Tribuna 12:45

Meninas não, elas são mulheres

Telma Encarnação, Kika Nazareth e Andreia Jacinto, tristes no relvado, após a eliminação de Portugal no Europeu feminino.
Charlotte Wilson - UEFA

O momento transpirou despropósito, por mais que as circunstâncias além-campo sugerissem que era uma comunhão adequada. Generosa em sofreguidão e a compensar no esforço a míngua em inspiração, a seleção acabara de empatar com a Itália num jogo insípido. A justificar elogios, só à crença sustida até ao último apito, apenas aos intangíveis da garra, da luta e da alma que muito empurram no futebol. Era o segundo jogo da fase de grupos do Europeu e Portugal, em 180 minutos de ação acertara dois remates na baliza, marcara um golo e sofrera meia-dúzia deles.

Mas, estacionasse Marty McFly o seu carro rasgador do tempo em Genebra e visse a rejubilante Patrícia Morais na bancada, entre adeptos e de bandeira na mão, a gritar um cântico com eles, por certo refilaria com o seu DeLorean, rogando pragas ao ‘Doc’ a quem pedira um vislumbre do futuro, não um regresso ao passado: a guarda-redes da seleção paupérrima em produção atacante, com uma linha defensiva desorganizada, quase incapaz de ligar jogadas ofensivas, fazia a festa após um resultado que suplicava por um milagre para conjurar um cenário em que Portugal pudesse estar nos quartos de final do Campeonato da Europa feminino.

Sendo o torneio na Suíça, terra fértil em emigrantes que encheram as bancadas de luso-descendentes nas partidas da seleção, a comunhão entender-se-ia por esses eixos, os de retribuir o apoio com o carinho do contacto próximo. A farra era mais difícil de compreender. Portugal evitara a derrota, resgatara um ponto, fora às profundezas buscar a sobrevivência, coisa distinta da subsistência, essa uma distante miragem como o terceiro e derradeiro jogo o provou: derrota com as belgas, adversárias, em teoria, paredes-meias com o nível das portuguesas. Mais do que o resultado, indo até além da eliminação, o arreliante foi a impressão de regressão na equipa.

Nestes tempos em que as pessoas se compadecem com ir à boleia de sensações, preocupante é constatar que a equipa fez pior do que estagnar. Ao terceiro Europeu seguido, logo aquele em que todos, jogadoras e selecionador, insistiram em unificar para o exterior a mensagem de que o objetivo era chegar, pela primeira vez, à fase a eliminar, e desse modo puxarem as expetativas um pouco mais para cima, Portugal acabou por ser uma contradição: não só pareceu bater no seu próprio teto, como esse limite surgiu mais em rodas baixas, pondo-se a jeito de um choque frontal com a equipa a uma altitude onde o ar ainda está bastante longe de virar rarefeito se compararmos com as anteriores fases finais (dois Europeus, um Mundial).

Por mais que o indomável talento Kika Nazareth estivesse com o motor ainda a soluçar, culpa de uma lesão recente que a privou da melhor forma, a seleção tinha capacidade para muito mais do que a insuficiência deixada contra a Itália e a Bélgica. Frente às transalpinas, as amarras à pobreza futebolística soltaram-se no golo sofrido, quando Portugal, aí sim, jogou ao ver-se aflito; contra as belgas, houve chegadas à baliza adversária para outro resultado, mesmo que a partida tenha demonstrado as falências de uma seleção pouco capaz de aproveitar o melhor das jogadoras e caótica a ajustar posicionamentos e comportamentos a defender.

Francisco Neto, selecionador nacional há 11 anos, a falar às jogadoras no final da derrota contra a Bélgica, no Europeu.
Molly Darlington - UEFA

Empatar e perder esses respetivos desafios é preocupante, se concedermos que as poderosas espanholas vêm de um planeta longínquo do sistema solar, embora não de uma galáxia distante, para novamente golearem Portugal. Descascando as camadas, mais grave foi a permeabilidade a sofrer um golo ao minuto e meio frente às campeãs mundiais e ao terceiro diante da Bélgica. Entre 16 seleções, a portuguesa foi a terceira que menos remates (nove) acertou no alvo. Os números nunca explicam tudo, mas tão-pouco enganam por completo.

Apenas meia-dúzia de equipas completou menos passes do que as desinspiradas portuguesas, que nos momentos de arrelia recorreram aos cruzamentos (sétima seleção que mais os tentou) sem retirarem proveito do despejo de bolas, ao saírem do torneio com a pior percentagem de acerto nesse capítulo, 18,8%. “Foi uma participação em crescendo na exibição. Fomos sempre crescendo dentro da competição”, defendeu Francisco Neto, depositando otimismo no seu copo meio-cheio, sem mencionar a outra face dessa metafórica interpretação - a qualidade das adversárias também decresceu de jogo para jogo. Tal direção já era sabida quando Patrícia Morais comungou com os adeptos, celebrando o que em estrita matéria de campo era pouco celebrável.

