Um ensaio do escritor Bruno Vieira Amaral sobre o alemão que chegou a Lisboa sob gritos desconfiados de “não conhece o futebol português”, mas com a vantagem de quem tinha um olhar de quem está de fora deste microcosmo, que não trazia pegada carbónica da passagem por outros clubes, alguns rivais, que podia olhar para os jogadores tal como eles são, sem influências de histórias e historietas, sem vícios adquiridos nesta atmosfera insalubre, alheio a polémicas e às convulsões internas de um clube em luta para se libertar, nem sempre com sucesso, da nuvem tóxica do vierismo
As singularidades do futebol português são muitas vezes exageradas. Não falo dos atritos permanentes em redor dos bancos, do incessante ruído mediático, das suspeitas e acusações mais ou menos veladas, de um clima geral de crispação e desconfiança ao qual os adeptos, de início relutantes, aderem e, depois, alimentam. Tudo isto pertence aos arredores do futebol. É folclore, matéria etnográfica. Quando falo em singularidades, refiro-me aos entusiasmos sobre as virtudes do nosso futebol, à “qualidade do treinador português” e a uma sabedoria tática feita de desenrascanço, improviso, autocarros e que costuma passar por uma filosofia ou, no mínimo, por organização. Basta olhar para o fosso entre os quatro da frente e os restantes clubes, um fosso que tende a aumentar, para se perceber que nenhuma dessas supostas virtudes é muito virtuosa, antes o sintoma de uma profunda desigualdade e de um espírito que, não obstante a regra dos três pontos, introduzida há quase trinta anos, e salvo algumas honrosas exceções, continua a ser o do pontinho, da retranca e da absoluta falta de rasgo.
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