Opinião

Here We Go: uma pré-época diferente

Here We Go: uma pré-época diferente

João Salazar Braga

Autor e consultor de comunicação

O futebol é mesmo dos pobres — dos pobres coitados que não sabem derrotar a nostalgia, porque se agarram aos costumes do passado. É provável que o leitor faça parte desta equipa

Agora que as competições continentais terminaram, podemos aproveitar (com a calma possível) a silly season, a época da pré-época em que surgem os boatos mais mirabolantes de transferências de jogadores, por cá e por lá, mas sobretudo por cá.

Só que a silly season, que não conhece sinónimo em português, mudou. Tudo mudou. O futebol mudou — e muito. Desde há uns anos que já não é o mesmo. Resta saber se mudou para melhor, ou se mudou para pior. Os adeptos têm-se unido e, numa só voz, cantam que o desporto tem piorado, estando menos autêntico — e afastando-se daquilo que já foi —, porque os interesses dos clubes (e também os desinteresses) estão mais esclarecidos do que nunca. Os adeptos também se queixam dos jogadores, que nunca estiveram tão desinspirados e robóticos. Pode ser que a queixa seja justa, mas já se sabe que, de cada vez que um lamento apresenta um tempero saudosista, é de se torcer o nariz.

Pois, porque tudo mudou, a época de transferências também já não é a mesma. É, portanto, outra, mas continua a existir, claro — só que é menos emocionante e imprevisível do que a de outras décadas, prévias ao surgimento de Fabrizio Romano e de figuras semelhantes, que olham para os jogadores de futebol como se fossem dados de Excel.

Estou longe de querer culpar o italiano pela (também) automatização do mercado de transferências. Reconheço que Fabrizio Romano não é a causa do fenómeno, mas concluo que é uma consequência do mesmo. Hoje, o futebol é um negócio algorítmico. É uma pena, porque, no princípio, este desporto não era mais do que uma bonita e simples forma que as pessoas aplicavam para libertar a cabeça das matemáticas e de problemas próximos durante o tempo de jogo.

Já não há rumores; existem hipóteses. Já não há certezas; existem confirmações. Já não há notícias; há publicações no Instagram e no X que gritam HERE WE GO. (Mas vamos para onde? E com quem?) Por isso, folhear os diários desportivos deixou de ser tão emocionante.

Acostumámo-nos a períodos de scroll insensíveis, que raramente nos deixam de boca aberta, porque qualquer movimentação está prevista e é sabida. Faz-nos falta ler disparates em papel. Não podemos consumir fake news apenas no digital. De qualquer das formas, quando o assunto mete bola, as fake news são mais voláteis, porque — e reparem na ironia — podem representar possibilidades efectivas. Numa questão de segundos, uma notícia tonta transforma-se numa notícia verdadeira — quando a supernova futebolística assina pelo lado mais improvável. Como não ficar boquiaberto?

O futebol é mesmo dos pobres — dos pobres coitados que não sabem derrotar a nostalgia, porque se agarram aos costumes do passado. É provável que o leitor faça parte desta equipa. Sei que está preparado. Vamos sofrer juntos. Ambos sabemos que, apesar de tudo, o futebol de hoje não está inteiramente optimizado e preparado para a época em que se insere. Mas ignore a época, já que a origem deste problema localiza-se, justamente, na pré-época, que já foi tão divertida.

Pode ser que Fabrizio Romano e outros nos tenham mesmo tirado uma parte tão boa da nossa vida dentro do futebol, e que tenham levado com eles a magia dessa fase verdadeiramente especial, assim como todos os momentos que a compunham: a leitura do desportivo na praia, no começo ou ao fim do dia de verão; a impossibilidade de pronunciar os nomes mais eslavos, que apareciam associados aos nossos clubes (pois não somos mais do que crianças que passam os verões a imaginar os craques que poderão triunfar com as nossas cores ao peito); as rajadas de vento; as folhas cortadas, encharcadas e rasgadas; e a promessa de futebol novo. E de futebol incerto, tão incerto como a juventude e como a vida. E tão incerto como um verdadeiro mercado de transferências, semelhante ao espírito dos meninos que têm pouco interesse em crescer, porque basta-lhes o futebol, e porque há poucas coisas melhores do que imaginar a nova época e os novos ídolos durante a Nortada, à conversa com os tios que oferecem jornais e que, há muito tempo, os introduziram ao futebol.

Que seja apenas o futebol a mudar. E que nada mais mude.

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