A seleção ir a um Europeu, até a um Mundial, já não é motivo de reverberação pela simples ida a uma fase final. Nem pode ser, se Portugal quer progredir no futebol feminino. Era-o na estreia em 2017, onde jogaram nove das futebolistas que estiveram na Suíça, porventura ainda o era em 2022, na segunda presença, com 16 das jogadoras que estiveram nesta terceira. Com certeza o foi aquando da inédita viagem ao Mundial, em 2023, com 19 das convocadas para esta prova cujo resto decorrerá sem as Navegadoras. O desprezo pelo contentamento com a mera qualificação veio delas próprias, assim o deram a entender antes de viajarem ao assumirem o objetivo de saírem da fase de grupos. Foi um sinal. Em consonância, festejar empates com a Itália deveria merecer igual estima.

Também merecem melhores considerações do que as proferidas por Pedro Proença, na ressaca da eliminação, ainda na Suíça. “Contem, de certeza, com uma atitude completamente diferente daqui a quatro anos”, começou por dizer, como se o tudo fosse uma questão desse âmago. “Estas meninas merecem, estão aqui pela primeira vez, tudo isto foi surpresa”, acrescentou, na sua gaffe, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol acerca de um plantel onde a guarda-redes Sierra Cota-Yarde e a avançada Beatriz Fonseca eram as únicas estreantes em fases finais. “Faz parte de um processo”, concluiu, aí com razão. Mas um processo que longe está de ter de exigir mais e melhor apenas das jogadoras.

Porque elas não são “meninas” como tantas vozes, quase sempre masculinas, teimam em tratá-las. São mulheres. Por certo dispensam o nosso paternalismo, além de não precisarem de uma ambição que se contente só com a participação nas grandes provas. Elas necessitam de uma Liga BPI profissional por inteiro, com mulheres nos bancos - esta temporada, apenas houve três em 12 equipas - e condições estáveis para as jogadoras, sem notícias de salários em atraso, como os que atormentaram quem jogou pelo Damaiense, Estoril Praia e Vilaverdense. Sem um campeonato sólido e competitivo, que sirva de plataforma de crescimento estável para jovens futebolistas, será difícil nutrir o caudal de talento que se pretende ver desaguar na seleção.

Que se invista no futebol feminino, sempre e consistentemente, para que nos próximos anos se celebrem, com propósito, feitos das mulheres portuguesas. Proporcionalmente, há que investir também na qualidade de jogo da seleção nacional para as viagens serem rumo ao futuro.

O que se passou

Houve um calor dos diabos, cãibras a monte e aviões a jato a rasgarem os céus acima do MetLife Stadium, em Nova Jérsia, onde o Chelsea se impôs ao Paris Saint-Germain para, finalmente, a época terminar com a final do estrambólico Mundial de Clubes. A crónica da Lídia Paralta Gomes conta como foi este desfecho. E inclui a insistência de Donald Trump em permanecer no palco dos vencedores, entre os jogadores do Chelsea, como se nada fosse, intrometedor no momento da apoteose em que eles ergueram o troféu - e Gianni Infantino atrapalhado, lá no meio também, a querer mas ao mesmo tempo não querendo tirar de lá o presidente dos EUA.

Foi, enfim, um fecho de cortina adequado ao salsifré de acontecimentos pouco usuais em grandes torneios de futebol que se passou durante o último mês na prova parida à força pela FIFA. Se não acreditam, leia o compêndio das incidências feito pelo Pedro Barata.

Coisa de um mês após Roland-Garros, o tico e o teco que lideram os neurónios do ténis atual reencontraram-se em Wimbledon. Sobre relva, Jannik Sinner subjugou Carlos Alcaraz, dando-lhe a provar o desgosto que o espanhol lhe impusera na terra batida. Se antes assentava num tridente, o mundo das raquetes tem hoje um binómio, com o italiano a vencer o seu quarto Grand Slam e a privar o rival do seu sexto. A Lídia também escreveu sobre esta final.

Zona mista

A realidade é que o râguebi português não está preparado para defrontar equipas do ‘Tier 1’. Sabemos disso. É uma experiência incrível, são ótimas oportunidades, mas quando não conseguimos fazer-lhes frente, se calhar estamos mais a cavar o nosso próprio buraco do que outra coisa qualquer.

A honestidade é uma qualidade de louvar, mas a de Simon Mannix, selecionador nacional de râguebi, após Portugal perder por 7-106 contra a Irlanda, no sábado, foi preocupante pelo cenário a que aludiu: os ‘Lobos’ sofreram a pior derrota de sempre. Aconteceu contra uns irlandeses desfalcados de 16 habituais convocados e os 99 pontos de diferença, queixou-se o treinador, foram consequência de um período “sem preparação, com jogadores vindos de férias, de casamentos” e feita “em apenas sete dias”. Se é para ser assim, para quê expor os amadores portugueses a um choque frontal com a realidade?

