Opinião

“Les jeux sont faits?”

“Les jeux sont faits?”

Laurentino Dias

Ex-secretário de Estado do Desporto

Os grandiosos exemplos que Gabriel Albuquerque, Patrícia Sampaio e Filipa Martins deixaram nos Jogos Olímpicos de Paris são consequência de histórias simples, de campeões não anunciados, vindos de clubes não publicitados. Uns e outros a mostrar que o país desportivo existe também ao mais alto nível para além da grande cidade ou do grande clube

“Pas encore!” responde um português confiante no que ainda está para vir dos atletas nacionais nos Jogos de Paris. Ontem [terça-feira] entraram, e bem (ou não fossemos navegantes!), as canoas na água e as velas no mar, esta quarta-feira vem o ciclismo de pista e o atletismo continua. E a esperança nunca morre. A representação portuguesa vai estar ao nível das melhores de sempre, sendo que a avaliação possível só deverá acontecer quando a maratona chegar ao fim.

Ao longo de 15 dias, na perspetiva do espetador, os Jogos Olímpicos são uma sucessão tão assombrosa e vertiginosa de competições que se afigura impossível de os acompanhar em todo o seu significado e riqueza. Não dá sequer tempo para refletir. Em curto espaço se passa da vitória à derrota, da euforia à frustração, da medalha ao vazio. E se isto é absoluta verdade para quem assiste, quanto não é a mais clara realidade para quem participa, sobretudo para os atletas!

Muitos meses ou anos antes, um atleta vive o sonho que parece inalcançável de ser um dos eleitos, depois concentra-se e dedica-se ao objetivo de atingir os mínimos, para do sonho passar à realidade de estar presente e, finalmente, a competição dirá que lugar lhe ficou reservado. O turbilhão das emoções, do nervosismo, da responsabilidade, da pressão global e já agora dos adversários, ditarão o resultado, que todos ambicionam que seja compensador da dureza do caminho.

Sendo certo que assim manda a prudência e o respeito, e que não se devem antecipar balanços, vamos referenciar alguns factos e momentos:

Quem diria que seriam precisos uns Jogos Olímpicos para que as generalidades dos portugueses se inteirasse da existência de clubes como a Associação de Pais e Amigos da Ginástica de Loulé, a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais em Tomar, ou o Acro Clube da Maia?

Gabriel Albuquerque, o mais jovem atleta português nestes Jogos, com os seus 18 anos, vivendo e treinando em Loulé, atingiu a final olímpica de trampolim na ginástica e trouxe para casa um diploma correspondente a um brilhante 5.º lugar, dizendo no fim “que lhe soube a pouco.” Nascido em Almada, a família mudou-se há anos para Loulé atrás do seu treinador João Monteiro, e claramente valeu a pena. Na Arena de Bercy, feliz com o que foi o melhor resultado nacional de sempre nessa especialidade, abraçou o seu antecessor Nuno Merino (sexto classificado em Atenas) e sussurrou-lhe um camaradesco “já foste!” Bonito de ver.

Patrícia Sampaio tinha uma multidão à sua espera no aeroporto. Medalha de bronze ao peito, a sucessora da linhagem de Nuno Delgado, Telma Monteiro e Jorge Fonseca não parava de chorar. Compreensível! Na sua biografia, publicada no site da equipa portuguesa antes de partir para Paris, escreveu como sua curiosidade/talento escondido: “Sou muito chorona, tanto que só pode ser um grande talento.” Em Tomar, com o seu irmão a treinador, nasceu uma campeã que a Filarmónica foi buscar a Lisboa. Igualmente bonito.

Filipa Martins, aos 28 anos, confessava: “Tive a sorte de viver na era da Simone Biles, e de estar numa final olímpica com ela.” Sim, a Patrícia foi a primeira ginasta portuguesa a atingir uma final all-around. Chamou o 20.º lugar que obteve “a sua medalha pessoal”, tornando-se a melhor ginasta olímpica portuguesa de sempre. Para trás muitos anos de esforço, muitas dores e angústias de cinco operações ao tornozelo, tudo superado em honra de um sonho agora realizado. Tudo partilhado com o seu clube na Maia, que diz no site da sua apresentação: “Acreditamos no poder do desporto que molda o caráter, fortalece o corpo e desenvolve a mente de quem o pratica.” Muito bonito também.

JOSÉ SENA GOULÃO

São histórias simples, de campeões não anunciados, vindos de clubes não publicitados. Uns e outros a mostrar que o país desportivo existe também ao mais alto nível para além da grande cidade ou do grande clube. Quantas vezes a diferença entre o clube pequeno e o grande é a diferença entre o “fazer” e o “contratar” um campeão! Fazer um campeão exige humildade e sacrifício, mas sobretudo tempo, condições nem sempre compatíveis com a “fome” urgente de títulos que um clube grande, pelo seu estatuto, acaba por ter de privilegiar.

A convivência entre estas duas realidades será sempre saudável e frutuosa para o desenvolvimento do alto rendimento em Portugal. Aqui, como em tudo, o equilíbrio e o bom resultado dependerão sempre da atenção e apoio que se dispensar aos mais pequenos, visto que os maiores têm já a seu favor a força dos números. Se assim o fizermos e continuarmos a fazer, com determinação e confiança, no final tornar-se-ão todos maiores, crescerão uns com a competição dos outros e Portugal ficará para sempre desportivamente mais forte.

É moda hoje dizer-se (desculpe-se a piada de época balnear) que os corpos de verão se preparam no inverno. Da mesma maneira sabemos que os heróis olímpicos se constroem em cada uma das competições que antecedem os Jogos, desde o começo da sua carreira desportiva. E tudo assenta principalmente na capacidade que um país tem de proporcionar aos seus mais jovens atletas não só estruturas de treino e enquadramento técnico, mas também suficiente competição de altíssimo nível dentro das próprias fronteiras. Um Portugal ainda mais cheio de desporto e belos desportistas, a sonhar desde o começo com grandes resultados, a lutar dia a dia entre si pela superação de limites, pela excelência a nível mundial. Acho bonito.

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