Alguns investigadores dizem-nos que o ponto atual onde nos encontramos resulta da repetição de padrões de comportamentos que atuámos nos últimos 10 anos. Portanto, escreve a psicóloga desportiva Ana Bispo Ramires, se queremos experienciar uma existência diferente daqui a 10 anos, precisamos atuar desde já - e há lições a retirar dos atletas olímpicos, que grande parte dos estudos mostra que demora, pelo menos, oito anos a chegar ao ‘ponto rebuçado’
Janeiro é, por tradição, um mês de resoluções (como se não fosse possível tomá-las todos os dias) onde tendemos a fazer “balanços” acerca do ano transato e do que gostaríamos de ver mudado no ano que agora se inicia.
O que é curioso é que, maioritariamente, o “extra” que a motivação parece comportar neste período aparece e desaparece quase tão rapidamente como o fogo de artificio também comum neste período do ano.
O que se torna por demais evidente, por isso mesmo, é a ausência de competência de estabelecer um objetivo e nos mantermos alinhados com o mesmo por um período prolongado no tempo… mesmo que surja desconforto (físico ou psicológico).
Resultado: a cada “ensaio” frustrado colocamos uma “moedinha no mealheiro” da (in)competência percebida, no que respeita a querer mudar (para melhor) algum aspeto da nossa vida – o que, inevitavelmente “engorda” a nossa perceção de baixa autoestima a médio-longo prazo e nos faz acreditar cada vez menos na nossa capacidade de promover a mudança.
Desporto Olímpico como Exemplo
Gosto de tomar como exemplo o desporto olímpico pelo enorme respeito que naturalmente fui desenvolvendo ao longo da minha carreira ao testemunhar de perto o seu quotidiano, mas também porque desde sempre defendi a importância de retirar do desporto aprendizagens fundamentais que podemos implementar na nossa vida pessoal, familiar e profissional.
O desporto olímpico assume particular interesse na medida em que, em essência, trata-se de um evento que acontece (se não acontecerem condicionantes conjeturais extremas – cenários de pandemia e/ou guerra) a cada quatro anos, donde a necessidade de ser capaz de se manter focado no propósito que se estabelece por um período alargado é perfeitamente indispensável.
Mas não só… grande parte dos estudos evidenciam que um atleta olímpico demora entre oito a 19 anos a ser “desenvolvido” – ou seja, para muitos atletas, a realidade a que se determinam é que irão, se tudo correr bem, poder desfrutar do seu objetivo… após oito anos de terem iniciado o seu esforço.
Oito anos?
Imagino que, para a maioria dos “normais” (onde naturalmente me incluo), a perceção de atingir algo que se deseja ao final de oito a 10 anos seja um cenário tão inimaginável… que não se imagina de facto.
Na realidade, passamos grande parte da nossa “vida produtiva” (entenda-se por aquele período de vida onde somos já responsáveis pelas nossas decisões) reféns de um “eu queria querer…”, porque na realidade nunca chegamos a desenvolver os esforços necessários de forma consistente e duradoura para atingir aquilo que dizemos (a nós próprios e aos outros) querer…
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Transfer de boas práticas
Elencar neste capítulo todas as boas práticas que podemos importar do desporto (no caso, olímpico) para as diferentes dimensões da nossa existência é, naturalmente, uma tarefa sem fim, razão pela qual irei abordar as que imagino possam ser um bom desafio neste período do ano, a saber:
Como queremos viver a nossa vida daqui a oito anos?
A generalidade das pessoas tem muita dificuldade em fazer planos, razão pela qual quando olhamos para os últimos 10 anos podemos, de forma retrospetiva, identificar os comportamentos que nos ajudaram a estar onde estamos e aqueles que nos impediram de “chegar mais longe” (dentro do quadro de referência de cada um).
Alguns investigadores dizem-nos que o ponto atual onde nos encontramos resulta da repetição de padrões de comportamentos que atuámos nos últimos 10 anos.
