Nestas coisas da bola cá do burgo, tem que haver sempre uma pedrinha no sapato para entreter a rapaziada. A mais recente é esta, por isso nada como pisar e repisar este assunto.
Ninguém terá duvidas: as linhas tecnológicas que avaliam foras de jogo têm sido, nas últimas semanas, a última Coca-Cola no deserto. A última bolacha do pacote. A arma de arremesso perfeita para que todos se divirtam a fazer o habitual: apontar o dedo ao demérito do adversário, evidenciar tremendos prejuízos desportivos e, claro, reforçar - assim de surra - a suposta má-fé de quem comanda a coisa, na sala dos videoárbitros.
A linha de pensamento e a forma de estar é a mesma há anos. Muda o tom e o conteúdo, mudam também os atores. What else is new?
Já aqui vos recordei daquela imagem muito distante (mentirinha, é da época passada, mas achei que o sarcasmo reforçava o teor da mensagem) em que todos brigavam, barafustavam e gritavam, por não haver linhas de fora de jogo ao dispor do VAR, na Cidade do Futebol.
Na altura, os lances eram avaliados a "olho nu" e isso gerou refilanços, suspeitas e guerrilha que todos bem dispensávamos. Lembram-se?
Por muito que se dissesse que essa lacuna devia-se a fatores externos - falta de sistema credenciado e várias falhas técnicas e operacionais, relativa aos estádios e até às câmaras de TV - a verdade é que o mundo preferia a negação da razão e a valorização da emoção.
Dá mais jeito a quem lidera e afaga o coração do adepto que sofre.
A FPF ouviu e investiu (mais uma vez) e lá trouxe para o país uma linha absolutamente fidedigna. Leiam bem esta parte: a mesma que ainda hoje é usada pela UEFA e FIFA nas grandes competições internacionais. Percebido?
Pensou-se que as polémicas relativas à análise de offsides desapareceriam, mas o suposto ponto final não passou, claro está, de um novo ponto de partida.
A linha mais moderna que existe é, de facto, tecnológica, mas continua a depender de mão humana nas suas premissas mais importantes:
- o ponto exato em que começa o toque na bola para o último passe e a fixação daqueles que correspondem à última parte do corpo de defesa e atacante em causa.
Essa indicação é dada pelo VAR ao seu Técnico de Imagem, em função da perceção mais honesta que tem sobre esses limites. É falível? Sim. Claro que é. E é porque o tal "olho nu" não tem a acuidade microscópica de frames televisivos, a que podem corresponder diferenças de vários centímetros.
Mas é falível em todos os jogos, de todas as equipas, em todos os momentos. E falível na liga portuguesa, inglesa, italiana, espanhola ou alemã. E é esta verdade incontornável que as baboseiras comunicacionais e a cegueira clubista impedem de ver.
Se antes a perceção visual de um nariz adiantado era um fora de jogo escandaloso que entregava títulos, hoje a mesma indicação ou é um atentado ao futebol (porque o jogo não se deve medir ao milímetro) ou resulta de clara má-fé de um VAR que está ali só para fazer um frete ao clube Y ou X.
Honestamente... há quem entenda tamanha bipolaridade?
Dito isto, há uma verdade incontornável: se o futebol é hoje uma indústria de milhões e um golo marcado/sofrido pode alterar substancialmente as regras desse mercado, quanto mais credíveis e objetivas forem as regras, mais transparentes serão os resultados finais. Certo. De acordo.
Para falar disto a sério, sem as calimerices habituais que causam náuseas, a questão deve centrar-se na busca pelo ideal:
- será possível encontrarmos uma tecnologia de fora de jogo semelhante à que se usa, por exemplo, na linha de golo (como o Hawk-Eye)? Uma que não dependa de intervenção humana?
Será possível encontrarmos um sistema fidedigno que dê justiça total à Lei 11, sem que ela pese sobre os ombros de árbitros assistentes e VARs?
Estou convencido que sim.
Não há nada que não se consiga em termos informáticos e acho que estará para breve uma solução a este nível. A acontecer, ela nunca diminuirá o ruído estéril sobre "os adversários que são levados ao colo" ou "os árbitros que roubam sempre os mesmos".
Apenas obrigará a uma ginástica mental mais criativa, que transfira o choradinho estratégico para outras paragens.
O dinheiro que se investe a tentar melhorar o milímetro invisível que hoje gera tanta discussão devia vir, todinho, das multas que punissem exemplarmente condutas comunicacionais que semeiam a discórdia e arruinam o bom nome da indústria. São mal-intencionadas, ofensivas, condicionantes, profundamente parciais (estupidamente parciais) e semeiam o ódio, a confusão e a suspeição na opinião pública.
A única pergunta que cabe aqui fazer é: de que provas é que o futebol português precisa mais para travar de vez esta palhaçada?
Nota de rodapé - Há duas épocas (por aí) um jogador da Premier League postou uma foto no seu Instagram, com a seguinte legenda: "Ganhámos, mesmo contra 14". Foi multado com 50.000 libras (58.340€) e castigado uma série de jogos. O seu clube também condenou veemente a conduta. Argumento: colocou em causa a integridade da competição, contribuíndo para desvalorizar o produto que todos querem elevar. Acham que ele repetiu a graçola?
Haja coragem, meus senhores.