Opinião

Cem Anos de Futebol (isto é sobre James Rodríguez)

Cem Anos de Futebol (isto é sobre James Rodríguez)
Logan Riely/Getty

Sabemos bem que James podia ter feito outras coisas, mas devemos reconhecer que as que fez já constituem uma obra de referência — uma de que iremos falar aos novos seguidores do futebol, em futuros próximos e distantes. A Colômbia joga este sábado (23h, Sport TV2) os quartos de final da Copa América contra o Panamá

Cem Anos de Futebol (isto é sobre James Rodríguez)

João Salazar Braga

Autor e consultor de comunicação

Não ignoremos o campeonato sul-americano de futebol. Felizmente, quando o tema é futebol, temos tempo para todos os continentes. Nos Estados Unidos da América, o futebol, aliado fiel do tempo, está a fazer das suas: assistindo aos jogos da seleção colombiana, percebemos que o número dez dos Los Cafeteros existe para nos mostrar que o tempo passa — e que a qualidade pode ir com ele —, e que a classe é, em determinados contextos, eterna.

Reconhecemos que a juventude não é para sempre, mas, quando olhamos para o rosto de James Rodríguez, ficamos com dúvidas. As feições são as mesmas. O homem de hoje não é muito diferente do menino que, no verão de 2010, chegou a Portugal pela porta do Futebol Clube do Porto, vindo da Argentina, do CA Banfield. A verdade é que, na sua primeira época na Europa, James Rodríguez não pegou logo, mas deu indicações de que, no seu interior, guardava um futuro grande jogador — de qualidade por calcular e testemunhar. Por cá, só soube crescer, e definiu aquele que viria a ser o seu jogo: apaixonado e calmo, mas não demorado.

O seu tempo em Portugal passou a correr, como sempre passa o tempo dos diferenciados que nascem talhados para outros desafios. Já estava no AS Monaco quando, no Brasil, decidiu apresentar-se aos gigantes do desporto com assistências e golos de outro mundo. O golo que fez ao Uruguai, não só levantou o Maracanã, como levantou um país inteiro, que, durante aquela competição, depositou todo o seu amor no peito amovível de James.

Acredito que este seja um daqueles raros golos de que todos se lembram — desde que o tenham visto, pois. O leitor sabe onde estava quando Fernando Muslera, cabisbaixo e frustrado, foi buscar a bola ao fundo das redes. Este golo e a memória que o Coronel Aureliano Buendía tem da tarde em que o pai o levou a conhecer o gelo são feitos da mesma matéria: saudade e significado.

Ainda hoje, é um golo impossível, apesar de ter sido feito. É um golo impossível, porque é um golo bonito; parece corresponder a um desejo profundo de um menino que, no recreio da escola, quer cimentar o seu nome no campo de jogo, entre gotas de suor e risos. Os golos bonitos são sempre impossíveis. E, por serem bonitos, perdem a sua condição de facto, e assumem contornos esotéricos. Porque a bola tocou a trave uruguaia, o golo tornou-se numa peça ainda mais bonita. Esteve quase para não dar em golo, mas deu.

É difícil não pensar nos feitos do passado quando vemos um jogo de James Rodríguez. É tentador recuperar os jogos que já lá vão, mas também é muito injusto, tendo em conta que lidamos com um jogador que, vestindo a camisola amarela, chega próximo de Simón Bolívar. Em campo, James não liberta a Colômbia, mas liberta o seu jogo: a partida que faz contra o Brasil demonstra-o — o seu pé esquerdo fez de tudo.

De cada vez que o vemos em campo, a bater um canto ou um livre directo, cometemos o erro de julgar a sua carreira, e lamentamos o rumo que ela seguiu. Questionamos o porquê de jogar em São Paulo e o porquê de ter estado perdido no Olimpo. Sabemos bem que James podia ter feito outras coisas, mas devemos reconhecer que as que fez já constituem uma obra de referência — uma de que iremos falar aos futuros seguidores do futebol, em realidades próximos e distantes.

Nas costas de James Rodríguez, o número dez é eterno: no Brasil, em 2014, e nos Estados Unidos da América, dez anos depois. O menino é um homem. Afinal, já está na casa dos trinta, ainda que a sua cara indicie outras inocências, mas continua com tanto futebol nos pés. Por isso, aproveitemo-lo, agora que James, sempre com as mãos a segurar as ancas, se prepara para bater mais um canto.

Jogadores destes não são para sempre, mas o que nos dão é. Não serão cem anos de futebol, mas os que forem serão suficientes.

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