Opinião

Do Euro 2024 aos Jogos Olímpicos de Paris

Do Euro 2024 aos Jogos Olímpicos de Paris

Laurentino Dias

Ex-secretário de Estado do Desporto

Laurentino Dias, ex-secretário de Estado do Desporto e da Juventude, lembra que tantas vezes somos cruelmente exigentes, reclamando títulos e medalhas sem nenhum sentido de razoabilidade ou proporção, aumentando irresponsavelmente a pressão dos atletas olímpicos, que a partir da próxima semana vão competir em Paris

Entre o Euro 2024 e os Jogos Olímpicos, não são apenas os amantes do desporto que vão tendo um verão emocionante. A importância desportiva e mediática destes dois eventos chama também quem não dispensa habitualmente qualquer atenção a estas coisas do desporto, ou não estivesse em causa a participação de uma representação nacional. Entre “a nossa seleção” do futebol e “a nossa equipa” dos olímpicos, são sempre depositadas as maiores esperanças, anunciados grandes resultados e vitórias de espantar o mundo. Mais no futebol, talvez. Seja porque há um histórico de proezas que quase nem reparamos serem de facto raras, seja porque há alguns craques portugueses que, sendo mesmo bons, nos empurram para uma - precipitada, mas sonhada - generalização. E talvez haja outra razão por trás desse maior “acreditar” no Portugal do futebol. É bem verdade que é mais possível (talvez mais fácil) ultrapassar num jogo de futebol as diferenças, por vezes grandes, entre os atletas, as estruturas e a preparação de um pequeno ou de um maior país.

Melhor dizendo, sabendo que um jogo de futebol se pode ganhar metendo um só golo, e que tantas vezes os mais fracos batem os mais fortes, nós, valentes portugueses, sempre suspeitando (mas escondendo) ser mais fracos, apregoamos logo a festa da vitória. Começamos por querer convencermo-nos a nos próprios, esperando que também disso se convençam os nossos jogadores, e principalmente os nossos adversários. O problema é que estes últimos nem sempre estão de acordo. Como aconteceu neste Euro, com Espanha e Inglaterra na final por nós tão antecipada. Foi a “evidência” a impor a sua regra. Afinal, não são as ligas de Espanha e Inglaterra as mais fortes da Europa? E não será previsível que acabem por ser elas a ganhar.

A Espanha campeã foi a vitoria esperada de uma seleção que é uma homenagem ao futebol como desporto coletivo. Lição também para Portugal? Sim. Quantos de nós olhávamos como “desconhecidos” uma boa parte dos jogadores daquela seleção dos “nuestros hermanos”? Quantos deles representaram apostas sérias nos mais jovens ou menos “estrelados” do seu campeonato? E todos eles significaram uma grande equipa, que não fez de conta que crescia em todos os jogos, mas se “limitou” a ganhar todos os jogos, do primeiro ao último. Um coletivo que venceu a Itália, Alemanha, França e Inglaterra! Só podia ser campeão.

Matt McNulty - UEFA

Portugal ainda vai a tempo de seguir o bom exemplo. Ter o melhor do Mundo não transforma Portugal no melhor da Europa. Porque futebol é com 11 e não com 1. E temos felizmente muito mais que 11 bons jogadores para fazer um grande coletivo, capaz de ser campeão. Bastará viver a boa realidade do nosso futebol, que nos coloca ao nível dos melhores e torna capazes de discutir títulos. Ronaldo e Pepe já ganharam tudo. Muitos outros, já hoje, estão em condições de lhes seguir o exemplo. Deixemo-los jogar.

E aí estão os Jogos Olímpicos de Paris 2024! A nossa equipa olímpica leva a Paris 73 atletas em 15 modalidades, do atletismo à vela. Ainda que com algumas baixas por desafortunadas lesões como Telma Monteiro, Patrícia Mamona e Auriol Dongmo entre outros, teremos uma representação plenamente digna do histórico de presença de Portugal nos Jogos, a “competição das competições” de desporto.

Registe-se que este número de atletas está próximo do habitual em edições anteriores se tivermos em conta que em 2024 não conseguimos o apuramento em nenhuma modalidade coletiva, como tinha acontecido em 2016 com o futebol, e em 2020 com o andebol. Em todo o caso, e a avaliar pelos resultados do apuramento, podemos e devemos acreditar numa representação de alto nível, correspondente ao esforço que atletas e todas as suas equipas técnicas, assim como as respetivas federações, e naturalmente o Comité Olímpico, dispensaram ao longo dos últimos quatro anos.

BSR Agency

Este é, alias, o fascínio e também a maldição dos Jogos Olímpicos. Só ocorrem de quatro em quatro anos. Um momento culminante de sonho na vida de um atleta, ao qual só atletas de eleição conseguem chegar, necessariamente depois de anos e anos de trabalho e sacrifício por esse objetivo máximo. Mas esse fascínio carrega a maldição da angústia de toda uma vida ser resumida a um momento. Anos a condicionar a vida para, por exemplo, correr aqueles perfeitos 10 segundos…

Só por isto já merecem todos estes atletas a maior das nossas homenagens e o maior dos respeitos pelos seus resultados, quaisquer que sejam. E tantas vezes somos cruelmente exigentes, reclamando títulos e medalhas sem nenhum sentido de razoabilidade ou proporção, aumentando irresponsavelmente a pressão sobre quem já tem muitos e grandes adversários para bater, dando o absoluto melhor de si próprio. Proponho um exemplo.

Diogo Ribeiro foi o último “badalado” dos campeões. Medalha de ouro no Mundial de natação. Uma enorme, fantástica proeza. Logo os media correram a entrevistar, a exigir uma medalha olímpica. Quero acreditar que o Diogo recebeu essas exigências com um sorriso e lhes deu pouca importância, limitando-se a continuar o seu trabalho excecional com a garra que já mostrou, mas também humildade e tranquilidade. É que para ganhar uma medalha é preciso, antes do mais, ser apurado nas eliminatórias e chegar à final. Será que os portugueses têm bem presente quantos nadadores portugueses já chegaram a uma final olímpica de natação? Um! E será que sabem há quantos anos tal aconteceu? Há 40 anos, nos Jogos Olímpicos de Seul, e o nosso campeão chamava-se Alexandre Yokochi. Boa sorte, Diogo, estamos contigo e desde já orgulhosos!

Estas exigências dos media, das “cabeças falantes” da comunicação social, são o que são, valem o que valem. Eu confio no trabalho que tem sido desenvolvido a nível dos sistemas de apoio aos atletas, na parte psicológica da preparação, que em momentos extremos como os duma olimpíada acaba por ser tão importante como a física. Só esse trabalho permite silenciar este “barulho” em volta dum ou duma atleta, e elevar a sua concentração no momento da verdade, dando acesso à explosão das suas capacidades e aos grandes resultados. Enquanto portugueses, vamos encorajar os nossos atletas a cumprirem o seu sonho, acreditando no seu potencial individual infinito, sempre capaz de nos surpreender. Que tragam de Paris o melhor resultado possível naquele momento, que sempre nos honrará como seus compatriotas. É esse o meu sincero voto para as empolgantes semanas olímpicas que se aproximam – acima de tudo, a simples alegria do desporto como celebração universal das capacidades humanas.

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