José Manuel Constantino, o presidente do Comité Olímpico de Portugal, deixou este mundo e nele um legado de visão e conhecimento exemplares, vindos de um “verdadeiro campeão”, dos que não viram a cara à luta e jamais desistem. Ainda pôde ver Iúri Leitão e Rui Oliveira a vencerem o ouro no madison, heróis “humildes, que não apregoam os seus feitos nem ameaçam coisas maiores” e “na hora da vitória só choram, sorriem e agradecem”
1. É arrasadora a imagem daqueles dois jovens, Iuri e Rui! Já a revi inúmeras vezes e nem assim sou capaz de o fazer sem emoção. É tão bonito ver como podem ser simples e encantadores os campeões. E estes são verdadeiros campeões! E olímpicos! Não há lugar mais alto que este Olimpo desportivo para enquadrar a expressão misturada de doce incredulidade e louca alegria que tivemos ocasião de partilhar naquela hora inesquecível.
É o povão em lágrimas, apetece dizer! É o povão todo, de medalha ao peito, a cantar o hino como quem quer mostrar ao mundo a sua alma valente! A clamar alto e bom som que o nosso povo quando quer, quando tem condições e meios, consegue ser campeão. Aconselho a que se revejam os últimos minutos da corrida daqueles rapazes! É vê-los a serpentear a uma velocidade louca por entre os adversários. Onde foram buscar a força brutal com que atacaram as últimas voltas? Eles dizem que treinaram e assim combinaram, pronto! Mas não é só isso! Tantos outros tentam igual e não conseguem…
O que eles não dizem, mas nós sabemos, é que têm aquela força própria dos grandes campeões. Não é só a força e resistência física (como eles mostraram ter de sobra!), nem são só as excelentes condições de trabalho (como eles falaram com amor do Velódromo da Anadia!). A força dos campeões é antes de mais uma força de espírito, como a destes que são campeões antes de mais como exemplo de desportivismo. Porque são humildes, não apregoam os seus feitos nem ameaçam coisas maiores, na hora da vitória só choram, sorriem e agradecem. À família, aos amigos, aos treinadores, ao povo sem nome que eles sabem que está tão feliz como eles!
Estes campeões, são dos que não vendem desculpas quando não saem vencedores, dos que não desatam a reclamar condições quando se apanham de medalha ao peito! Estes campeões merecem tudo, tanto mais que sabem que o seu país nem sempre lhes pode prometer sequer este mundo, quanto mais o outro. Nasceram simples e vivem simples, e isso os trouxe até aqui. Não iriam agora envaidecer de ouro ao peito. São um enorme exemplo, desde logo para a nossa equipa olímpica, que teve vitórias e derrotas, reações ajustadas e algumas (poucas, diga-se) menos louváveis.
Os atletas que atingem a honra de participar nos Jogos Olímpicos não devem oferecer desculpas quando perdem, ou rogar desculpas a todos nós por objetivos não atingidos! A sua presença nos Jogos é, desde logo, uma vitória, só ao alcance de quem teve competência e disciplina, competitividade sustentada, humildade realista, perseverança, e acima de tudo ambição. O povo só pode agradecer e admirar este tipo de trabalho, qualquer que seja o resultado final.
2. Paro por aqui na análise dos Jogos. Voltarei mais tarde. Acabo de ter a notícia do falecimento de José Manuel Constantino, Presidente do Comité Olímpico Português. Estive com ele, pela última vez, no passado dia 22 de julho, numa conferência parlamentar na Assembleia da República onde fomos ambos oradores. Profundamente debilitado, ofereceu, no entanto, mais um brilhante improviso sobre associativismo desportivo. Poucos, mas muito poucos, serão capazes de resistir como ele resistiu a uma prolongada e fatal doença sem perder a lucidez e o discernimento, e mais ainda sem “desistir” da sua missão de se manter ao leme do projeto olímpico nacional.
Naquela oportunidade trocámos algumas palavras. Sabia que no dia seguinte partia para Paris para acompanhar a Missão do seu Comité, do seu país. Não podia ficar por cá. Tinha de estar no seu posto. Foi isto que me disse. Só me cabia respeitar a sua decisão e reconhecer a sua determinação, desejando-lhe muita força e muito boa sorte. Foi isto que lhe disse.
Dias depois conversei com Artur Lopes, vice-presidente do COP, médico e amigo do Zé Manel (era assim que lhe chamava), e partilhámos a nossa preocupação. Era inevitável perceber que aquela ida a Paris seria uma violência física e emocional para quem estava tão gravemente debilitado. Mas nada havia a fazer. Era o profundo espírito de missão e obrigação que se lhe impunha. Era lá que tinha de estar e esteve. Participou no Jogos, honrou o seu posto, foi o maior dos exemplos de serviço público que se poderiam esperar de um cidadão.
Ao longo da vida, foi ao Desporto que dedicou todas as suas forças e capacidades, em diversas funções de responsabilidade, deixando em todas um legado de visão e conhecimento exemplares. Merece a nossa plena homenagem. José Manuel Constantino foi ele mesmo um verdadeiro campeão. Dos que não viram a cara à luta e jamais desistem.
Lutou nos últimos anos também o combate cruel da sua saúde, com dor e sofrimento, mas também aquela dignidade reconhecida nos campeões. Desde há tempos que se mostrava inevitável vir a perder esse combate. Ele sabia-o. Mas esperou, num esforço final, para ver Iúri e Rui de ouro ao peito. Missão cumprida. Depois, foi…….. Levou no coração aquele ouro como seu. Sofreu por ele como um atleta dos maiores, e junta ouro aos louros que lhe são devidos. Bem-haja, José Manuel Constantino, e muito obrigado.