O que dizem os teus números

O que dizem os números de João Moutinho, o “relógio” que foi para Braga e joga o mesmo jogo desde que começou a jogar futebol

O que dizem os números de João Moutinho, o “relógio” que foi para Braga e joga o mesmo jogo desde que começou a jogar futebol
SCB

Numa reviravolta inesperada deste mercado de verão, João Moutinho acabou por rumar ao SC Braga. O arquiteto das certezas chega para dar segurança e calmaria ao meio-campo dos minhotos, que procuram atacar o título nacional e marcar presença na Liga dos Campeões. Através da plataforma especializada em dados Driblab, descascamos os números do internacional português e comparamos com o que os outros médios da equipa têm feito nos últimos tempos. “Será mais um médio construtor do que um jogador com chegada e alta importância nas tarefas de pressão e recuperação em zonas altas”, explica Tomás da Cunha

A ideia que talvez melhor explique João Moutinho saiu da garganta de um jornalista desta redação. “Está a jogar o mesmo jogo desde que começou”, foi algo assim que o Pedro Barata disse certa vez. Questionando um ex-futebolista com quem o novo médio do SC Braga dividiu o relvado na juventude, com a mesma camisola e com outras diferentes, chega a confirmação dessa ideia. “Sim, é como um relógio. Defende e ataca. Joga sempre bem.”

Mas o inquirido foi mais longe: “Acho que até no FC Porto ia chegar e ser ele e mais 10.” A declaração é interessante, impossível de verificar pois claro, mas intriga o facto de não chocar demasiado, ainda que tenham chegado Nico González e Alan Varela para transformar o miolo dos dragões. Segundo a imprensa desportiva, o internacional português, de 36 anos, teria tudo acertado com o FC Porto, mas o negócio não avançou e Moutinho decidiu continuar a carreira no Minho.

O futebol sénior começou para Moutinho numa tarde de agosto de 2003, no campo do Estrela de Vendas Novas, pelo Sporting B. Entrou aos 80 minutos por Bruno Caires. Em campo estavam homens como José Fonte, também ele agora no SC Braga, Yannick Djaló e Beto Pimparel, o treinador era Luís Alegria. Esta história começou com uma derrota para, ao contrário do que foi vivendo na formação, estar preparado para enfrentar mais vezes as angústias do desporto.

O discreto médio até já havia sido campeão europeu de sub-17, num torneio em que fez apenas 82 minutos, mas quem não dispensou pouco depois a presença daquele rapaz tão pouco rapazinho e tão senhor de si foi José Peseiro, o treinador do Sporting em 2004/05, quando o clube lutou pelo título nacional até ao fim e caiu na final da Taça UEFA.

“Quem o vê jogar, vê que tem uma postura acima da idade biológica. O Moutinho tem grande valor e qualidade”, dizia então Peseiro sobre o futebolista de 18 anos. A saída do brasileiro Tinga ajudara à imposição do futebol mansamente estético e calculado do algarvio.

Moutinho vs. Cristiano na Liga dos Campeões, em 2007
John Walton - EMPICS

“Quando ele começou a jogar assiduamente, o Sporting estava, em termos anímicos e de construção de jogo, mais organizado e é muito mais fácil integrar um jogador sobre o qual tenhamos alguma dúvida relativamente ao controlo dos seus níveis de ansiedade, à determinação e à perturbação que se pode sentir a esse nível”, refletiu então o técnico. “De qualquer forma, o Moutinho já tinha dado sinais de que não era muito perturbável e que não se incomodava muito com momentos de maior pressão.”

Um relógio impassível. Cristiano Ronaldo sabia isso de cor, por isso chamou o médio para bater o tal penálti contra a Polónia, no Euro 2016, rumo a mais um título europeu. O jogador explicou o episódio numa reunião de grupo no “Canal 11”, o que suscitou gargalhadas dissimuladas dos companheiros, sobretudo de Ricardo Quaresma, como que sugerindo que ele estava a esconder-se e não queria bater. Moutinho justificou que tinha uma mazela. Gargalhadas. Mas, claro, lá foi e marcou e o resto é história, não é assim que se diz?

