“Pulhas da pior espécie, toda a gente sabe que os árbitros são uns malvados e estão comprados, como é possível aquilo não ser penálti e não ter expulsado aquele gajo? Contra nós é sempre a mesma coisa, já estão a roubar, já sabemos como é, eu logo vi quando fui ver quem era o árbitro para este jogo, já nos lixou muitas vezes, nem sei como é que continua a apitar jogos nossos. Tem que levar um apertão para perceber que connosco não pode brincar.”
Perdoe-me o vómito desta encenação do que bem poderia ser a histeria de um qualquer adepto de um clube grande em Portugal, assoberbado por emoção e abandonado pela lógica, após um jogo terminado em derrota ou empate da sua equipa, cheio da indignação que empunha a lupa farejadora de erros do árbitro que obviamente, no desonesto diagnóstico, justificam o resultado. Está entre aspas embora cite ninguém. O exercício é pecador por defeito, ter-lhe-ão faltado os impropérios a fazerem de vírgulas, a cantilena brejeira que embala o dueto com os insultos à pessoa do apito, à sua respetiva progenitora e demais familiares, indo até aos antepassados sem esquecer a prole, porque a expiação faz a bobina ir para a frente e para trás, como o revelou Ricardo de Burgos Bengoechea.
O árbitro não aguentou as lágrimas na véspera da final da Copa del Rey, magoado e comovido, ao dizer, diante das câmaras, que “é muito difícil” quando “um filho teu vai à escola e há crianças que lhe dizem que o pai é um ladrão e chega a casa a chorar”. Como vários outros colegas de profissão espanhóis, Bengoechea foi visado, esta época, pela escalpelização a que o canal de televisão do Real Madrid se dedica a fazer dos erros, falhas e interpretações dos homens do apito em jogos da equipa. O propósito, seja ou não assumido, repercute-se por afluentes que desaguam no mesmo rio: há um culpado pelo resultado, um responsável pelas falências dos jogadores em campo, uma figura a quem se deve imputar a responsabilidade de a equipa não chegar onde pretende. Em suma, vende-se a narrativa de a culpa ser de uma só pessoa.
Cada partida tem hora e meia de duração, o tempo útil de jogo andará pelos cinquenta e tal minutos, há onze futebolistas de cada lado, mas o tipo ou a tipa a quem se exige uma imaculada prestação, se demanda uma folha limpa, é o único ou a única que não pode dar um pontapé na bola. Só assim, julgado à escala da perfeição impossível, pode escapar à guilhotina mediática com que o Real Madrid do contra, porque hoje é contra tudo, os árbitros, a La Liga, a UEFA, tenta contrariar as críticas à sua pobre época desportiva. Mas o clube não inventou a roda, nem a prática lhe é exclusiva.
O vício em alargar os ombros dos árbitros e de os culpar quando uma equipa não consegue algo que tem 90 minutos para tentar fazer é de um barbudo grisalho. Tão entranhado na cultura futebolística está que se impregnou debaixo da pele dos adeptos, é um esteio social global, costela comum a todos os países e latitudes na forma de lidar com o futebol. Houvesse um manual para totós que professorasse sobre como reagir a um resultado menos bom, “culpar o árbitro” seria o primeiro mandamento. E estivessem os canais de televisão generalistas, desportivos ou de clube, além dos jornais, dispostos a ecografar jogadores sob a mesma inadmissão ao erro a que sujeitam os árbitros, nenhum sairia incólume do purgatório. Nem os extraterrestres Messi ou Ronaldo, nem os sucessores Mbappé ou Yamal, nem Gyökeres, Pavlidis ou Rodrigo Mora.
