Odeio Futebol Moderno

Di Maria e os joelhos do Benfica

Não se prestou ao Di Maria a devida homenagem. Não se lhe devolveu o que nos deu. Faltou o essencial, uma coisa que não se aprende nem se treina no Seixal: faltou amor. E quem falhou foi Rui Costa. O nosso Presidente. O nosso maestro. O nosso silêncio

Há dores que não se dizem. Vão ficando, calcadas, como pedras dentro do sapato. Esta tem-me moído no joanete benfiquista. Pequena, mas cruel. O seu nome é Di Maria. Pronto. Disse. Está dito.

Não se prestou ao Di Maria a devida homenagem. Não se lhe devolveu o que nos deu. Faltou o essencial, uma coisa que não se aprende nem se treina no Seixal: faltou amor. E quem falhou foi Rui Costa. O nosso Presidente. O nosso maestro. O nosso silêncio.

Até o PSG. Isto dói. O mais esvaziado dos clubes de futebol. Uma coisa sem alma nem saudade. Um conciliábulo de cupidez árabe e lambança francesa que confunde dinheiro com identidade, ganância com ambição, ouro com plástico. Até esses fanfarrões perceberam quem era Di Maria. Mas nós não.

Ouçam bem. O Di Maria é o jogador com mais títulos de sempre do futebol português. É um dos melhores jogadores da História. Sem pestanejar. Sem penas. (Na maior.) Como é que um Presidente que foi um grande jogador não vê isto? Como permitiu ele que acabasse humilhado, escondido, encaminhado para a porta dos fundos? A sexta substituição no jogo da Taça, e só porque houve prolongamento.

Um grande reconhece outro. Os homens reconhecem-se entre si. Os cães também. Cheiram-se. Empinam o focinho, torcem o pescoço. O Di Maria era um deles. Dos que se farejam de longe.

Bem. Há uma tradição antiga. Um hábito de tratar mal os nossos grandes jogadores. Desde Manuel Damásio que a indiferença se tornou método. A lista não caberia nestas páginas, mas assim de cabeça vão sete:

1. Isaías.

2. João Pinto — e abro parêntesis: (que fique bem claro, João Vieira Pinto não saiu, João Vieira Pinto foi corrido, depois de levar a equipa ao colo épocas a fio; e, se não fosse ele e o número 3 desta lista, teríamos descido de divisão).

3. O número 3 desta lista: Michel Preud’homme.

4. Vítor Paneira.

5. Javier Saviola.

6. Pablo Aimar.

7. Karel Poborsky.

Sete magníficos. Sete injustiçados.

E nós, que nos orgulhamos de não ser como os outros. O Real Madrid fez de Di Stéfano Presidente Honorário. E o Eusébio? Como é que não foi o nosso Presidente Honorário? Porventura um Rei não poderá ser Presidente? Poderá e pode. No Benfica pode. E deve.

Muitas vezes venho para aqui lamentar o óbvio que ninguém vê, mas hoje é o contrário: a queixa que apresento é do óbvio que todos vêem, menos Rui Costa. Tão estranho quanto triste.

Onde é que o olfacto de Rui Costa está a falhar? Há uma hipótese. Passo a explorá-la. Talvez Rui Costa não tenha sido assim tão grande. Sabemos, com certeza, que não sabe o que são grandes feitos no Benfica (nem como Presidente, nem como jogador).

O facto mais memorável da sua carreira é de camisola roxa, a marcar contra o Benfica. (Chorou, é certo. Foi verdadeiro, não duvidamos. Mas foi contra o Benfica.)

Um clube não se faz só de vitórias. Faz-se de memória. De joelhos. Como os joelhos do Chalana, o segundo na lista dos Reis, a seguir ao Eusébio. Não sei se se lembram disto (se Rui Costa se lembra disto). Antes de começar o jogo, o pequeno genial, puxava as meias para cima. Fazia-o de joelhos. Como se o momento fosse litúrgico, como se antecipasse nesse gesto uma Graça futura.

Era dessa maneira que Chalana anunciava o que estava prestes a começar. E as bancadas rugiam (conseguem ouvir o terceiro anel a bramir? Ainda hoje assusta.). Do gesto mais humilde brotava a grandeza. O acontecimento mais aguardado.

O Benfica não precisa de estatísticas, nem de comunicados, nem orçamentos ou relatórios. Disso já há com fartura. Precisa de se lembrar. Com o corpo inteiro. Precisa dos seus joelhos. É que quando genuflectimos fazemo-nos pequenos e assim maiores. De acordo com a nossa verdadeira natureza.

Manuel Fúria é músico e vive em Lisboa.

Manuel Barbosa de Matos é o seu verdadeiro nome.

E escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.

‘Odeio Futebol Moderno’ é um espaço de opinião sobre atualidades futebolísticas da perspetiva de um romântico entalado num tempo em que não se reconhece.

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