Opinião

A liderança de Fernando Santos e o dia em que vamos regressar

A liderança de Fernando Santos e o dia em que vamos regressar

Rui Lança

Professor

Escrevi noutro espaço desportivo, em maio de 2016, que considerava estarem reunidas as condições para Portugal ser campeão europeu. Não previa todos os empates, a sorte e o azar em alguns jogos, mas falava acima de tudo da liderança situacional e que eu considerava ser a mais adequada para aquele contexto. Falei de alguns atletas que atingiam a sua última e derradeira oportunidade de serem campeões pela seleção depois de terem vencido pelos clubes como Ricardo Carvalho ou Ronaldo. Falei da importância num plantel de ter alguns jogadores campeões como Eliseu e da irreverência de um Renato. Mas acima de tudo, considerava que Fernando Santos conseguia ser o que a grande maioria dos atletas precisava em diferentes alturas.

E agora? Peço desculpa, mas não aposto que possamos chegar até à final. E não creio apenas porque é um Mundial e um contexto radicalmente diferente, com seleções favoritas como o Brasil ou a Argentina. E nem quero entrar na questão se o nosso grupo é mais ou menos fácil.

A questão, em vários pontos, é esta:

Fernando Santos, selecionador nacional
YURI KADOBNOV/GETTY

- Fernando Santos é um líder situacional. Não considero que seja o melhor ou pior estilo de liderança de um treinador. É o que é e considero sinceramente que numa seleção é o estilo mais adequado. Especialmente quando se trabalha tão pouco tempo e temos de colocar no mesmo grupo os estreantes, os aspirantes, os maduros, os top e a estrela maior. Mas em função disso, Fernando Santos é provavelmente o melhor treinador neste momento para estar com Rui Patrício, William, Bruno e Gelson. Porque construiu com Ronaldo uma relação que até agora, nenhum treinador de clubes conseguiu. Porque consegue ser um pai, um treinador e mais não sei o quê. Mas o contexto é diferente e Fernando Santos já percebeu que não pode dizer em que dia volta, dado que existem muitas mais coisas que ele neste Mundial não controla e lhe passam ao lado comparativamente com o Europeu.

- Os jogadores (ex?) do Sporting. Não sabemos aferir o grau de impacto na seleção. Mas não podemos acreditar que aqueles quatro jogadores estão bem. Ou nas melhores condições. Logo, especialmente porque falamos de 3 a 4 possíveis titulares, estamos a afirmar que mais ou menos 30% do onze previsto está condicionado psicologicamente. Mas eles estão longe e a coisa tem menos impacto? Claro que não! É bom que estejam na Rússia e não em Caxias. Mas, até neste ponto, Fernando Santos e a sua equipa têm de trabalhar mais e com diferentes enfoques na autoestima daqueles jogadores.

- Já não somos os potenciais candidatos, mas também não somos favoritos. Então o que somos? Somos algo que seguramente não nos coloca no top 5 dos favoritos, mas daremos mais motivação certamente às outras seleções, porque até terminar o Mundial, somos a seleção com o maior título recente do futebol. E isso fará de nós, não os constantes favoritos com uma estrela, mas o campeão europeu em título. Vamos ver como a seleção reagirá a isso. Mas um fator adicional.

- Mente competitiva. Naturalmente todo o ser humano gosta de ganhar. Nem todos (poucos, aliás) fazem o que é necessário e o que não é necessário para se ganhar. E dizem que o que custa não é chegar ao topo, é manter-se lá. Enfim, Fernando Santos terá de mudar um pouco o chip e não incutir nos atletas a sede de vencer e mostrar que a seleção merece ser campeã e que temos valor. É preciso agora acrescentar algo mais. Ou virar um pouco o lado, mas a questão é que alguns dos jogadores aqui são campeões europeus e outros não são nada em termos de títulos da seleção nacional e de seniores. Penso que o equilíbrio que o mister fez na convocatória também tem este ponto em conta. Manter um equilíbrio entre o vencer e o continuar a vencer.

Fernando Santos num treino da seleção nacional
FRANCISCO LEONG/GETTY

- Equipa. A nossa equipa. Estes acontecimentos que têm acontecido aos jogadores do Sporting CP podem até ajudar a que a equipa se agrupe em redor deles. Mas não é daqueles momentos que a seleção necessita. Na final do Europeu, registou-se o fenómeno da antifragilidade. Muito à conta de Nani. Agora ele não estará e sinceramente, para lá do Ronaldo, quem são as nossas muletas? Isto é importante, porque denota um espírito de grupo em termos de relações interpessoais e de desempenho. Quem são aqueles que estão dispostos a assumir a liderança do grupo? Rui Patrício? Pepe? Moutinho? Quaresma? Porque os outros ou são muito novos de idade na seleção ou pouco presentes na mesma.

Espero que venhamos o mais tarde possível porque a seleção e o país precisam disto. Precisa de um misto de ambição e competência. Mas o nosso mister sabe que esta seleção deve assentar num compromisso enorme e que terá um jogador fora do normal para decidir nas horas mais complexas, como foi com a Hungria ou País de Gales. Mas também teremos de ter outras forças e alternativas. Não só em redor da magia do Bernardo Silva ou da experiência de Pepe. Ou de conseguirmos que um André Silva ou Gonçalo Guedes marquem mais do que o esperado.

O fenómeno da liderança e das equipas continua a ser um mistério interessante de se analisar. Mas também sabemos que apesar de não existirem receitas, há denominadores comuns para que as coisas corram melhor. E sinceramente, sou daqueles que gosto de ver Fernando Santos à frente da nossa seleção. Mas muitas das vezes, o máximo da nossa competência pode não chegar para o título. E por outro lado, não chegar ao fim, não significará que estivemos mal.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: rmlanca@gmail.com