A carreira de João Moutinho, internacional em 146 ocasiões, tem sido um festival de normalidade. E bom futebol, obviamente, mas importa sublinhar que andou sempre por aqui sem grandes estridências, ainda que tenha causado muitíssima surpresa a mudança de Alvalade, onde se formou e transformou em capitão precocemente, para o Dragão. Depois do campeonato português, onde dominou com a sua inteligência e noção de tempo e espaço, muito bem acompanhado é certo, seguiu-se o estrangeiro. Primeiro, no Mónaco, onde ajudou a roubar um título ao crónico campeão PSG. Foram cinco temporadas na belíssima Côte d’Azur, numa liga onde supostamente os mais pequenos e um pouco lentos sofrem.

A seguir, no Wolves, onde jogavam muitos outros portugueses. A fisicalidade da Premier League também levantou a sobrancelha contra aquele edifício de 170 centímetros e pouco mais de 60 quilos. Mas ele deu conta do recado, sem grande surpresa. Cinco anos depois, dá-se o regresso a Portugal. O futebol de Moutinho prosseguirá dentro de momentos na Pedreira.

João Moutinho representou a seleção principal em 146 ocasiões, juntando 41 internacionalizações nas seleções jovens
Quality Sport Images

Para entender o perfil de médio que a equipa orientada por Artur Jorge recrutou, olhámos para os números da Driblab Pro, uma empresa especializada em dados. Em que se distinguiu João Moutinho nas últimas duas temporadas, ao longo de 5.217 minutos, no lobos de Wolverhampton? Bolas longas certinhas (3,64 por jogo), passes acertados (85,5%), chances criadas por 90 minutos (1.26) e ainda no número de vezes que o jogador fez a bola avançar 10 ou mais metros, seja através do passe ou correrias (12.8 vezes por 90 minutos).

Em sentido contrário, surge a austeridade nas intercepções, pressão e jogo aéreo, por exemplo. Também nas variantes dribles completos (0.37 por jogo) e golos a história não é muito gorda, andando este último item sempre entre os cinco e um golos, sendo que a melhor época nessa dimensão foi a última pelo Sporting, em 2009/10, quando marcou nove.

“Moutinho sempre foi um jogador que se destacou pelo entendimento tático e pela leitura do jogo, o que deixa antever que pode fazer mais uma época bem conseguida em Braga”, entende Tomás da Cunha, cronista da Tribuna Expresso e comentador da Eleven Sports e TSF. Os minhotos figuram atualmente, segundo dados do “WhoScored”, no terceiro lugar da Liga Portuguesa no que toca a posse de bola (55.9%) e passes certos por 90 minutos (84.4%) e no quarto lugar em remates por jogo (14), três segmentos liderados por FC Porto (62%), Sporting (85.2%) e Benfica (19.7), respetivamente. Estes indicadores prometem incrementar a qualidade dos números de Moutinho e a sua chegada ao Minho, convém não subestimar essa parte, servirá também para valorizar o balneário no que toca à mentalidade e à convivência com o verbo ganhar.

“Já não terá a disponibilidade física para ser um médio com presença indiscutível, mas entra na rotação”, alerta Tomás da Cunha. “Além disso, e acompanhando o declínio físico, será mais um médio construtor do que um jogador com chegada e alta importância nas tarefas de pressão e recuperação em zonas altas”, conclui. Os números em cima (e os gráficos em baixo) parecem sugerir realmente um tipo de médio mais posicional, sem grandes aventuras por terrenos baldios ou adiantados longe do miolo, mirando sobretudo a posse de bola, a segurança, a previsibilidade e, aqui e ali, lançando os venenosos Bruma, Álvaro Djaló, Ricardo Horta, Simon Banza e Abel Ruiz. O SC Braga de Artur Jorge também aprecia um jogo mais vertical, é um grupo com muitas ferramentas e recheado de talento.

