Opinião

Manda prá marca de penálti

Manda prá marca de penálti

Pedro Cruz

Subdiretor de informação da SIC

O meu pai contava sempre esta história e eu nunca me cansava de a ouvir. Ele estava na tropa, na recruta, (sim, em 1960, a dias de embarcar para a guerra, onde esteve) e nem sempre vinha a casa ao fim de semana. E, quando vinha, chegava muito ao fim da tarde de Sábado e tinha de regressar muito cedo na manhã de Domingo.

Sim, estávamos em 1960, não havia auto-estradas, nem alfas pendulares, nem nada disso.

Adiante, ele chegava sábado ao fim da tarde e ía embora no domingo bem cedo. Mas naquele sábado apanhou boleia e chegou a tempo de dar um salto ao campo. Pelado, como ainda hoje é.

Nem foi a casa primeiro, nem pousou o saco, nem tirou a farda. Foi, assim, directo, da boleia para o campo. O jogo, de juniores, estava zero-zero e quase a acabar.

Os “miúdos”, dizia ele, bem tentavam. Mas nada. Foi andando à volta do campo, só faltava um “golito”, como ele dizia.

E ele, que tinha vindo de longe, de boleia, fardado, de saco com roupa suja pousado na bancada, ainda não tinha ido a casa; ele que foi directo para o campo, só queria um “golito”.

Era canto, ultimo minuto, ele estava junto à bandeirola.

Pôs as mãos em concha e gritou ao «miúdo» que ír marcar:

- Prá marca de penalti. Manda prá marca de penalti.

O puto fez de conta que não ouviu, nem sequer olhou.

Ele insistiu

- Manda prá marca de penalti!

O miúdo olhou para ele. Ficou meio parado.

Ali estava um senhor, fardado, militar, quase a ordenar-lhe que mandasse a bola para a marca de penalti.

Ele continuava:
- Manda prá marca de penalti! Vais ver que aparece alguém e vai ser golo.

O miúdo ainda olhou para ele mais uma vez.

Marcou. A bola foi parar direitinha na marca de penalti. Apareceu alguém que cabeceou para o fundo da baliza.

Foi golo e o jogo acabou.

O puto que marcou o canto olhou outra vez para trás e ele ainda lá estava. Fardado. A sorrir. De saco com roupa suja pousado na bancada.

Sorriram ambos.

Aquele golo não era de quem marcou o canto, nem de quem cabeceou.

O golo era dele, mas só os dois é que sabiam isso.
Os juniores do Varzim ganharam.
E o pelado ainda lá está. Na mesma.

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