Sente-se no ar uma certa agitação, uma espécie de nervoso miudinho, que ganha intensidade à medida que decresce a contagem para o apito inicial. É normal, perfeitamente normal. O futebol tem impacto social tremendo e isso é inquestionável.
Parte desse empolamento, convenhamos, é motivado pela força da imprensa, que conhece a mais-valia do produto e explora-o até ao limite. A opção, estratégica e comercialmente legítima, tem coisas boas, mas acarreta riscos.
É que muitas vezes são colocados microfones à frente de pessoas que raramente sabem distinguir opinião de incentivo ao ódio. É a tal linha proibida, que tantos sublinham, mas que poucos conseguem interiorizar:
Uma coisa é a crítica à capacidade do profissional (legítima); outra é o ataque gratuito à sua integridade (inaceitável).
Em teoria, é simples. Na prática, nem por isso.
Quando a boca desajustada parte do adepto comum, percebe-se. A cultura de ódio que continua a propagar-se online motiva reações difíceis de entender. Os dias que correm são demasiado desafiantes e há quem tenha dificuldade em resistir ao ‘picanço’ de que é alvo.
Os mais sensíveis explodem rápido, lançando referências pouco abonatórias a adversários e árbitros. A verdade é que mais do que ofensas em si, são quase sempre desabafos momentâneos. A voz do coração a dizer aquilo que a cabeça não sente.
Coisa diferente, bem diferente, é a opinião que algumas “figuras públicas” têm quando desafiadas a pronunciarem-se publicamente sobre o jogo e as suas peripécias. É disso que vos quero falar hoje.
Em
declarações recentes à “TSF”, o Sr. Dr. Dias Ferreira - que além de jurista e comentador desportivo, exerce o cargo de “Árbitro” no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) - falou em “ladroagem” para definir o setor da arbitragem, reforçando que o seu clube tinha sido “roubado a torto e a direito” por Hélder Malheiro, árbitro do Marítimo-Sporting.
Parece-me óbvio que estas são afirmações graves, porque produzidas por alguém que estava ética e moralmente obrigado a não o fazer.
Tenho pelo cidadão António Dias Ferreira o maior respeito, mas os seus comentários foram inaceitáveis para alguém com a sua idade, experiência e educação. Pior: foram inaceitáveis para uma pessoa que exerce tão nobre função.
O que o referido senhor disse não foi apenas ofensivo. Foi injurioso. Em Portugal, o crime de injúrias pode ser punido com pena de prisão até 3 meses ou de multa até 120 dias.
O Sr. Dr. Dias Ferreira sabe-o bem e até por isso devia controlar melhor as suas emoções e antecipar o alcance vertiginoso das suas palavras.
Ao escolher não fazê-lo, ofendeu uma classe que conta com milhares de agentes desportivos, contribuindo mais uma vez para a criação de um ambiente hostil no pior dos timings.
Na prática, fez o exato oposto do que se esperava que alguém com o seu estatuto e posição fizesse.
Não me parece que mantenha condições para continuar como Árbitro no TAD, tal como não me parece que o TAD queira ter, como Árbitro, alguém que insiste em confundir opinião com insulto.
Esta visão fica reforçada depois da ler as palavras do Sr. Dr. José Mário Ferreira de Almeida, Presidente do TAD, no site oficial do órgão:
- " O TAD afirma-se como instrumento de promoção da pax desportiva. Nesta missão, para além das boas decisões que a competência dos Árbitros assegura, é permanente a preocupação pela inviolabilidade dos princípios da autonomia do TAD, da independência e imparcialidade de quem é chamado a julgar."
Há quem opte por percorrer caminhos que levam às piores práticas, escudando-se na tal liberdade de expressão e na frontalidade, para pisar tudo e todos.
Pessoas assim, que sempre escrutinaram os outros, estão seguramente preparadas para serem escrutinadas também.