A Driblab Pro permite também fazer uma comparação entre jogadores, porém, convém assinalar que é muito diferente jogar num Wolves a lutar para a manutenção e num SC Braga com ambições douradas, nomeadamente atacar o título nacional e marcar presença na próxima edição da Liga dos Campeões. Os números que se seguem comparam a época passada de Moutinho e a atual e a anterior dos atuais futebolistas do meio-campo do SC Braga, alguns deles quando representavam outros clubes.

Al Musrati, o líbio que encanta tanta gente e que está indisponível para a segunda mão do play-off da Champions contra o Panathinaikos (e por isso deu a vez na convocatória ao novo reforço), oferece um panorama bem diferente de Moutinho, por exemplo, nas bolas longas (7.02 vs 3,64 por jogo) e nas interceções (2.15 vs. 0.82 a cada 90 minutos), revelando igualmente uma boa taxa de acerto no passe (84.2% vs 85.5%). Nas chances criadas, isto é, nos passes que procedem um remate, Al Musrati tem valores surpreendentemente baixos (0.67 vs. 1.26 vezes por jogo), uma ‘batalha’ que resultou em 32 passes-chave do português, um valor insuflado pelas bolas paradas aparentemente, contra 20 do africano em 2022/23.

A comparação entre os dados estatísticos de João Moutinho (azul) e Al Musrati nas temporadas 2022/23 e 2023/24
Os passes chave de Moutinho e Musrati em 2022/23

André Horta, por exemplo, outro faz-tudo do plantel à disposição de Artur Jorge, é superior em termos estatísticos em vários segmentos, como bolas longas completas (cinco por jogo), acerto no passe (89.4%), chances criadas (1.77) e progressão com bola, investindo em 19 vezes por jogo no tal adiantamento de 10 ou mais metros através do passe ou condução de bola. Mais uma vez, é importante garantir que os números de Moutinho seriam superiores numa equipa importante de um campeonato, pois há mais bola e adversários contraídos.

Se a comparação for com Vítor Carvalho, as diferenças são naturalmente acentuadas. O brasileiro está talhado sobretudo para defender, sendo mais competente nos cortes (2.86 por jogo) e interceções (1.38), não descurando o passe calibrado (85.6% de acerto), ainda que entregue a outros a responsabilidade de inventar a promessa de bala dourada ou algo digno de ferir o rival numa zona mais adiantada do campo. Também o uruguaio Rodrigo Zalazar e André Castro ganham ao experiente médio internacional português sobretudo no trabalho defensivo e na disponibilidade e eficácia nessa labuta.

Comparação entre João Moutinho (azul) e André Horta na temporada 2022/23
A comparação entre valores estatísticos médios de João Moutinho (a azul) e dos médios da I Liga 2022/23 (a preto)

Abordando o combate estatístico entre Moutinho e o centrocampista médio da Liga 2022/23, chegamos à conclusão natural que o algarvio é obviamente ainda superior, ainda que hajam limitações nos tais segmentos da pressão e jogo de cabeça.

De acordo com a plataforma de dados em que se baseia este artigo, Moutinho, um arquitecto da simplicidade, esteve indisponível por lesão em 120 dias no Mónaco (ou 20 jogos), normalmente com os tornozelos castigados. Em Inglaterra, registou apenas uma lesão, novamente no tornozelo, em agosto de 2022, que o retirou dos relvados durante 12 dias (dois jogos).

Falta saber porque chegou ao clube minhoto o médio que é usado como bandeira quando se quer glorificar a inteligência de um futebolista de pequena estatura. “O SC Braga tem mostrado ao longo dos anos a grandeza e como tem evoluído. No panorama nacional e internacional tem mostrado a sua capacidade de competir com todas as equipas. Vim para elevar o nível e para dar o meu melhor para atingir os objetivos que cada vez mais são mais ambiciosos. Espero ajudar e conquistar coisas no clube”, justificou o internacional português.

Depois de usar o número 8 no FC Porto e Mónaco, João Filipe Iria Santos Moutinho vai vestir a camisola 28 arsenalista, tal como aconteceu no Wolves e, na altura em que se mostrou ao mundo, em Alvalade, quando não tremia apesar de tão imberbe. O futebol do médio parece confundir os tempos verbais, resta saber o que conta a realidade.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: htsilva@expresso.impresa.pt