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1 de abril do ano mil novecentos e qualquer coisa: aqui estão as mais rebuscadas mentiras da história da mentira desportiva

1 de abril do ano mil novecentos e qualquer coisa: aqui estão as mais rebuscadas mentiras da história da mentira desportiva
CRISTINA QUICLER/Getty

O desporto é território fértil para mentiras de 1 de abril porque, e talvez como em nenhuma outra área, no desporto o que hoje é mentira pode perfeitamente ser verdade amanhã - que o diga Dani, que viu o seu nome envolvido numa transferência para o Benfica num 1 de abril, algo que de facto veio a acontecer uns anos depois. Estas, umas mais antigas que outras, são cinco das melhores histórias do Dia das Mentiras

Tribuna Expresso

Ronaldo, vendido a Espanha e o fim na Luz

Sendo uma das personalidades mais mediáticas deste nosso planeta, Cristiano Ronaldo tem sido ator principal de algumas das graçolas mais rebuscadas de dia 1 de abril nos últimos anos.

A mais improvável terá acontecido em 2011, quando o jornal britânico "The Independent" escreveu que o capitão da Seleção Nacional teria acordado "atuar como um patriota", permitindo a sua venda a Espanha por 160 milhões de euros. Com Portugal ainda a tentar sair da crise, o dinheiro da venda aos nossos vizinhos serviria para abater na nossa enorme dívida soberana. "Os mercados internacionais vêm a venda como um sinal de que Portugal está determinado em abater a crise".

Para dar mais alguma "veracidade" à notícia, o jornal britânico juntou ainda uma foto dos então primeiros-ministros José Luís Zapatero e José Sócrates (que na verdade se tinha demitido uma semana antes) a darem um vigoroso aperto de mão para selar o acordo que faria de Cristiano Ronaldo espanhol e ainda declarações de um suposto professor da Universidade de Lisboa, Paolo Fril (assim mesmo), que acusava Espanha de querer nova união ibérica, relembrando os 60 anos entre 1580 e 1640 em que Portugal foi regido pela coroa espanhola.

O "The Independent" referia ainda que David Cameron, então primeiro-ministro britânico, estava atento ao negócio e que ponderava fazer uma contra-proposta a Portugal de perto de 200 milhões de euros para tornar Ronaldo cidadão do Reino Unido.

Dois anos depois, o portal SAPO Desporto garantia que Cristiano Ronaldo havia manifestado vontade em terminar a carreira no Benfica, provocando a comoção dos adeptos do Sporting, que suspiram por um possível regresso do agora jogador da Juventus à casa que o formou. Para alivio de uns e desilusão de outros, não passava de uma mentira de 1 de abril.

Já num tom mais jocoso, o diário "A Bola" referia em 2017 que Cristiano Ronaldo havia exigido a retirada do afamado busto que tornou o Aeroporto do Funchal não só ponto de chegada de milhares de turistas como um ponto turístico per se. O busto, digamos, pouco convencional seria mesmo retirado, mas não, que se saiba, por ordens do jogador português.

Não, Ronaldo não acabou vendido para pagar as nossas dívidas
Soccrates Images

O Estádio Nacional vai abaixo

Por estes dias, as mentirinhas de dia 1 de abril ocupam muitas vezes um lugar meio indigente nos jornais, uma pequena breve ou um última horas nas últimas páginas. Mas tempos houve em que havia um grande esforço para enganar. Que o diga o "Record", que em 2004 apresentou uma longa reportagem nas páginas centrais do jornal sobre um suposto plano de construção do Palácio do Governo na zona do Jamor que obrigaria à demolição do Estádio Nacional.

"Palácio do Governo deita abaixo o emblemático Estádio Nacional", assim ditava o título da reportagem que falava de uma "arrojada" ideia do então primeiro-ministro Durão Barroso: juntar todos os ministérios num único edifício, deitando para isso abaixo um "equipamento onde nos últimos anos se gastaram muitos milhares de contos, mas que se tornou desnecessário e até obsoleto face à construção de novos estádios". O edifício já teria até arquitecto, Tomás Taveira, e custaria qualquer coisa como 2 mil milhões de euros, boa parte deles suportados por um grande grupo imobiliário.