Portanto, se queremos experienciar uma existência diferente daqui a 10 anos, precisamos atuar desde já – aliás, há uma “máxima” curiosa que é “se queres ser atleta olímpico daqui a 10 anos, tens que começar a atuar como se fosses desde já”.
Igualmente verdadeiro para os “normais” (nós).
Integrar a palavra Disciplina no nosso quotidiano
A “disciplina” de rotinas é perfeitamente essencial na vida de um atleta (ex: plano alimentar, rotina para melhorar o sono, a programação clara das atividades do dia, entre outras), só assim se consegue dar resposta a todas os desafios e sentir que valeu a pena.
É curioso que, para os “normais”, a palavra “disciplina” tem quase sempre uma conotação negativa de tal forma que se puderem fugir a sete pés… assim o farão – isto levanta duas questões interessantes: 1) precisamos repensar a forma como certas palavras ficam, inadvertidamente, conotadas negativamente durante o nosso crescimento por forma a quando seja necessário integrá-las no nosso quotidiano, já adultos, não seja tão “doloroso” fazê-lo e, 2) será que na cabeça dos “normais” se imagina que os nossos atletas são assim tão “masoquistas” que desenham para si próprios dias de infindável aborrecimento em virtude da disciplina a que se sujeitam?
Não ocorrerá, por um momento que seja, a possibilidade de imaginar que não só é possível como é frequentemente experienciado(s) níveis superiores de satisfação, entusiasmo e motivação por se sentir que o esforço pessoal se traduz numa série de melhorias diárias?
Uma dica: retirar os “não me apetece” ou “começo/faço amanhã” do discurso… esta é uma conjugação de palavras que nunca ouvi no discurso de um atleta.
Saber ser team player
Mesmo no contexto desportivo há quem se imagine atuar em modalidades individuais ou coletivas. Pessoalmente, prefiro pensar que as modalidades são todas “coletivas”, sendo que, em algumas delas, se compete individualmente – contudo, o resultado desejado está certamente relacionado com a forma como, coletivamente, tudo e todos se organizam para que um dado desempenho possa ocorrer.
E, aqui, a competência de saber ser um excelente “team player” é verdadeiramente fundamental – na forma como se trabalha em equipa com o treinador e equipa técnica, equipa médica e, em última instância, com a própria família e rede de suporte social.
Aqui, uma vez mais, os “normais” experienciam uma competência diminuída – tantos, mas tantos os casos de pessoas que consideram que não “têm” que colaborar nas tarefas de casa, com o colega do trabalho ou até com plano terapêutico que um dado médico prescreve…
Na realidade, grão a grão tornam-se muito hábeis num conjunto de competências que as levarão a experienciar um isolamento social que, na altura, certamente não entenderão como surgiu.
Queremos redes de suporte social mais eficazes? Queremos desafiar a nossa capacidade cognitiva? Somos animais sociais, nada disto acontece se não elevarmos as nossas competências enquanto “team players”.
Substituir o tradicional “porquê?” por um “como posso ajudar?” pode trazer mudanças substanciais ao nosso quotidiano.
Adotar uma atitude de superação
Um atleta de alta competição procura sempre analisar processos: Como melhorar um dado tempo? Como melhorar o processo de recuperação? Como melhorar a competência emocional para experienciar um quotidiano cada vez mais pleno… que aumente a probabilidade de, daqui a quatro anos, poder alcançar o desempenho que pretende?
Quantas vezes o fazemos? Quantas vezes, focando apenas no que podemos mudar no nosso comportamento, nos preocupamos em melhorar a nossa qualidade de vida, a nossa capacidade em nos relacionarmos com os outros com o adequado calor afetivo ou contribuir de forma mais eficiente e entusiasmada para a nossa família, organização e sociedade?
Que vida (ou sociedade) poderíamos ter se conseguíssemos avançar um pouco mais nesta direção? Como podemos, daqui a 10 anos, estar mais próximos da realidade que gostaríamos de viver?