Há 15 ou 20 anos, ser um português fã de ciclismo era um exercício de fé. Fé em aparições esporádicas, em escassos dias de glória, que intercalavam com largos meses de ausência competitiva.
Era acreditar que Sérgio Paulinho, de vez em quando, aproveitava as oportunidades que se lhe apresentavam. E aproveitava, com a inesperada prata de Atenas, a inteligente vitória de etapa na Vuelta 2006, o erguer de braços no Tour 2011.
Foi ver a aparição de Rui Costa como um fenómeno desconhecido para uma geração, ali estava alguém capaz de bater os melhores. Florença 2013, o trio de tiradas no Tour, as Voltas à Suíça. Foi o melhor ciclista nacional durante muito tempo, mas ainda não estava ali o sucessor de Joaquim Agostinho, nem sequer de José Azevedo, não era material para disputar as grandes provas por etapas.
Era ficar horas e horas a tentar perceber em sites de resultados o que Manuel Cardoso ou Tiago Machado haviam feito em determinadas corridas, o que André Cardoso ou Nelson Oliveira — outro que ainda corre na elite, exemplo de regularidade — andavam a tentar num qualquer ponto do globo. Um top 10 numa prova de uma semana já era motivo de regozijo.
A juntar à dificuldade da escassa representação nacional, havia os graves problemas que aquele ciclismo enfrentava. Eram os anos pós-Armstrong, o período negro, do trauma, em que os livros de resultados se enchem de asteriscos.
Para Portugal, a mudança de era no ciclismo internacional foi acompanhada de uma novidade: termos um corredor consistentemente capaz de ombrear com os melhores. Quando a modalidade entrou na fase dos extraterrestres, João Almeida assumiu-se como um homem a pedalar em cumes semelhantes a candidatos ao estatuto de melhor de sempre.
Andar tanto tempo de rosa no Giro 2020 despertou o país para o talento nascido em A-dos-Francos. Há muito que não se via algo assim, era uma novidade para uma geração. Já não era acontecimento esporádico, salto de fé, era constância e regularidade.
Essa presença permanente entre os melhores é um legado que já não se rouba ao “trator”, como batizado por Thomas Pidcok. Pódio no Giro 2023, levando Portugal para um estatuto que não se conseguia desde Agostinho. São 131 presenças entre os 10 primeiros de corridas World Tour, a divisão de ouro das bicicletas, desde 2020, número apenas batido por Primož Roglič (141) e Tadej Pogačar (167). São 10 vitórias World Tour em 2025, só atrás do rei-sol, que leva 16.
Aos 27 anos, João é já dono de um estatuto muito relevante na história do desporto nacional. Se se retirasse amanhã, seria o homem que devolveu a bandeira portuguesa aos primeiros lugares do Giro, do Tour, da Vuelta.
O ciclismo está para o desporto como a rádio para a comunicação. Surgiram de rompante ao longo do século XX, tendo, na transição para o novo milénio, enfrentando crises. Pareciam condenados ao esquecimento, as bicicletas fruto do doping e de serem menos cool que outras modalidade mais adaptadas ao frenesim tecnológico, mais espampanantes, a rádio morta pelo vídeo, pela internet, pela imagem.
Mas não. A rádio teve um renascimento, cavalgando a força dos podcasts, dos videocasts, é hoje capaz de pagar muito bem a grandes estrelas e de registar grandes audiências. O ciclismo vive a melhor fase das últimas décadas, credibilizou-se — não tanto por cá como lá fora, infelizmente —, viu nascer referências, atrai grandes multinacionais que farejaram a popularidade da modalidade que tem por base o meio de transporte da moda, um brinquedo feito meio de trabalho que não perde o encanto.
Portugal tem um ilustre membro desta fase de pujança graças a João Almeida. O corredor de estilo sui generis, subindo ao seu ritmo, que ganha impondo as suas condições, que é um exemplo de profissionalismo, que trabalha para outros quando é pedido, que sofreu uma queda e uma fratura na costela e, menos de dois meses depois, venceu no Angliru.
João Almeida é já um nome incontornável dos anos 20 do século XXI do desporto nacional. Mas é impossível não olhar para a classificação da Vuelta e não ver o número que aparece na desvantagem que o caldense tem para Vingegaard. 0:48. 48 segundos.
Jonas é um craque. Tem uma equipa excelente, um bloco unido como o da UAE não é. Resultados do dinamarquês nas grandes voltas que correu desde 2021: segundo (atrás do rei-sol), primeiro, primeiro (em ambos os casos batendo o rei-sol), segundo (atrás de Kuss, que trabalha fielmente para si), segundo, segundo (atrás do rei-sol). Só Tadej Pogačar sabe o que é derrotar Vingegaard em três semanas, com a exceção de Sepp Kuss, que era colega de Vingegaard.