Errar é humano, exceto se o humano tiver um apito. Menor é o pavio a arder com impaciência, em Portugal, em jogos dos ditos grandes, onde a dissecação da arbitragem rapa os juízes até ao osso a cada semana debaixo da sombrinha de todos serem criticáveis e analisáveis. Correto, mas a prestação de um árbitro, e não é de agora, é bastante mais radiografada do que a de um jogador. Não há inocentes nesta fixação: na Tribuna Expresso, há um par de anos, tivemos um podcast dedicado em exclusivo a tal, sem fagulhas incendiárias ou críticas gratuitas, mas cedente à obsessiva perscrutação de quem não marca golos, nunca ganha jogos, nem tem claques ou adeptos. A análise era unipessoal, de quem fez carreira na arbitragem e cujo breve desabafo, enviado em três minutos de áudio, é suficiente para mostrar as consequências de um “fenómeno horrível”.
Durante a sua carreira, Duarte Gomes levou um soco na cara durante uma partida das distritais, dado por um jogador. Teve de se desviar de “garrafas de água, isqueiros, pilhas, bolas de golfe e snooker”, até de um “Nokia qualquer” quando os telemóveis ainda não eram espertos. “Moedas era mato” e uma atingiu-lhe no olho. Isto no campo, onde foi “ofendido, insultado e ameaçado em todos os jogos”. Fora dos estádios, era o horror: um polícia chegou a patrulhar a escola da filha durante uma semana devido a “ameaças credíveis”, que ele recebia com frequência; o prédio onde morava foi vandalizado e caixotes de lixo postos a arder nas imediações; teve o carro riscado, os seus pneus furados várias vezes. “São danos colaterais muito comuns aos árbitros”, confirmou, com tons de normalidade.
Porque banalizou-se achar normal e usual assistir ao que contribui para gerar este tipo de comportamentos em gente desmiolada, pessoas que os clubes não controlam, mas sobre quem têm influência pelos exemplos que dão. No país das ligas da verdade, ainda este mês o Benfica emitiu um comunicado a criticar as arbitragens, precisamente numa jornada em que empatou frente ao Arouca. Em fevereiro, quando o Sporting empatou três dos quatro jogos que fez no campeonato, Frederico Varandas também o fez. No mesmo mês, o FC Porto imitou-os após uma igualdade contra o Rio Ave. Os exemplos não se cingem ao trio, por aí fora se alastrou, há muito, este molde comportamental que não explica sozinho, mas alimenta a “incapacidade”, lamentada por Duarte Gomes, das pessoas em “separar as paixões e emoções da razão”.
Não deveria, de todo, ser normal ver um Real Madrid atirar-se às arbitragens, forçando a narrativa de serem os maus da fita, amontoando terra numa pradaria para os seus aficionados ficarem com um alvo identificado para as suas frustrações. O futebol é um jogo que assenta no basilar ‘nós contra eles’. Se não houver “eles”, ou caso não se ganhe, arranjam-se novos “eles”. Em rara ocasião os árbitros, dedicados com o tempo à reclusão (para se protegerem), respondem como o fizeram em Espanha, onde a federação lhes dá oportunidade para falarem antes das grandes finais. Ao criticarem de volta o Real, o clube aproveitou para fazer girar o disco como lhe convinha: “mais uma vez, fica clara e manifesta a animosidade e hostilidade destes árbitros para com o Real Madrid.” A culpa, claro, é sempre dos mesmos.
E serão os mesmos que continuarão a ser insultados, ameaçados e agredidos até no futebol amador, até nas profundezas onde as pessoas pagam para jogar à bola. São os árbitros os filões de uma fita onde há mauzões para esta causa um pouco por toda a parte. A miopia é consciente em quem dirige os clubes e decide como comunicam para fora. Os árbitros vão continuar a errar, por certo não tanto quanto os jogadores erram passes, remates e ações no jogo, mas só a uns as falhas são toleráveis. Duarte Gomes chama-lhe um “terrorismo comunicacional”. Deduzo que estará a ser simpático: quem insiste em colocá-los na carreira de tiro saberá o que está fazer.
O que se passou
Zona mista
Não sei se perfeito é a palavra, mas foi um dia espetacular, sim.
