O Governo entregou na passada quarta-feira, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2024.
No que respeita ao Desporto, este era o momento perfeito para ser apresentada uma proposta verdadeiramente inovadora, cuja dotação deixasse antever uma revisão do modelo de financiamento do Desporto nacional.
E porquê?
Há sensivelmente dois meses, justificada por uma reestruturação pensada para essa área, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) anunciou que pretendia rever os contratos de patrocínio, incluindo os das federações e organizações desportivas. O anúncio que gerou reações diversas por parte de dirigentes federativos e da própria Tutela do Desporto pôs a nu, flagrantemente, um dos maiores problemas estruturais do setor: a existência de um modelo de financiamento do Desporto completamente refém e dependente dos resultados líquidos dos jogos sociais explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (Decreto-Lei n.º 23/2018).
Com o problema identificado e reconhecido, pela esmagadora maioria das instituições e personalidades, agentes do setor e, até, por alguns responsáveis políticos informados e ativos em matéria de política desportiva, aliado ao aumento da receita do Estado, esperava-se que o Governo desse um passo em frente, com o objetivo de rever este modelo de (sub)financiamento obsoleto, que não responde às necessidades desportivas do país.
Na prática, com a proposta apresentada pelo Governo prevê-se a continuidade do modelo de financiamento atual, em que a dotação para o Desporto não é mais do que uma relação direta com a % dos resultados dos jogos sociais a atribuir ao setor.
Naturalmente que o aumento de dotação prevista para o Desporto, de 5.6M€, face a 2023, é um pequeno passo no caminho certo, mas é curto e insuficiente perante as expetativas do setor e dos agentes desportivos, que esperavam do Governo um sinal de maior ambição e espírito reformista, com vista a colocar Portugal no pelotão da frente dos países desportivamente mais desenvolvidos.
A esse respeito, há que dizer que os indicadores recentes são cada vez mais negativos. O relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), de fevereiro deste ano, coloca Portugal como o país da UE com piores índices de atividade física.
Falta uma política desportiva para Portugal. E o (sub)financiamento crónico do setor é prova disso. Recentemente, os portugueses vibraram com os “Lobos” em França; com o título mundial nos mundiais de ciclismo de pista; com os pódios das nossas seleções de ténis de mesa, masculina e feminina, nos Europeus; com as medalhas conquistadas nos europeus e mundiais de patinagem artística; entre tantos e tantos outros resultados de reconhecido mérito desportivo, que são muito mais resultado do talento e prestação dos agentes desportivos envolvidos (atletas, treinadores e dirigentes), do que propriamente da política de desenvolvimento desportivo em Portugal.
É este o paradigma que temos forçosamente de inverter. Identificando e avaliando a nossa realidade desportiva, distrito a distrito, município a município, e investindo nas bases: na democratização do acesso ao Desporto, fortalecendo a relação da Escola com o Desporto federado e investindo nos clubes de base local, a nível das infraestruturas desportivas e nos domínios administrativo/logístico, financeiro e técnico. Caso contrário, continuaremos a ter momentos de exaltação súbitos, mantendo os patamares de base e intermédios, da pirâmide de desenvolvimento desportivo, condenados à falta de praticantes, que, consequentemente, arredam Portugal do estatuto de país desportivamente ativo e desenvolvido.
Aberta que está a discussão do OE 2024, têm a palavra os grupos parlamentares dos respetivos partidos políticos. Sejam, todos eles, sem exceção, a voz inconformada do Desporto, por mais recursos, maior justiça e maior reconhecimento político.
Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt