“Neemias Queta não é o mesmo protetor de cesto que Rob Williams, mas com o seu tamanho e força vai fazer com que os adversários verifiquem o plano de saúde deles. É um bom elemento para ter no plantel. O Red tê-lo-ia adorado”.
As palavras são de Steve Bulpett, um analista de NBA especializado nos Boston Celtics. Rob Williams, transferido para Portland, fazia no The Garden o que Neemias Queta poderá vir a fazer. E Red é Red Auerbach, o lendário treinador dos celtics que conquistou nove anéis e depois foi promovido (ou despromovido) a executivo, cargo no qual continuou a ganhar como um leão faminto.
Ou seja, a chegada do basquetebolista português a Boston não está a passar despercebida, apesar da passagem omissa pelos Sacramento Kings, onde somou apenas 20 jogos na NBA. A nova vida de Neemias acontece dentro da farda que outrora Larry Bird vestiu. O peso da responsabilidade é brutal. A satisfação do atleta ao ver-se ao espelho deverá soar na mesma toada. E, apesar de estar num clube maior, gigante, há algo que aparentemente parece ser-lhe favorável nesta nova aventura pelas terras norte-americanas.
“Em Sacramento, se calhar, era-lhe pedido que tentasse ao máximo replicar aquilo que o [Domantas] Sabonis e a equipa principal faziam”, explica Ricardo Brito Reis, especialista de basquetebol e comentador na Sport TV. “Em Boston, é-lhe pedido que ele dê à equipa aquilo em que é bom. Não pedem que ele invente, que lance de três [triplos], não pedem que seja um passador como Sabonis era, um hub ofensivo no início do ataque. Pedem-lhe bons bloqueios no ataque, desfazer para o cesto, ameaçar no alley-oop e proteção do cesto na defesa. O Neemias é especialista nisso. Os celtics têm sabido ter um núcleo duro de jogadores muito bons, versáteis, que permitem muita versatilidade ao treinador, para jogar com um 5 diferente todas as noites se necessário. As estrelas são muito boas e podem fazer muitas coisas. Depois, os jogadores secundários são jogadores especialistas. A proteção do cesto do Neemias é de elite.”
O barreirense, de 24 anos, já fez dois jogos na pré-época dos de Boston e deixou bons sinais. No primeiro encontro, contra os New York Knicks, no mítico Madison Square Garden, Queta somou sete pontos, quatro ressaltos e um desarme de lançamento em menos de 14 minutos. No segundo teste, contra os Philadelphia 76ers, que não contaram com Joel Embiid e James Harden, Queta assinou 10 pontos, três ressaltos e duas assistências em sete minutos. Os clips que circulam nas redes sociais mostram um gigante com os pés rápidos, a travar as penetrações alheias, e um sábio a bloquear os rivais para dar espaço aos companheiros. Também dois alley-oop são protagonizados pelo português.
O cinco inicial dos Boston Celtics contra os sixers contou com Derrick White, Jrue Holiday, Jaylen Brown, Jayson Tatum e Kristaps Porzingis. De acordo com Ricardo Brito Reis, Neemias foi chamado como quarta opção da rotação interior. Este analista prevê que a eventual gestão de Al Horford e de Kristaps Porzingis, um pela idade, outro pela propensão para lesões, poderá abrir um espaço para mais um poste ter mais minutos. Para já, o rival dentro de portas de Queta será mesmo Luke Kornet, o tal poste que agora merece os tais minutos.
“O Kornet já tem dois anos de trabalho nos celtics, conhece os sistema e o que pede o treinador”, reflete Brito Reis. “Mas o Kornet tem algumas lacunas graves, tem pés muito lentos, o Neemias não é um jogador muito rápido, mas é mais rápido que ele. Tem falhas nos ressaltos, não ganha ressaltos. Apontam-lhe essa lacuna grave, mas tem um QI basquetebolístico elevado, sabe o que tem de fazer, onde tem de se posicionar. Foi fiável na temporada passada, com 69 jogos.”