A perfeição é uma ilusão, Patrícia Sampaio está ciente de tal miragem, igualmente saberá que o seu caminho ainda palmilha os primeiros quilómetros. No sábado, a judoca virou campeã europeia de judo de -78 quilos, juntando o feito ao bronze olímpico em Paris, há nove meses, vencendo todos os combates por ippon e deixando apenas que um ultrapassasse os três minutos de vida. À “Lusa” salientou a espetacularidade da conquista em Podgorica, Montenegro. Aos 25, a judoca de Gualdim Pais que se mantém fiel ao clube e às gentes da sua terra está reclamar para si os louros que durante tantos ciclos pertenceram a Telma Monteiro. Desde o título da retirada atleta, em 2021, que Portugal não tinha uma campeã europeia.
O que vem aí
Segunda-feira, 28
🎾 Arranca a fase do qualifying do Estoril Open e prossegue o Masters de Madrid (a partir das 10h, Sport TV2).
🎱 Campeonato do Mundo de snooker (a partir das 13h, Eurosport1).
⚽ Termina a 31.ª jornada da I Liga com o Estoril Praia-Casa Pia (20h15, Sport TV1). Antes, há um Desportivo de Chaves-Alverca (18h, Sport TV+) da Liga 2 relevante para a luta pela promoção.
Terça-feira, 29
🎱 Campeonato do Mundo de snooker (a partir das 10h, Eurosport1).
🎾 Começa a disputar-se o quadro principal do Estoril Open (a partir das 16h45, V+).
⚽ Arsenal e PSG jogam, em Londres (20h, Sport TV5), a primeira mão da sua meia-final da Liga dos Campeões.
Quarta-feira, 30
🎱 Campeonato do Mundo de snooker (a partir das 10h, Eurosport1).
🎾 Estoril Open (a partir das 16h45, V+).
🏐 Terceiro jogo da final de voleibol entre o Benfica e o Sporting. Caso os encarnados vençam, serão hexacampeões nacionais (20h).
⚽ O Barcelona recebe o Inter de Milão (20h, Sport TV5) na outra meia-final da Champions.
Quinta-feira, 1
🎱 Campeonato do Mundo de snooker (a partir das 12h45, Eurosport1).
🎾 Estoril Open (a partir das 16h45, V+).
⚽ O Nottingham Forest de Nuno Espírito Santo e Jota Silva recebe o Brendtford na Premier League (19h30, DAZN1) antes de, na Liga Europa, o Manchester United de Ruben Amorim e Diogo Dalot ir a Bilbao, onde será a final da competição, defrontar o Athletic (20h, Sport TV5) na 1.ª mão das meias-finais. À mesma hora, o Tottenham recebe o Bodo/Glimt (DAZN1). A Liga Conferência entra na mesma fase: Djugarden-Chelsea (20h, DAZN) e Real Betis-Fiorentina (20h, DAZN).
Sexta-feira, 2
🎾 Estoril Open (a partir das 16h45, V+).
⚽ A 32.ª jornada da I Liga é inaugurada pelo FC Porto-Moreirense (20h15, Sport TV1). Em Inglaterra, Vítor Pereira defrontar com o Wolverhampton o Manchester City de Pep Guardiola (20h, DAZN1).
Sábado, 3
🌊 Arranca o Bonsoy Gold Coast Pro, sexta etapa do circuito mundial de surf, na Austrália (site da WSL e Sport TV).
🎱 Campeonato do Mundo de snooker (a partir das 13h, Eurosport1).
🏅 Segunda etapa da Diamong League de atletismo em Xangai, na China (a partir das 12h, Sport TV2).
🎾 Final do Estoril Open (a partir das 14h55, CNN).
⚽ O Fulham de Marco Silva visita o Aston Villa (12h30, DAZN1) e, em caso do vitória, o treinador português supera o recorde de pontos do clube na Premier League. Na Bundesliga, o Bayern de Munique vai a Leipzig (14h30, DAZN) no que poderá ser o jogo que confirma a sua conquista do título alemão.