Ousar desafiar o bicampeão da Volta a França já é um triunfo de João Almeida. Mas são só 48 segundos. Faltam seis etapas, há muita dureza pela frente. Será muito difícil, mas são 48 segundos que separam o cidadão de A-dos-Francos de um estatuto único no desporto nacional. São 48 segundos que, se anulados, colocarão João, o simpático e educado e resistente Almeida, no Olimpo de Carlos Lopes e Rosa Mota, de Cristiano Ronaldo e Eusébio, de Fernanda Ribeiro e Fernando Pimenta.
Qual a melhor parte? Se os 48 segundos não forem anulados, 2025, o ano do João Almeida 2.0, leva a pensar que será uma questão de tempo até vir um triunfo numa grande volta, façanha que um português nunca logrou.
O que se passou
Boavista, Panteras Negras, distrital, futebol, confusão. O Diogo Pombo foi visitar o coração do projeto que quer “mudar o paradigma e combater estereótipos”.
Terminou o US Open. Carlos Alcaraz bateu Sinner na final masculina e Aryna Sabalenka derrotou Amanda Anisimova na feminina.
O Europeu de hóquei em patins foi estranho: Portugal começou com três derrotas e, mesmo assim, foi campeão. Na final, a derrotada foi a França.
Fernando Pimenta não se cansa de ganhar. No Mundial de maratonas obteve um ouro individual e outro em parceria com José Ramalho, que também conseguiu um bronze a solo.
A idade e o futuro de Messi enchem a Argentina de dúvida e nostalgia. A Lídia Paralta Gomes explica.
Para terminar uma excelente campanha, Portugal fez uma gracinha contra a Alemanha no Eurobasket. Foi eliminada, mas caiu de pé. A crónica é do Diogo Pombo.
Sem surpresa, Portugal arrancou o curto apuramento para o Mundial 2026 goleando a Arménia.
Max Verstappen ganhou em Monza.
Zona mista
“Recebemos a documentação do Nottingham Forest, já depois deste acordo, às 23h45. Tecnicamente, é praticamente impossível receber a documentação, preencher os impressos, assinar os contratos, digitalizar e pôr na plataforma”
Frederico Varandas a explicar o caso Jota Silva, o reforço que não foi reforço do Sporting devido a um atraso no processo de inscrição. Depois de Yannick Djaló e Adrien Silva, em ambas as situações para saídas, agora foi a entrada de um jogador a falhar em Alvalade porque, com um mercado que está vários meses aberto, se deixaram afazeres para os últimos segundos. Tudo isto num mercado em que os portugueses tiveram um balanço entre entradas e saídas muito mais magro do que o habitual.
O que vem aí
Segunda-feira, 8
⚽ Moçambique tem um encontro fundamental na luta por estar no Mundial 2026, recebendo o Botswana (14h00, Sport TV1). Também na qualificação africana há Guiné-Bissau-Djibuti (17h00, Sport TV1) ou Guiné-Argélia (17h00, Sport TV2)
⚽ Muita qualificação europeia: Itália tem uma partida que não pode perder contra Israel, a disputar na Hungria (19h45, Sport TV1) e jogam-se ainda Grécia-Dinamarca (19h45, Sport TV2), embate que pode ter vários nomes da I Liga, Kosovo-Suécia (19h45, Sport TV3), Bielorussia-Escócia (19h45, Sport TV4) e Croácia-Montenegro (19h45, Sport TV6)
⚽ No arranque da liga de futsal, Torreense-Sporting (20h30, Canal 11)
Terça-feira, 9
⚽ Portugal fecha esta janela internacional na Hungria (19h45, RTP1/Sport TV1)
⚽ Cabo Verde tem um dos encontros mais importantes da sua história, recebendo os Camarões (17h00, Sport TV1). Ganhar colocaria os tubarões azuis com pé e meio no Mundial. Há ainda Sérvia-Inglaterra (19h45, Sport TV2) ou França-Islândia (19h45, Sport TV3).
