Aos 14 anos, Ricky Rubio tinha o mundo do basquetebol a babar-se por si. O adeus à NBA é mais anónimo do que esperávamos
Jason Miller
Aos 33 anos, aquele que um dia foi visto como a maior promessa do basquetebol europeu a chegar à NBA, deixa a maior liga do mundo com muitos sonhos por cumprir e com a missão maior de cuidar da sua saúde mental
Durante longos anos, o jogador europeu que atravessava o charco para jogar na NBA não se livrava da sua dose de desconfiança à chegada. Aos grandalhões como Arvydas Sabonis ou Vlade Divac e mais tarde Pau Gasol, os norte-americanos reconheciam a inteligência na movimentação, os fundamentos, a técnica pouco normal para gente que tantas vezes ultrapassava os 2,15 metros de altura e jogava a poste. Mas para os mais baixinhos a vida não era fácil, por não serem tão atléticos, tão esfomeados de pontos numa fase em que até o base se começou a tornar numa máquina de encestar, para lá de criar o jogo. Drazen Petrovic, croata de lançamento finíssimo, morreu demasiado cedo, aos 28 anos, numa auto-estrada alemã, precisamente quando começava a dar a volta a esse torcer de nariz.
É neste contexto, poucos anos depois, que surge o fenómeno Ricky Rubio. Naqueles vídeos de YouTube ainda de fraca qualidade, nos primeiros anos do novo século, lá estava o miúdo espanhol, braços longos, visão de lince, cabelo esvoaçante e sorriso permanente. Era mágico, leve e solto, tão diferente dos norte-americanos, mais atletas que estetas. A velocidade dos cabos de fibra ótica rapidamente o transportaram para outras paragens que não apenas as europeias. Ainda com 14 anos, estreou-se na Liga ACB, a principal divisão de basquetebol espanhola, com a camisola verde do Joventut Badalona, um recorde de precocidade que apenas foi batido em 2021.
Um ano depois da estreia, em 2005, Ricky já jogava na Euroliga, a Champions do basquetebol europeu, e jornais norte-americanos traçavam-lhe perfis furiosamente: afinal quem era aquele carismático miúdo e porque é que estava a caminho de se tornar numa das primeiras super-estrelas não americanas da arte de bem encestar. Em 2008, com 18 anos, ajudou a seleção espanhola a conquistar a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Pequim, perdendo apenas para os Estados Unidos. Meses depois, os Minnesota Timberwolves negociaram com os Washinton Wizards para subirem na lista e garantirem a 5.ª escolha do draft da NBA. E com ela garantiram a chegada à maior liga do mundo da nova coqueluche europeia.
Ricky distinguiu-se pelo passe e visão de jogo. Um base à moda antiga
Lauren Leigh Bacho
Passaram-se quase 15 anos desse draft de 2009 e há poucas horas Ricky Rubio publicou nas redes sociais uma pungente carta de despedida da NBA, após meses e meses de ausência dos courts. E, olhando para trás, pouco do que o catalão prometeu foi cumprido, entre lesões, momentos pessoais mais difíceis e um jogo que nunca terá casado verdadeiramente com as características da NBA.
“A noite de 30 de junho foi uma das mais duras da minha vida. A minha cabeça foi para um sítio escuro. Eu sabia que estava a ir nessa direção, mas nunca pensei que não estava em controlo da situação. No dia seguinte, decidi parar a minha carreira profissional”, começa por escrever Rubio, hoje um rapaz tatuado e de feições menos finas, uma barba farta que lhe acentua os 33 anos, sem nunca lhe esconder totalmente a cara de miúdo. Semanas depois desse 30 de junho, Rubio anunciava que não iria ao Mundial de basquetebol e que iria parar para cuidar da sua saúde mental, com a ajuda e consentimento dos Cleveland Cavaliers, que representava então na NBA. Os mesmos Cavaliers com quem negociou a saída esta semana, terminando assim, com uma carta e não em campo, de uma forma muito mais anónima do que pensaríamos, uma carreira de 12 anos na liga norte-americana com muito menos altos do que baixos.
Ricky Rubio ficaria ainda mais duas épocas na Europa depois de ser escolhido no draft da NBA. Filho da classe média/alta catalã, deu o salto para a idade adulta a jogar no Barcelona, vencendo a Euroliga em 2010 e a liga espanhola na época seguinte, antes de finalmente voar para as intensas expectativas que o receberiam no Minnesota - centenas de adeptos estavam à sua espera no aeroporto à chegada a Minneapolis, em junho de 2011.
Rubio só se estrearia em dezembro, maravilhando com o seu jogo fluído e feérico. Porém, os Timberwolves eram das equipas mais frágeis da NBA. Em março, o primeiro escolho numa carreira onde eles foram muitos: a defender Kobe Bryant, sofreu uma lesão gravíssima no joelho. As lesões, mais ou menos graves, seriam uma constante na primeira passagem por Minnesota, em que não conseguiu nunca levar os Timberwolves aos playoffs em seis temporadas.
Na primeira época na NBA, com os Minnesota Timberwolves
Mike Ehrmann
A troca para os Utah Jazz deu um boost a uma carreira que rapidamente estagnou, aí jogou finalmente nos playoffs. Antes, em 2016, a morte da mãe, de cancro do pulmão, foi um revés pessoal complicado de ultrapassar. “Uma parte de mim ficou destroçada naquela noite. A minha vida mudou para sempre”, escreveu num artigo no “The Players’ Tribune” sobre as horas que se seguiram à notícia de que a doença da mãe, inicialmente diagnosticada em 2012, havia voltado. Um novo renascimento estava a acontecer em Cleveland quando nova lesão catastrófica no joelho esquerdo, em dezembro de 2021, travou uma vez mais a antiga next big thing europeia.
Os highlights de Ricky Rubio, os passes mágicos, a felicidade estampada no rosto com que geria o jogo, serão sempre matéria de sorrisos e deslumbramento, mas o espanhol termina a carreira na NBA sem qualquer All-Star jogado, sem um lugar nas melhores equipas do ano, sem os títulos que lhe pareciam destinados. Hoje, o jogador europeu domina a NBA, Nikola Jokic, Luka Doncic, Giannis Antetokounmpo, em breve Victor Wembanyama, tantos outros, e fica a dúvida se Rubio apareceu cedo ou tarde demais. Onde havia talento faltou sorte e consistência, e depois foram a cabeça e as sombras a fazerem das suas.
Ricky promete um dia “partilhar toda a experiência” para que todos possam ajudar quem passou por situações semelhantes. “Até lá, quero manter este tema privado por respeito à minha família e a mim mesmo, porque ainda estou a trabalhar na minha saúde mental”, escreveu ainda. O adeus é apenas à NBA e talvez ainda vejamos Ricky, tão suave como nos primeiros dias, a distribuir assistências maravilhosas pelos pavilhões espanhóis.