31 de março de 1994. Err, a sério, Michael Jordan? A sério que trocaste a NBA pelo beisebol?
Scott Clarke
Há 26 anos, o provável melhor basquetebolista de sempre assinou pelos Birmingham Barons, não uma equipa da NBA, da qual Michael Jordan se retirara, uns meses antes, mas um clube da Minor League Baseball, a competir na modalidade que o pai sempre quisera ver o filho. Jordan fez uma época a tentar bater bolas com um taco, a coisa correu assim-assim, chegou a ser gozado e, pouco depois, regressaria aos Chicago Bulls para ganhar mais três títulos da NBA. E construir uma lenda
Se, à época, havia desportista que mais unia os estados da América em reconhecimento e louvor, digam um que não fosse Michael Jordan, o rei aéreo, o dono e senhor da existência nas alturas, o todo-poderoso que pa(i)rava no ar quando lhe apetecia, conforme a vontade ditasse a aproximação à tabela e ao cesto.
No final de 1993, se não era um alquimista já dono da fórmula perfeita de si próprio, lá perto andava. Jordan acabara de ganhar o terceiro título seguido da NBA com os Chicago Bulls, onde era o pontífice de uma equipa demolidora, com Scottie Pippen a elevar-se com ele, um génio escudado por um excelente jogador e um tremendo cinco que ajudara MJ a vencer dois prémios MVP em três anos.
Já era o imparável Air Jordan, genial esteio, também, da Dream Team americana que, em 1992, se juntou para maravilhar o mundo nos Jogos Olímpicos de Barcelona e de lá regressar com o ouro no basquetebol.
Mas, no pico dos 31 anos, Michael Jordan anunciou a retirada da NBA.
A opinião pública chocou-se com a descida de cortina tão rápida e inesperada de uma já lenda, que, mais tarde, admitiria o choque que lhe causou a decisão: três meses antes, o pai fora assassinado na área de estacionamento à beira de uma autoestrada, por dois adolescentes. que deitaram o corpo para um pântano.
Michael já era mais do que qualquer outro alguém no basquetebol; contudo, o sonho de James Jordan era ver o filho a destacar-se em campos maiores, de formas mais esquisitas, com uma bola bem mais pequena, equipado com calças e gente pelo meio com tacos nas mãos.
E, a 31 de março de 1994, confirmou-se outro choque para quem lhe seguia os passos - Michael Jordan ia juntar-se aos Birmingham Barons, da Minor Baseball League.
O facto de Jerry Reinsdorf, dono dos Bulls, também mandar nos Chicago White Sox, facilitou a ressuscitamento da carreira desportiva de Jordan, que assinara pelo clube em fevereiro, mas não ficaria na equipa que competia entre os graúdos do beisebol americano. MJ ia jogar pelos Barons, um nível abaixo, no meio de ex-estrelas já cadentes e jovens promissores, onde se deveria tentar nivelar numa modalidade que não visitava desde os tempos de liceu.
A capa que a revista "Sports Illustrated" dedicou à aventura no beisebol de Michael Jordan, que não mais aceitou falar para a publicação.
Michael Jordan virou batedor. O seu lugar tornou-se o ser alvo de bolas curvas, retas, com efeito e contorcionadas com os feitios mais impossíveis pelos tipos que as lançavam contra ele, no cimo do pequeno púlpito de terra do beisebol. Pouco mais de 10 mil pessoas e 130 jornalistas compareceram à estreia, em abril, em que não acertou uma vez com o taco na bola.
Por essa altura, já tinha feito umas semanas de treino tanto nos White Sox, como nos Barons. Ao mediatismo da mudança e frenesim que a rodeava juntar-se-ia uma capa da Sports Illustrated, revista que titulou com “Err, Michael” um artigo, digamos, abonatório em nenhures para com Jordan. Até hoje, o senhor altitude (nos courts, claro) não aceitou falar outra vez com a publicação.
Jordan cumpriria uma época, que terminou com uma média de 202/.289/.266, o que para um batedor é pobre, para roçar a simpatia, e apenas três home runs. “Não era apenas o pior batedor da equipa, era o pior da Southern League, e nem sequer era renhido”, lê-se, no artigo da Minor League Baseball que resume a carreira de Jordan.
Não faltam os relatos que atestam à sua capacidade de trabalho, às cinco sessões de treino que, por vezes, fazia num dia. Falam das mãos ensaguentadas e cheias de bolhas. Do porte e da capacidade atlética que tinha e o faziam destacar-se nas corridas até às bases. “A sua intensidade era fora do normal. Não sei se vi coisas mais bonitas do que o Michael Jordan a bater uma bola e depois correr até à terceira base”, garantiria à “ESPN”, mais tarde, Mike Barnett, um dos treinadores que teve nos Barons.
Terry Francona, o treinador principal e o responsável por matar a sede de 86 anos dos Boston Red Sox por uma a World Series, diria mesmo que “com mais 1.000 bolas batidas”, Michael Jordan acabaria por chegar à Major League Baseball, aí nuns dois anos.
Mas, do que não duvida, é da ajuda que deram ao retorno de uma eminência: “Acredito, realmente, que ele redescobriu a alegria pela competição. Fizemos com que voltasse a querer jogar basquetebol”.
Cerca de ano e meio depois de abandonar com pompa, comunicado ao mundo, em sete parágrafos, os porquês levar o seu auge para longe da NBA, o retorno anunciou-se em duas palavras: “I’m back”.
Se já houvesse internet, Michael Jordan tê-la-ia fechado, se existissem redes sociais, ele ocuparia todo o falatório. Mas, na altura, ele e a agência que o representava só tinham um fax à disposição.
A santidade dos cestos regressou aos Chicago Bulls, portanto, em 1995, ano em que se ficaram pelos play-offs, antes de voltarem a imperar na NBA, de novo, durante três épocas seguidas. Michael Jordan replicava o que fizera antes dos 18 meses sabáticos e a lenda que era intocável, mais ficou.
Na altura, aquando do regresso a casa, Michael Jordan falou com o “Chicago Tribune” e disse o que achava de tudo isto: “As pessoas disseram, ‘Vais manchar a tua imagem enquanto basquetebolista ao jogares beseibol’. Mas não podem fazer isso. Não podem tocar no que fiz no basquetebol. Não podes tocar-lhe. Nunca poderão tirar-me isso”.
O que faria, depois, fê-lo introduzir ainda mais coisas feitas que ninguém alguma vez lhe poderá tirar. Venha ou não o beisebol ao barulho, como viria em 1996, quando o próprio Michael Jordan se satirizou no filme “Space Jam”, que imitou a narrativa e foi uma quase confirmação, se é que faltava alguma, de que a lenda estava em paz com ela própria.