Opinião

Profissionalização na arbitragem: não haverá por esta altura muita gente que discorde que esse é o único caminho que se espera no setor

Profissionalização na arbitragem: não haverá por esta altura muita gente que discorde que esse é o único caminho que se espera no setor

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

O antigo árbitro internacional Duarte Gomes lembra que ainda “há árbitros de primeira categoria que trabalham de forma sistematizada durante três, quatro dias da semana, recebendo para isso uma verba mensal” e que “toda a estrutura da arbitragem e todos os seus principais agentes têm que ser profissionais”

É importante que o tema da profissionalização na arbitragem não caia no esquecimento, no fim de semana em que arranca oficialmente a nova época desportiva.

Não haverá por esta altura muita gente que discorde que esse é o único caminho que se espera no setor.
Sem prejuízo dos passos dados na última década - iniciado com o "Projeto do Profissionalismo" -, a verdade é que a arbitragem não alcançou ainda a plenitude que se desejava a este nível.
Atualmente há árbitros de primeira categoria que trabalham de forma sistematizada durante três, quatro dias da semana, recebendo para isso uma verba mensal. No entanto, há outros que não integram esse lote (quase todos por opção pessoal).
O trabalho realizado por aqueles, ainda que de valor e muita qualidade, nunca será idêntico àquele que poderia ser feito, se a exclusividade de funções fosse igual para todos, durante todos os dias da semana.
Diria que, nesta matéria, estamos há demasiado tempo a meio caminho: os árbitros de topo não são totalmente amadores nem totalmente profissionais.
Numa indústria com o volume de negócio, peso e dimensão que esta tem, isso não faz sentido.
O futuro a curto prazo parece-me inevitável:
- Toda a estrutura da arbitragem e todos os seus principais agentes têm que ser profissionais. Porquê? Porque, de um modo geral, a profissionalização permite trabalhar com mais foco e exigência, logo oferece mais qualidade, imparcialidade e consistência às decisões.
Pensem comigo: quando uma equipa amadora defronta uma profissional, é ou não mais ou menos verdade que sabemos quem vai ganhar e quem vai perder? A diferença entre ambas é abissal, porque de um lado há mais meios, tempo, know-how e condições e do outro tudo é feito em cima do joelho, no pouco tempo que resta, duas ou três vezes por semana, depois de horas de trabalho noutro sítio.
É importante sublinhar que esta mudança de paradigma pressupõe investimento. O futebol português tem que estar disposto a suportar o valor da evolução, porque em última instância vai retirar dividendos disso. Vai também sentir-se legitimado a exigir maiores responsabilidades quando as coisas não correrem bem.
Quanto aos outros benefícios da profissionalização, bem... o que falta dizer ainda que já não tenha sido dito?
Quem é bem pago, trabalha com mais qualidade, entrega e compromisso; quem tem mais ferramentas e recursos, acerta mais e erra menos; quem está mais motivado, produz o dobro ou o triplo; quem repete e sistematiza práticas até à exaustão, fica mais perto da perfeição; quem treina forte, torna a competição fácil; quem está rodeado de gente capaz e competente, fica mais competente e capaz.
Não é matemático, mas é quase.
Profissionalizar pressupõe melhorar a qualidade dos treinos técnicos, táticos e físicos. Pressupõe ter mais tempo para estudar as regras, para ver e rever lances, para corrigir situações e melhorar pontos fracos. Pressupõe gerir a dedicação ao trabalho, conjugando-os de forma equilibrada com a vida pessoal e familiar. Pressupõe aumentar os níveis de exigência e de responsabilidade pessoal. Pressupõe aprimorar diariamente a competência técnica, sobretudo no processo da tomada de decisão. E pressupõe ainda o aumento de consciencialização em relação à importância dos aspetos éticos e morais da função e de tudo o que a rodeia.
No regime profissional, a avaliação e monitorização dos árbitros deve ser constante, contínua e o objetiva.
O recrutamento e a promoção de novos elementos deve obedecer a critérios claros e justos, sem influências externas, sem pressões, sem sugestões daqui ou dali. Meritocracia pura.
A remuneração de cada profissional (árbitro ou dirigente) tem que ser adequada e incentivadora da opção pela exclusividade.
O uso da tecnologia continuará a ser determinante, não apenas dentro de campo (VAR, tecnologia de linha de golo e do fora de jogo, etc) mas também no rastreamento e análise de desempenho dos árbitros, sendo isso determinante na sua avaliação e desenvolvimento.
Além disso, há ainda a questão da transparência: com a profissionalização, serão criados mecanismos efetivos de prestação de contas, sendo que tudo o que é relevante deve ser publicitado amiúde: critérios de seleção, avaliações e decisões tomadas em campo. A boa comunicação é determinante no estabelecimento de relações de confiança. Isso ajudará a devolver maior credibilidade e estabilidade à classe.
Tal como os jogadores ou treinadores, também os árbitros profissionais não deixarão de errar ou tomar más decisões. Naturalmente.
Mas comparativamente a hoje, isso acontecerá na tal ótica " amador vs profissional".
A diferença será abismal.

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