⚽ I Liga: Farense-Famalicão (15h30, Sport TV2), Nacional-Vitória (15h30, Sport TV1), SC Braga-Santa Clara (18h30, Sport TV2) e Estoril Praia-Benfica (20h30, Sport TV1).
Domingo, 4
🎱 Final do Campeonato do Mundo de snooker (13h, Eurosport1).
⚽ Mais I Liga: Rio Ave-Estrela da Amadora (15h30, Sport TV1), Arouca-Casa Pia (18h, Sport TV2) e Sporting-Gil Vicente (20h30, Sport TV1).
🏎️ Fórmula 1: Grande Prémio de Miami (21h, DAZN).
Hoje deu-nos para isto
Não foi um exato ano depois, foram 364 dias contados desde que os mais de 26 mil sócios deram para lá de 80% dos votos a André Villas-Boas e ele, já a noite ia esticada, vestido com fatiota efusiva, adornado a rigor com um cachecol na mão e uma camisola vintage do FC Porto, à anos 80, irrompeu em festa na sede da sua campanha, o adepto entranhado no seu âmago a celebrar antes de o presidente da sua nova profissão lhe serenar os trejeitos. “Hoje é um dia em que começamos a escrever uma nova e vitoriosa página na história do FC Porto”, disse a 27 de abril de 2024, exultando por “um FC Porto que vai ser competitivo, que lidera pelo exemplo, um FC Porto vencedor”.
Quase um ano volvido, neste sábado de 26 de abril, a mais paupérrima das versões da principal equipa da modalidade-bandeira do seu anunciado FC Porto estatelou-se na Amadora, derrotada por um 2-0 que engordado espantaria vivalma face ao desnorte da exibição: em hora e meia na Reboleira, os dragões nem uma finalização dentro da área lograram, ameaçando apenas com remates à distância, tentativas longínquas à escala do relvado tanto quanto a época do clube no futebol tem distado de “todas as exigências” e do “ganhar títulos” frisado no discurso de vitória de Villas-Boas, há um sol.
Passou quase um ano e o mais recente ato do FC Porto futebolísticos teve os adeptos a arremessarem tochas para o relvado e a fazerem esperas ao autocarro da equipa, na ressaca corpórea e sensorial de uma noitada, a meio da semana, que fez sete jogadores serem castigados. A festarola de aniversário de Otávio sucedeu à descida ao balneário do Dragão, ao intervalo e no fim do jogo, de AVB no clássico contra o Benfica, um presidente a baixar ao lugar onde ele, não há muitos anos, não gostaria de tal intromissão. Seguiu-se também às folgas canceladas, aos futebolistas recambiados para o hotel após a derrota contra os encarnados, ao despedimento de Vítor Bruno e às boas-vindas a Martín Anselmi com o desguarnecimento da matéria-prima (vendas de Nico González e Galeno) no interlúdio entre os treinadores.
A liderança do campeonato chegou a estar a um ponto, agora a Liga dos Campeões está a três, qualquer semblante de sucesso uma miragem turva. Faz agora um ano de o FC Porto ter lido a última página de um poeirento calhamaço, cuja contracapa fechou definitivamente, talvez, apenas há dois meses, aquando da morte de Jorge Nuno Pinto da Costa. Por aí já Villas-Boas dera 500 mil euros do próprio bolso, sem juros atrelados, para o clube pagar salários, criara o portal de transparência, vira o número de novos sócios a crescer e pagara algumas dívidas, bonanças afundadas no mar, reduzidas a pirolitos quando o futebol e respetivos resultados não vêm à tona.
Cumprido um ano da sua presidência, tem a costela predileta do FC Porto à deriva, em risco de dar um braço de dueto ao acontecimento registado apenas uma vez em liberdade: desde 1976 que os dragões não fecham um campeonato fora dos três primeiros lugares. Excluída a conquista da Supertaça, nem AVB esperaria que o seu ano zero fosse tão redondo.
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