrapassou McIntosh de forma heroica, mas já não conseguiu chegar a Ledecky, lenda absoluta da natação, impassível face aos desafios das concorrentes, uma senhora na postura e na forma de competir. Foi o sétimo título mundial da norte-americana nos 800 metros, uma enormidade. Desde 2013, em Barcelona, que ninguém a bate aqui. E em Los Angeles, daqui a três anos, a estas três vai juntar-se seguramente Ariarne Titmus: estará aqui a prova-rainha dos próximos Jogos Olímpicos?

Batendo na parede aos 8:05.62, Katie Ledecky fez a 4.ª melhor marca da história. Pallister (8:05.98) tornou-se na 3.ª melhor de sempre, atrás da norte-americana e de McIntosh, que terminou a prova com um inesperado bronze e com cara de poucos amigos - ainda tem mais uma oportunidade para o outro, nos 400 metros estilos, no domingo, em que é amplamente favorita. O nível da prova foi tão impressionante que a 4.ª classificada, Simona Quadrarella, fê-lo com um tempo que é novo recorde da Europa (8:12.81).

Ledecky mantém-se serena, inabalável, como se nadar fosse tão natural para ela como respirar, juntando este ouro ao dos 1500 metros. Aos 28 anos, cheia de provas nas pernas e nos braços, carregada de medalhas - esta foi o 23.ª de ouro em Mundiais - é a tranquilidade em forma de gente. Garante que “nadar é o melhor do mundo”, que nesta fase da sua vida já não tem “nada a perder” e por isso tudo lhe parece sair com a mesma vontade, potência, seriedade de quando era uma miúda. E, por saber que as rivais também lhe dão força, não as esqueceu: “é um orgulho” diz ela, estar no meio de tantos novos talentos, poder também mostrar-lhes o caminho. Mas daqui a três anos, é certo que Katie ainda as vai querer bater.

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