O que dizem os teus números

Bruno Fernandes e o veneno que lhe escorre das botas: o que dizem os números do jogador-chave na qualificação para o Europeu?

Bruno Fernandes e o veneno que lhe escorre das botas: o que dizem os números do jogador-chave na qualificação para o Europeu?
Diogo Cardoso
Nos últimos 12 jogos pela seleção nacional, nos últimos 11 meses portanto, o médio-avançado-faz-tudo fez nove golos e 10 assistências, o que se traduz em 45% de participação direta em golos de Portugal. Mas o futebol deste centrocampista total vai muito além disso e os números ajudam a explicá-lo. Num mergulho nos dados da Driblab Pro, a Tribuna Expresso analisa o desempenho individual de Bruno Fernandes na qualificação para o próximo Campeonato da Europa

Foi mais ou menos consensual: Bruno Fernandes foi o melhor jogador de Portugal no Campeonato do Mundo, no Catar. O Sofascore foi mais longe e sentenciou que o médio do Manchester United foi mesmo o melhor futebolista do torneio. Não é coisa pouca. O que ele fazia no Sporting já era assombroso. A entrada no mítico Estádio Old Trafford também foi diabólica. Naquelas pressas tão típicas, mas reveladoras da qualidade do visado, fizeram-se rapidamente comparações entre Bruno e um tal de Eric Cantona, um enfant terrible, um jogador magnífico. Na Premier League são 132 jogos, 46 golos e 34 assistências.

Fernandes tem veneno a escorrer das botas. No Mundial, o jogador de 29 anos criou situações de perigo do nada. A tal inibição de que parecia sofrer na seleção com a presença de Cristiano, que se verificou também em Inglaterra, esfumou-se finalmente. Já não há fantasmas e parecem todos saber conviver melhor uns com os outros, talento misturado com talento, fome com fome. Quando Bruno Fernandes se aproxima de Bernardo Silva pela direita, é colocada em marcha uma obra que podia muito bem estar pendurada no Louvre. Entendem-se. Falam o mesmo idioma. A seleção vai crescendo com estas micro-sociedades.

O jogo de Bruno Fernandes começou a ser afinado em Itália, na difícil e rude Série A. Um jornalista italiano, de um dos maiores jornais desportivos, lembra-se bem de o ver a jogar no Novara e depois na Udinese e na Sampdoria. “Ele era muito pequeno, parecia frágil”, recorda. “A técnica era perfeita, mas não parecia maduro e com jogadores assim a paciência [dos clubes] da Série A podia ser menor.” A técnica era perfeita é uma frase interessante. E a conclusão é a que se desconfia: “Não esperava que chegasse tão alto.”

Gualter Fatia

Tão alto é o Manchester United, onde já é o capitão de equipa, e o pináculo do seu futebol ao serviço da seleção, juntando portanto golos e assistências. Os números também têm falado, berrado até. Bruno é o jogador mais influente da seleção por estes dias, sem necessitar de pisar o reino do prolífico Cristiano Ronaldo, por todo aquele veneno com que barra o seu jogo. Tenta passes difíceis, inventa cruzamentos, tem olhos na nuca e bate bem na baliza. Parece o padeiro a levar o pão a todos. O nível da seleção ganhou outra dimensão com esta versão mais protagonista de Bruno Fernandes, que não deixa de correr atrás dos adversários desvairadamente, com o bónus de ir abrindo os braços insatisfeitos cada vez menos.

Nos últimos 12 jogos pela seleção nacional, nos últimos 11 meses portanto, o médio-avançado-faz-tudo fez nove golos e 10 assistências, o que se traduz em 45% de participação direta em golos de Portugal, escreveu há dias o Playmaker do Zerozero, no antigo Twitter, agora X. É o jogador de toda a fase de qualificação para o Euro 2024 com mais participações em golos – 13.

Se calhar a aura dele só não fura o céu porque o United, salpicado por casos polémicos, continua cheio de dúvidas quanto à trajetória correta. Ainda que saia prejudicado por não estar num clube como Manchester City ou Arsenal, na lógica do rendimento, o internacional português é bem capaz de ser muito mais feliz num ambiente que não tem um jogo posicional tão vincado, que agarra os jogadores ao lugar. Bruno gosta de pisar os terrenos que identifica e lhe parecem apetecíveis num determinado momento. A liberdade é um bem muito caro.

Serve este momento especial de Bruno Fernandes, especialmente na seleção portuguesa, para agarramo-nos aos números da Driblab Pro, empresa especializada em dados, para descascar as camadas do seu jogo, olhando apenas para esta qualificação para o Campeonato da Europa, precocemente garantida, uma novidade cá no burgo.

A taxa de acerto no passe evidencia logo que estamos perante um jogador de risco. Os 81.4% são manifestamente baixos para um jogador tão habilidoso, mas esta é talvez a sua maior virtude, pelo menos para o adepto ou admirador de jogadores que querem criar e criar e criar, arriscando e olvidando a obsessão pelo que é certinho e previsível.

Há números admiráveis neste amontoado de informação. Em média, Bruno Fernandes fez o passe para 3.66 finalizações por jogo nestes encontros de qualificação no Grupo J, contra Eslováquia, Bósnia, Luxemburgo, Islândia e Liechtenstein. O português conduziu a bola ou fez passes progressivos (pelo menos 10 metros para a frente) em mais de 14 ocasiões a cada 90 minutos, o que o confere como um jogador fiável no contra-ataque, mas também no furar de linhas, quando os passes não resolvem enigmas quase maléficos. Raramente lhe roubaram o ouro dos pés, revela este gráfico: em “desalojado” deve ler-se “número de vezes que um jogador é abordado e perde a bola a cada 90 minutos”.

Os dados revelam ainda que atualmente é expectável que Bruno, pelo menos pelo que fez nesta qualificação, faça praticamente uma assistência para golo a cada dois jogos. Mas também surgiu muitíssimo ligado à construção das jogadas, com 0.75 a cada 90 minutos no ‘xG Construção’, ou seja, participou em golos sem ser o finalizador e quem fez a assistência. Também o jogo longo foi algo em que este futebolista apostou: quase, quase cinco passes longos (pelo menos 32 metros) por jogo.

Defensivamente, Bruno Fernandes fez 2.59 cortes e 0.92 interceções por jogo. Cada vez que se deparou com um driblador, roubou-lhe a bola mais vezes (66.7%) do que foi superado, o que revela rins e compromisso e o momento angustiado que é não ter a ferramenta mais bela desta modalidade. O jogo aéreo, já sabemos, é onde apresenta menos valências, o gráfico demonstra isso mesmo, parece que um tubarão deu uma trinca ali naquela zona inferior.

Roberto Martínez, aparentemente alguém que sabe deixar os jogadores confortáveis em campo e passar-lhes a mão pela cabeça fora dele, disse o seguinte antes do jogo com a Bósnia: “É um jogador inteligente, que se adapta às qualidades dos companheiros. Dá muita flexibilidade tática. Para um treinador, o Bruno Fernandes é um sonho. É um jogador que precisa de um treino para ter uma ideia de jogo e a execução é de alto nível”, foi refletindo. “Tecnicamente, tem uma visão que eu acho que é de uma qualidade superlativa. Depois, gosto muito do trabalho sem bola. Adaptou-se a muitas posições, o que o Bruno dá é uma estrutura, equilíbrio. É um jogador-chave para nós.”

Ou seja, é um jogador total.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: htsilva@expresso.impresa.pt