O artigo vai ainda mais longe, falando do efeito dominó da instalação dos ministérios no Jamor, que levaria à requalificação da zona ribeirinha de Oeiras, da chegada ao metro à linha de Cascais e uma série de outras obras, dos problemas com o impacto ambiental, das conversas entre os diversos atroes políticos da época, com muita trica à mistura, num trabalho de grande investigação e pormenor. E com grande destaque no jornal.

Era tudo mentira, mas muitas palmas pelo esforço.

David Luiz a jogar por Portugal

Estávamos em 2010 e o jornal "Record" escrevia que o então secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, havia comunicado a Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, que o Governo tinha acordado um regime de exceção na lei que regulamentava processos de naturalização, para assim tornar possível que David Luiz pudesse representar Portugal no Mundial da África do Sul. A nova lei permitiria que um cidadão com três anos de residência se tornasse cidadão português, se tal fosse relevante para o país. Em condições normais, seriam necessários seis anos de residência para ter acesso ao passaporte português.

A naturalização de David Luiz, então jogador do Benfica, teria sido um pedido expresso de Carlos Queiroz e o central brasileiro teria concordado, com Rui Costa a ter um papel decisivo para que o brasileiro quisesse jogar pela Seleção Nacional.

A noticia não terá parecido assim tão descabida, já que chegou a ser replicada por outros meios de comunicação, que não terão olhado para a data de publicação: 1 de abril de 2010.

David Luiz seria, aliás, convocado para a seleção brasileira pouco depois, em julho.

David Luiz de quinas ao peito? Não aconteceu
Laurence Griffiths

Babe Ruth turns to qualquer coisa

Nos anos 30, Babe Ruth era o mais próximo que os Estados Unidos tinham de herói nacional. O basebolista foi campeão da World Series por sete vezes, 12 vezes líder em homeruns e mais uma série de recordes que fazem dele um dos membros da equipa do século para a Major League Baseball.

Ora, estando a falar de uma espécie de Ronaldo daqueles tempos (com as devidas distâncias, já que a estrela dos New York Yankees era bem mais rechonchudo), Babe Ruth era presença assídua nas mentiras de 1 de abril. Em 1930, o "Miami News-Record" escrevia que Ruth havia feito uma dieta de tal forma rigorosa num campo de treinos na primavera que seria obrigado a abandonar o baseball e que iria tornar-se jockey em corridas de cavalos.

Três anos depois, a brincadeira viria a repetir-se. Desta vez, e em mais uma invariável referência ao seu peso e gosto por bebidas alcoólicas, Babe Ruth não se tornaria jockey mas sim atleta de salto à vara.

Nada disto era verdadeiro e Babe Ruth continuou a sua vitoriosa carreira até 1935.

Maradona no Spartak Moscovo?

Por estes dias não será assim tão estranho ver um atleta de nível a jogar na Rússia (ainda que não estejamos a ver Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi a fazê-lo), mas imaginem o que era em 1988. Por esses dias ainda havia muro de Berlim, cortina de ferro e um todo mundo na Europa de Leste. Ainda assim, muito boa gente (e muitos boas agências de notícias) tomaram por boas as informações do jornal soviético "Izvestia", que dava como garantido um acordo entre Diego Maradona e o Spartak Moscovo.

Maradona era, por esses dias, campeão do Mundo de seleções, e Deus, rei, príncipe, o que quiserem, de Nápoles. Vivia então os melhores anos da sua carreira, já com um título na Serie A e outro a caminho. Era também o melhor marcador da liga italiana. Daí que uma transferência para o inóspito e desconhecido futebol soviético parecesse, no mínimo, inesperada. Os rumores foram, no entanto, levados a sério, na medida em que o "Izvestia" era conhecido pela sua seriedade. Foi mesmo a primeira vez que o jornal de São Petersburgo entrou na brincadeira de dia 1 de abril. A fria União Soviética estava mesmo em processo de degelo.

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