Opinião

Um penálti vai ser batido e alguém entra na área. O árbitro tem de sancionar? A incoerência da lei nos pontapés de penálti

Um penálti vai ser batido e alguém entra na área. O árbitro tem de sancionar? A incoerência da lei nos pontapés de penálti
Seb Daly/Getty

Enquanto a regra da marcação de penálti, quanto à 'invasão' da grande área antes de a bola ser batida, não mudar, estamos todos sujeitos à interpretação, atenção ou maior/menor rigor de quem está em campo, defende Duarte Gomes. Isso quer dizer que vamos continuar a ter, no mesmo tipo de infrações, leituras diferentes, quando era tão fácil objetivá-las. Para quê sancionar jogadores quando não retiram benefício de uma infração?

Um penálti vai ser batido e alguém entra na área. O árbitro tem de sancionar? A incoerência da lei nos pontapés de penálti

Duarte Gomes

Ex-árbitro de futebol

Como já perceberam, há um sem número de infrações que podem ocorrer aquando da marcação de um pontapé de penálti. A clássica e que acontece na maioria dos casos é a que conhecem como "invasão ilegal da área".

Essa mais não é do que a aproximação indevida de jogadores de uma ou das duas equipas a menos de 9.15m da bola, antes do remate ser efetuado.

Na verdade, nem é preciso que exista "entrada prematura" na área: para haver infração, basta que um jogador coloque o pé na "meia-lua", porque essa está lá precisamente para delimitar a distância correta nestes lances.

Mas, dizia, a lei prevê um vasto número de faltas na marcação de pontapés de penálti, que podem ser cometidas pelo executante, pelo guarda-redes, pelos defensores, pelos atacantes ou por todos em simultâneo. É um compêndio de sanções e mais sanções que, na prática, raramente são aplicadas.

Rob Newell - CameraSport

E raramente são aplicadas porque, em campo, não é humanamente possível estar atento à movimentação milimétrica (às vezes, descarada, convém reconhecer) de 15 ou 20 jogadores. Jogadores que estão num dos momentos mais tensos do jogo.

Não é justo exigir-lhes que contenham a passada, o impulso ou instinto reativo quando em causa pode estar a possibilidade de fazerem uma recarga para golo ou de afastarem a bola da zona de perigo.

Talvez por isso o IFAB decidiu que a intervenção do videoárbitro neste tipo de lances está limitada. Ele só pode intervir quando o jogador que infringe tire benefício disso. Quando ganhe vantagem direta da infração.

Na prática, se um guarda-redes adiantar os dois pés antes do remate e depois defender o pontapé, o VAR intervém e bem, porque ele tirou partido da sua irregularidade. Se um executante fizer "simulação ilegal" (a chamada paradinha) e marcar golo, o VAR intervém e bem, porque ele tirou partido da sua irregularidade.

Se um colega do guarda-redes entrar na área ilegalmente e depois pontapear, para longe, a bola devolvida pelo poste, o VAR intervém e bem, porque ele tirou partido da sua irregularidade. Se um colega do executante aproximar-se a menos de 9.15m antes da bola partir e marcar o golo na recarga, o VAR intervém e bem, porque ele tirou partido da sua irregularidade.

Por outro lado, se um ou vários jogadores (de uma ou das duas equipas) não respeitarem a distância a que devem estar, sem tirarem benefício disso, segue jogo. O videoárbitro não se mete e o árbitro, se vir, assinala... se não vir, não faz nada. Segue jogo.

É para aqui, para este nível de razoabilidade, que a Lei 14 tem que evoluir:

— Sabendo que estas são situações difíceis de controlar e sabendo que este tipo de movimentação acontece em (quase) todos os pontapés de penálti, só deveria haver punição quando o infrator "retirasse lucro" claro disso.

Não havendo benefício, a ilegalidade cometida é inócua. Não produz efeitos. Não resulta em nada nem afeta o desfecho do pontapé (seja ele qual for). É como um atacante estar em posição de fora de jogo, mas não tomar parte ativa na jogada.

Para quê sancioná-lo?

Enquanto a regra não mudar, estamos todos sujeitos à interpretação, atenção ou maior/menor rigor de quem está em campo.

Isso quer dizer que vamos continuar a ter, no mesmo tipo de infrações — e recordo, estamos a falar de lances potencialmente decisivos — leituras diferentes quando era tão fácil objetivá-las.

Há disposições nas leis de jogo que fazem todo o sentido (a maioria até), mas depois há outras, como esta, que a prática já mostrou não resultarem. Imposições teóricas que potenciam ruído e perturbação exteriores evitáveis. Desnecessariamente.

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