Opinião

“Faites Vos Jeux”

“Faites Vos Jeux”

Laurentino Dias

Ex-secretário de Estado do Desporto

Já houve várias eliminações de portugueses nos Jogos Olímpicos e resultados aquém do esperado. E há quem diga que é pouco. Mas para o país, para cada um de nós, briosos atletas da equipa de desportos de poltrona ou mesa de café, será também pouco? Serão assim tantas as áreas em que nós, portugueses, somos capazes de competir com os melhores do mundo a um nível destes? Talvez não

É verdade que os primeiros dias de Jogos Olímpicos não foram ideais para as cores portuguesas. Nem o inédito apuramento para a final de ginástica, brilhantemente conseguido pela Filipa Martins, conseguiu eclipsar os fracos resultados gerais da equipa. Mereceu pelo menos destaque com foto na primeira página dos jornais generalistas, algo que os desportivos parecem reservar apenas para medalhados. É pena, porque ninguém melhor que os especialistas para compreender e partilhar com os seus leitores a avaliação de resultados em contexto de competição olímpica - neste caso, a relevância da primeira presença de sempre de uma atleta portuguesa numa final da ginástica.

A Filipa Martins vai estar entre as 24 melhores ginastas do mundo, isto depois de anos a preparar o salto que a projetou para esta final, e a sofrer o calvário de cinco operações ao tornozelo! Respeito por este sofrimento e determinação! O Nelson Oliveira obteve um diploma olímpico pelo 7.º lugar na prova de contrarrelógio no ciclismo, também entre os melhores ciclistas do mundo. É pouco? Sim, sobretudo para atletas que trabalharam e sonharam com mais. Mas para o país, para cada um de nós, briosos atletas da equipa de desportos de poltrona ou mesa de café, será também pouco? Serão assim tantas as áreas em que nós, portugueses, somos capazes de competir com os melhores do mundo a um nível destes? Talvez não.

Assim devem ser lidos estes resultados. Quando se ouve a Catarina Costa, depois de eliminada no seu segundo combate no judo, dizer “...fui ao limite dos limites na minha preparação”, ou “fiz treinos muito duros, ninguém tem a noção dessa dureza”, com que autoridade se vem criticar negativamente um resultado, como se a atleta não tivesse cumprido consigo própria e com o país que representa?

Sejamos honestos. Há seguramente muito trabalho para fazer no sentido de reforçar a representação olímpica de Portugal, procurando garantir um número de presenças que possibilite que, mesmo com um inevitável dia mau de uns quantos, outros existam para alcançar os pretendidos bons resultados para os quais a engrenagem desportiva nacional se esforça. Vejamos. A Filipa esteve em dia sim e vai à final. O Gustavo Ribeiro no skate esteve em dia não e foi eliminado. Uma e outro, foram os únicos portugueses considerados aptos a competir nas suas modalidades a este nível. Ou seja, ambos estavam sozinhos, entre a alegria e a tristeza, a vitória ou a derrota. Não havia sequer o apoio de uma equipa, colegas a viver a mesma situação, que ajudam a reforçar, mas também a relativizar a competição. Imaginemos a diferença que isso traz à preparação dos atletas dos países de grande escala como os Estados Unidos, e também aos de média com mais estabelecidas tradições desportivas em certas modalidades.

JOSÉ SENA GOULÃO

Sabemos o que isto significa. Se, neste verão, escolhermos um único dia para ir à praia, arriscamos o azar de chuva, como ontem aconteceu: mas se formos por toda uma semana, pode acontecer chuva um dia, mas o sol nos demais salva-nos as férias. O que Portugal precisa para obter resultados, é de conjugar atletas e equipas técnicas, organizações desportivas e infraestruturas capazes, apoios públicos e privados, fortalecendo em número as equipas nacionais, e apresentando em cada modalidade potencialidades diversas, rompendo com o “fado” de depender de uma só esperança, de um só candidato de absoluta exceção.

Uma competição (e as olímpicas são as maiores) é um jogo, uma lotaria. Sabemos bem que ninguém gosta de ir a jogo com uma só ficha. É preciso apostar com várias para que uma delas possa ser premiada. “Faites vos jeux”, dizem os franceses na roleta. Fazer jogo é também sempre uma aposta na sorte. Ainda só se cumpriram os primeiros dias. Daqui até 11 de agosto ainda muito vai acontecer nestes Jogos de Paris. E não seria a primeira vez que a segunda metade da competição nos viria trazer reconfortantes resultados, e até glórias surpreendentes. Tenhamos confiança. Vem aí a nossa representação no triatlo, ciclismo, canoagem e atletismo, entre outras, com boas razões para nos empolgarem e nos trazerem alegria.

Entretanto, importa fazer justiça ao modo sério como os atletas portugueses têm encarado os seus resultados. Sem desculpas ou justificações fáceis, mas com a dignidade própria de quem tem consciência de ter feito o melhor, por si próprio e pelo país que representa. Os atletas olímpicos estão a ser (e assim lhes cabe) um exemplo - de desportivismo no enfrentar do resultado, e de responsabilidade na hora da avaliação. Ainda não ouvi ninguém a justificar desaires com desculpas, ou a queixar-se de razões externas para uma derrota, que não o seu próprio desempenho. Uma missão olímpica deve exprimir uma atitude de nobreza individual e coletiva. Assim tem sido, e acredito que assim seja até ao último atleta terminar a última prova.

Vamos em frente. Tenho uma experiência pessoal que me transmite a esperança de que melhores dias se aproximam. Em 2008, nos Jogos de Pequim, era grande a expectativa de brilhantes resultados nacionais, tal era o nível dos atletas portugueses apurados. Talvez se tivesse exagerado nessa expectativa. A verdade é que os primeiros dias não correram bem, e o desânimo começava a aparecer. Mas as nuvens dissiparam-se e, da prata da Vanessa Fernandes ao ouro do Nelson Évora, a missão portuguesa teve razões para se sentir reanimada. Vamos instalar-nos nas nossas poltronas e dar aos nossos atletas uma exibição de apoio moral de qualidade olímpica, digna de ser medalhada com ouro. Muito está ainda em aberto nestes Jogos de 2024 em Paris.

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