Neemias, com o tal contrato two-away, que lhe vai permitir atuar também na G-League, deverá ser “um projeto a médio prazo”, entende o comentador da Sport TV, admitindo que a pouca utilização nos Kings possa tirar vigor à aposta no português, pelo menos para já. “Ele tem coisas que são inegavelmente boas, está a ser comparado ao [Robert] Williams, porque ele faz muitas das coisas que o Robert Williams faz: protetor de cesto, faz muitos desarmes de lançamento, é uma ameaça no alley-oop, não lança de fora. Tem um perfil idêntico, isso permite aos celtics usar o Neemias como usavam o Williams.”
Mas, para já, o atleta do Barreiro deverá mesmo começar a época na equipa secundária, segundo Ricardo Brito Reis. “Acredito que vai demorar algum tempo a aparecer na equipa principal. Quem sabe, com ausências e lesões, com descanso em back to backs – os celtics vão ter 14 –, vai ser certamente chamado à equipa principal, pode ter algumas oportunidades. Já se percebeu que quando o Kornet não está a funcionar, o [treinador Joe] Mazzulla procura outras soluções.” Segundo o comentador, Kornet não apresenta qualidade para ter mais protagonismo esta temporada, pois “a equipa tem ficado pior” quando ele entra. “O Neemias tem entrado muito bem. Há muita gente que defende já que o Neemias devia ter aquele papel de poste suplente, porque oferece o que a equipa precisa naquele papel específico.”
Numa viagem a alguns blogues e sites especializados nos Boston Celtics, alguns “notáveis”, digamos assim, parecem entusiasmados com o que Neemias Queta tem oferecido à equipa. Jack Simone, do CelticsBlog, elogiou a “força” com que Queta correu para o cesto contra os sixers, garantindo ainda que o novo celtic será “um jogador muito intrigante este ano”. Já John Karalis, da Locked On Celtics, pediu mais minutos para o português com as trutas da equipa. “Vamos ver como ele se sai com esses tipos e contra os titulares dos adversários”, acrescentou. Já Tomek Kordylewski, no YouTube, arriscou uma profecia: “Se Neemias Queta continuar a jogar assim, os celtics não terão outra opção senão converter o seu contrato two-way num contrato normal.”
Ricardo Brito Reis partilha com eles a mesma sensação positiva. “Nestes dois primeiros jogos, ele foi super intimidador. Quando as equipas adversárias penetram, ele está lá sempre a proteger o cesto. Altera muitos lançamentos, obriga os jogadores que penetram a passarem a bola. São coisas que não vêm nas estatísticas, intangíveis. Ele dá à equipa, só pela presença, a intimidação. Faz com que os adversários alterem as suas dinâmicas ofensivas.”
Os celtics voltam a entrar em campo na madrugada de 18 de outubro, novamente contra os New York Knicks, mas esta vez no TD Garden, em Boston. Enquanto Mazzulla vai descobrindo o melhor caminho para enfiar um anel no dedo, Neemias Queta vai tentando encurtar as distâncias para o primeiro homem que o separa do campo, Luke Kornet. Sobre o que tem a fazer, o poste português não tem dúvidas.
“Entro em campo com uma grande mentalidade e abordagem, e com estes companheiros ao pé de mim quero aprender com eles”, disse numa entrevista recente, especificamente sobre Porzingis e Horford. Sobre o que representa estar dentro da vestimenta dos Boston Celtics, a resposta foi robusta e prometedora. “É uma equipa vencedora que luta pelo título e quero contribuir para isso. Tens de estar sempre pronto. Sinto-me muito desejado aqui, por isso estou mesmo entusiasmado para mostrar o que posso fazer nos dois lados do campo. O tempo falará por mim.”
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: htsilva@expresso.impresa.pt