O que vem aí

Segunda-feira, 14

🎾 Arrancam três torneios ATP 250 em Los Cabos (México), Gstaad (Suíça) e Bastad (Suécia). Todos se jogam, a diário, até domingo.
🌊 Prossegue o Corona Open em Jeffreys Bay, na África do Sul, a décima etapa do circuito mundial de surf (site da World Surf League).
🚴‍♂️ Pedala-se na 10.ª etapa do Tour de France.

Terça-feira, 15

🌊 Segue Corona Open em Jeffreys Bay, na África do Sul (site da World Surf League).

Quarta-feira, 16

🚴‍♂️ Volta a França: 11.ª etapa.
⚽ O Sporting defronta o Celtic no primeiro jogo da pré-época que terá transmissão televisiva (19h30, TVI).
👩⚽ Começam os quartos de final do Europeu feminino, com o Noruega-Itália (20h, Sport TV).

Quinta-feira, 17

🚴‍♂️ Tour de France: 12.ª etapa.
👩⚽ Europeu feminino: os ‘quartos’ entre Suécia-Inglaterra (20h, Sport TV1).

Sexta-feira, 18

🏊 Arranca a prova de natação artística nos Mundiais de Natação, que decorrem em Singapura.
🚴‍♂️ Volta a França: 13.ª etapa.
👩⚽ Europeu feminino: Espanha-Suíça, também dos quartos de final (20h, Sport TV1).

Sábado, 19

🏊 É a vez de começarem os eventos de águas abertas nos Mundiais de Natação.
🚴‍♂️ Tour de France: 14.ª etapa.
🏉 A Nova Zelândia volta a jogar contra a França no último encontro da digressão gaulesa em terra dos All Blacks (8h30, Sport TV3). Depois, será o primeiro de três encontros contra a Austrália, na Austrália, da digressão dos British & Irish Lions (11h, Sport TV).
⚽ O SC Braga prepara a sua temporada com um jogo contra o Celta de Vigo (19h, Sport TV1).
👩⚽ Europeu feminino: França-Alemanha fecham os quartos de final (20h, Sport TV1).

Domingo, 20

🚴‍♂️ Volta a França: 15.ª etapa.

Hoje deu-nos para isto

Carlos Lopes pouco antes de chegar à meta da prova da maratona dos Jogos Olímpicos de 1984.
ABC Photo Archives

A partir de certa passagem do tempo, já a pele se greta e a cara enruga, estimamos pouco os nossos ícones desportivos, parece que o engordar da idade implica o esquecimento gradual dos heróis, que o são, por muito que eles, terrenos e sãos, humildes e avessos à apoteose, renunciem ao estatuto. “Sou uma pessoa normal, como qualquer cidadão”, ripostou Carlos Lopes, quase admirado pelo desplante da pergunta: “Ser um herói? Não sou.” Mas é, que se teime na insistência. É mesmo, por mais que o seu gentil feitio o negue, o primeiro campeão olímpico português tem de ser preservado como heroico.

Não que lhe faltassem justificativos, longe disso, mas o antigo maratonista, ganhador do ouro em Los Angeles, nos Jogos de 1984, foi ao programa “Alta Definição” escancarar o coração. Ouvidas as suas confissões de uma vida brotada perto de Viseu, nos anos 40, quando a ruralidade em Portugal era bem mais inóspita, Carlos Lopes relembrou estórias de lenda do rapaz de Vildemoinhos, dono de uma resistência rara, que se pôs a correr em direção à sua própria lenda.

Ele voltou a falar do senhor bife que almoçou no dia da maratona em que achou boa ideia estrear umas sapatilhas novas, na qual era o atleta mais velho, com 37 anos, fresco que nem uma alface molhada de lavado, a despertar nessa manhã a dizer que era o melhor e isto duas semanas feitas de ser abalroado por um carro na 2.ª Circular, em Lisboa, enquanto treinava. Brincou com as duas horas que teve de esperar no controlo anti-doping que o fizeram esfomeado ao ponto de a primeira vontade que satisfez após a prova foi ir ao McDonalds. Mais tarde iria à Casa Branca dar um passou-bem a Ronald Reagan e anos depois daria a medalha que lhe deu estas e outras aventuras ao pavilhão erguido em seu nome, na capital. “É minha, mas também é de Portugal.”

Disse-o nesta nova aproximação do entretenimento ao desporto, enlace cada vez mais comum o de ver atletas, clubes ou quem trata da carreira de futebolistas e treinadores preferirem que os seus falem ao público em cenários dados a entreter, não necessariamente informar, em faunas mais amenas de perguntas que indaguem pelo cerne das questões. Esta serviu o propósito de mostrar, sem filtros, o homem simples, sobretudo o homem bom, que feita a revista à sua infância, família, vida e ao cancro ao qual também ganhou, regeu cada palavra pela sensatez. “Vamos desistir porquê? Nós somos humanos, temos de ser teimosos”, disse o herói. Ou, como ele preferirá, a “pessoa do povo”.

Tenha uma boa semana, ainda com o Tour de France e o Europeu feminino. Obrigado por nos acompanhar aí desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no Twitter.

E escute também o podcast “No Princípio Era a Bola”, como sempre com Tomás da Cunha e Rui Malheiro.

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