🚴♂️ Após o dia de descanso, a Vuelta regressa com a 16.ª etapa. Há dificuldades montanhas no final
⚽ Os sub-21 de Luís Freire na Escócia (19h00, Canal 11)
⚽ Liga de futsal: SC Braga-Benfica (20h15, Canal 11)
Quarta-feira, 10
🚴♂️ A 17.ª tirada da Vuelta terá a chega ao Alto de el Morredero (13h30, Eurosport 1)
🤾 Liga dos Campeões de andebol: Dinamo Bucareste-Sporting (17h45, Sporting TV) e Magdeburg-PSG (19h45, Sport TV3)
Quinta-feira, 11
🚴♂️ Dia importante na Vuelta, com o contrarrelógio de Valladolid (13h45, Eurosport 1)
⚽ O Sporting na qualificação para a Liga dos Campeões feminina, jogando contra a Roma (19h30, Canal 11)
🏌️ Arranca o BMW PGA Championship (12h00, Sport TV3)
Sexta-feira, 12
⚽ Volta a I Liga em dose dupla: Benfica-Santa Clara (20h15, BTV) e Alverca-Tondela (20h15, Sport TV1)
⚽ Lá fora, há um Bayer Leverkusen-Eintracht Frankfurt (19h30, DAZN 1) ou um Marselha-Lorient (19h45, Sport TV3)
🚴♂️ 19.ª etapa da Vuelta. Há, ainda, o Grande Prémio do Quebec, clássica World Tour
🎾 É tempo de Taça Davis. Siga o EUA-Chéquia (23h00, Sport TV2)
🏎️💨 O WRC vai ao Chile (12h15, Sport TV5)
Sábado, 13
⚽ I Liga em dose quádrupla: Estoril-AFS (15h30, Sport TV1), Moreirense-Rio Ave (15h30, TVI), FC Porto-Nacional (18h00, Sport TV2 e Famalicão-Sporting (20h30, Sport TV1)
⚽ Na Premier League, o Forest de Nuno visita o Arsenal (12h30, DAZN1), o Wolves de Vítor Pereira vai a Newcastle (15h00, DAZN2) e o Fulham de Marco Silva recebe o Leeds (15h00, DAZN3). Em Espanha há Real Sociedad-Real Madrid (15h15, DAZN1) e em Itália temos clássico entre Juventus e Inter (17h00, Sport TV6)
🎾 Taça Davis, Espanha-Dinamarca (11h30, Sport TV2)
🏃♂️ Arrancam os Mundiais de atletismo no Japão (00h00, Eurosport 1 e 01h00, RTP2)
🚴♂️ A última etapa decisiva da Vuelta, com a subida à Bola del Mundo (14h30, Eurosport 1)
Domingo, 14
⚽ I Liga: Estrela da Amadora-Vitória SC (15h30, Sport TV1), Arouca-Casa Pia (18h00, Sport TV1) e SC Braga-Gil Vicente (20h30, Sport TV1)
⚽ No futebol internacional, destaque para o dérbi de Manchester entre City e United (16h30, DAZN1). Ainda PSG-Lens (16h15, Sport TV3),AC Milan-Bologna (19h45, Sport TV2) ou Barcelona-Valencia (20h00, DAZN1)
🚴♂️ A derradeira tirada da Vuelta, de consagração, leva o pelotão até Madrid (15h30, Eurosport 1). Teremos João Almeida a fazer história?
🏍️ Moto GP, GP São Marino (13h00, Sport TV4)
🏃♂️ Mais um dia de Mundiais de atletismo (00h00 Eurosport 1/00h00, RTP2)
Hoje deu-nos para isto
Impressiona o talento, a arte, o feitiço que alguém fez em Carlitos, abençoando-o com magia vinda de não se sabe de onde. Há ali engano e matreirice, efeito, tensão e intenção, variedade e variações.
Impressionam os registos. Vamos a eles? Seis torneios do Grand Slam ganhos com 22 anos e 15 dias, o segundo mais precoce em fazê-lo, só superado pelos 22 anos e 32 dias de Borg; quarto homem na era Open — depois de Wilander, Nadal e Djokovic — a conquistar dois ou maís majors em três superficies diferentes; ganhou 37 dos seus últimos 38 encontros, disputou a final dos derradeiros oito torneios ATP em que competiu, vencendo seis deles.
Jannik Sinner só foi batido seis vezes nas últimas 73 vezes que pisou um court de ténis para um jogo oficial. Cinco delas foram contra o murciano — o corretor automático insiste em corrigir para “marciano” e é tentador dar-lhe razão, ele talvez venha mesmo de outro planeta.
Mas, além do talento, dos registos, da regularidade que vai ganhando, há algo mais que impressiona. O espírito sempre jovial de Alcaraz, a leveza, como se o peso disto tudo — os holofotes, ser uma lenda do desporto aos 20 e poucos anos, a precocidade, Trump nas bancadas — não se sentisse nos ombros. Carlos joga, no sentido de brincar, play, diverte-se, toca.
No US Open, Alcaraz jogou, competiu, divertiu-se. Rapou o cabelo, foi arrasando adversários, bateu o seu arquirrival numa final sem a épica de Paris, mas contundentemente. Entra cada vez menos nos perigos do labirinto de Carlitos, um perigoso lugar em que o feitiço do talento se transforma em maldição, toldando-lhe o discernimento, levando-o a exagerar nos quadros que pinta, no virtuosismo, a ir um pouco para lá do que a prudência recomenda. Parece ganhar pleno controlo das possibilidades que as suas pernas de velocistas, mãos de artesão e mente de mestre de xadrez lhe dão.
Pelo talento, pela alegria, pela simplicidade, Carlos Alcaraz vai-se consolidando como um dos desportistas mais amados do mundo. Não é por acaso que é tão imensamente popular entre as crianças. Há algo de maravilhosamente infantil no craque que não mente, não esconde, joga como brinca.
Tenha uma boa semana, aproveitando o desfecho da Vuelta e os Mundiais de atletismo que estão aí à porta. Obrigado por nos acompanhar aí desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook,Instagram e no Twitter.
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